Vinícius Gonçalves: TRF-3 pode ajudar a reconstruir São Sebastião

São Sebastião, município no litoral norte de São Paulo severamente atingido pelas chuvas no último Carnaval, aguarda com ansiedade o desfecho do imbróglio jurídico que pode liberar aproximadamente R$1 bilhão depositados em juízo. 

A 4ª Turma do TRF-3 (Tribunal Regional Federal da 3ª Região)  vai julgar, nesta quinta-feira (4/5), os recursos da ANP, IBGE, São Sebastião e Ilhabela sobre os royalties do petróleo. São Sebastião busca a liberação imediata dos recursos depositados em juízo.

Os recursos do IBGE e da ANP defendem a legalidade do processo administrativo feito pelo instituto de geografia e estatística, que reconheceu a confrontação de São Sebastião com os campos de produção em alto mar e mudou a distribuição dos royalties. 

Já Ilhabela se limita a sustentar a perda de interesse de agir, sem entrar no mérito da questão em debate no TRF-3. Isso porque Ilhabela também recorreu à Justiça Federal da Seção Judiciária do Distrito Federal (TRF-1) para discutir o mérito da questão. 

A demanda proposta pelo município de Ilhabela sempre esteve fadada à improcedência. Ao contrário do que Ilhabela chegou a alegar, nunca houve desrespeito aos postulados da ampla defesa e contraditório nas esferas administrativas perante a Agência Nacional de Petróleo e o IBGE.

O que houve foi perda do prazo, por parte de Ilhabela, para manifestação no processo administrativo. Ilhabela sempre buscou nesta demanda socorro perante o Poder Judiciário para recuperar o prejuízo processual  que causou a si mesma. 

Centro histórico de São Sebastião

Prefeitura Municipal

Tanto é que a desembargadora federal Marli Ferreira, relatora do acórdão prolatado nos autos do pedido de efeito suspensivo ao recurso de apelação nº 5011686-10.2022.4.03.0000, já tinha destacado que “(…) o decreto judicial após toda a instrução probatória, respeitando-se o contraditório e ampla defesa, declarou a improcedência da ação, sendo certo que a matéria sobre a qual controvertiam as partes, foi devidamente analisada”.

“Assim entendo presente os pressupostos autorizadores da concessão da tutela recursal, posto que eventual risco de dano grave, ou de difícil reparação milita exatamente à favor do Município de São Sebastião, que se vê privado dos valores dos royalties já depositados. Concedo pois a tutela recursal, determinando seja expedido o alvará para levantamento de todos os valores consignados à ordem do Juízo em favor do Município de São Sebastião.”

IBGE reconhece direito de São Sebastião

A queda de braço entre os dois municípios decorre do fato de o instituto, órgão técnico responsável pela demarcação das linhas geodésicas, ter refeito suas projeções para a Bacia de Santos em 2020. A partir disso, o órgão técnico entendeu que São Sebastião tinha direito legal a receber os royalties referentes à produção de óleo e gás natural dos campos que se situam na área de confrontação do município, mesmo Ilhabela estando situada entre os campos e o continente, em uma espécie de “sombra de ilhas”. 

Nessa toada, cabe ressaltar o próprio teor da Resolução de Diretoria 1.132/2024 da ANP, que assim dispõe: “Adoção do Conceito de sobreposição de faixas de confrontação para fins de cálculo dos percentuais médios de confrontação de campos produtores marítimos”.

Os conceitos abordados explicitam a possibilidade de uma dada área ser confrontante com mais de um município por qualquer dos critérios, tendo em vista a formação irregular do litoral brasileiro.

Com isso, Ilhabela, que ficava com 100% dos recursos referentes à confrontação com os campos de Bacalhau Norte, Lapa, Mexilhão, Nordeste de Sapinhoá, Noroeste de Sapinhoá, Sapinhoá, Sudoeste de Sapinhoá e Sul de Sapinhoá, agora tem que dividir sua antiga participação de forma praticamente igualitária com São Sebastião. 

Inconformada com a perda legalmente imposta, Ilhabela também acionou o TRF-1 contra o IBGE e a ANP, esta última responsável pela distribuição dos recursos. Nesta segunda demanda, Ilhabela optou por não considerar São Sebastião como parte no processo, apesar de o pleito de Ilhabela ter por objeto a anulação do processo administrativo aberto por São Sebastião e que resultou na revisão da distribuição dos valores dos royalties. O fato de a demanda mexer na condição jurídica de São Sebastião como município produtor de petróleo e de gás natural corrobora o interesse direto do referido ente nestes autos.

A anulação do processo administrativo pleiteada por Ilhabela resultaria no retorno da categorização jurídica anterior à revisão das linhas geodésicas feita pelo IBGE, inclusive, com alteração do percentual médio de confrontação. O resultado disso seria uma perda econômica enorme para São Sebastião, que já teve seu direito assegurado pelos órgãos técnicos.

Diante disso, Ilhabela passou a litigar no TRF-1, TRF-3, STJ e STF, numa chicana jurídica, com medidas cautelares, mandado de segurança, suspensão de liminar e conflito de competência, em discussões com a mesma controvérsia, todas já devidamente afastadas pelos respectivos órgãos jurisdicionais. 

TRF-3 tem a competência para liberar os depósitos judiciais

Em decisão recente, a 17ª Vara Federal do Distrito Federal reafirmou o entendimento de que não compete ao TRF-1 conferir a destinação de valores depositados em demanda em curso regular perante outro tribunal. A decisão foi dada após demanda feita por Ilhabela e confere, agora, uma importância ainda maior ao julgamento previsto para o dia 4 de maio, na 4ª Turma do TRF-3.

Presente, passado e futuro

A decisão do IBGE mexe com a partilha bilionária dos recursos do petróleo não só daqui para frente, mas também nos últimos cinco anos. São Sebastião, que tem direito a esses royalties, deve também reaver o que deixou de receber pelo menos nesse período estipulado pela lei. 

Apesar da decisão do IBGE e da ANP, hoje São Sebastião depende da conclusão desse imbróglio judicial para fazer uso dos valores depositados judicialmente. Os recursos são mais do que urgentes para que o município tenha uma perspectiva de normalidade no horizonte, considerando especialmente o desastre   natural que assolou o município, provocando danos na infraestrutura, saneamento, segurança, saúde e meio ambiente.

De acordo com levantamento do Instituto de Pesquisas Ambientais (IPA), foram contabilizadas 693 cicatrizes, com uma área total 208,5 hectares dentro e fora do Parque Estadual da Serra do Mar. As obras de recuperação dependem de muito dinheiro e os recursos dos royalties devem legalmente ser usados nessas obras indispensáveis para a população.

Vinícius Peixoto Gonçalves é advogado com especialização em Direito do Petróleo pela Coppe/UFRJ. Especialista em Regulação de Petróleo, Gás e Energia.

Consultor Júridico

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