Laércio dos Santos: Perspectiva de manutenção da jurisprudência

A jurisprudência do TCE (Tribunal de Contas do Estado) de São Paulo, com base na Lei Federal nº 8.666/93, é firme no sentido da impossibilidade de equilíbrio econômico-financeiro na ata de registro de preços. Encontramos exceções apenas para casos excepcionalíssimos como a variação brusca dos combustíveis que transformou o seu preço de mercado em metáfora viva do imponderável.

Mesmo a exceção encontrada não admitiu o reequilíbrio propriamente dito, mas apenas aceitou a necessidade de reequilíbrio como forma de não transformar o serviço público em capítulo bíblico do apocalipse.

Ouso afirmar aqui que a jurisprudência será mantida, mesmo com a nova Lei de Licitações e Contratos.

Uma análise precipitada poderia conduzir o intérprete à conclusão de que o artigo 82, VI da nova lei conduziria à possibilidade de reequilíbrio, caso haja previsão no edital.

Assim, prevê referida regra:

“Art. 82. O edital de licitação para registro de preços observará as regras gerais desta Lei e deverá dispor sobre:

(…)

VI – as condições para alteração de preços registrados;

Pensamos que a referida regra autoriza tal previsão apenas para hipóteses excepcionais em que haverá prejuízo na manutenção dos serviços públicos tal e qual já aponta a jurisprudência do TCE-SP.

A jurisprudência sumulada do TCE-SP já aponta que o registro de preços não é compatível com serviços continuados, onde a imprevisão contratual e o reequilíbrio tem mais sentido.

Nesse diapasão é a Súmula 31 da Corte de Contas:

“Em procedimento licitatório, é vedada a utilização do sistema de registro de preços para contratação de serviços de natureza continuada.”

A súmula transcrita permanece em vigor com a nova lei de licitações e contratos em nosso modesto entendimento.

As principais inovações sobre o registro de preços na nova lei referem-se à possibilidade de “carona”, registro de mais de um licitante e a possibilidade de prorrogação por novo período de um ano. Também a possibilidade de oferta parcial pelo licitante é mudança digna de nota.

Nenhuma destas apontadas novidades é o suficiente para retirar do registro de preços o seu caráter de aquisição pontual para serviços e bens cujo planejamento seja mais dificultoso.

O registro de preços “força” o aumento do preço a ser oferecido pelo (s) licitante (s) já que obriga o particular a manter estoque para fornecimento imediato ao poder público.

É óbvio que o custo do preço da manutenção do “estoque” será repassado para o preço a ser oferecido no registro de preços.

Nenhuma das inovações do novo sistema registral são suficientes para transformar o preço da ata do registro de preços num valor idêntico às aquisições de mercado em que não há essa exigência indireta da manutenção de “estoques”.

Ainda que tenha ocorrido a amenização destes custos com a possibilidade de mais de um licitante na ata e a possibilidade de “carona” que torna a ata numa expectativa com maior probabilidade de efetivação, ainda assim, o risco de estoque sem comprador continua presente. Todo custo do licitante é computado no preço final.

Esse é o ponto central a ser analisado acerca da manutenção da jurisprudência sobre a vedação (em regra) do reequilíbrio. Uma nova ata tem maior probabilidade de aproximação com o preço real de mercado já que a ata sempre se efetiva com o spread da possibilidade de estoque inútil para o fornecedor.

Para fazermos uma comparação grosseira, a ata de registro de preços equivale à aquisição pelo consumidor de um produto numa padaria 24 horas ou num atacadão que funciona apenas em horário comercial com vendas de produtos em maiores quantidades.

Não se pode esperar que a padaria venda um litro de leite pelo mesmo preço do atacadão. Seria um contrassenso econômico absurdo. Da mesma forma, quanto ao registro de preços em que o licitante deve “aguardar” sem a certeza da venda do produto ou serviço.

O registro de preços não é um contrato propriamente dito mas mero contrato preliminar. Marçal Justen Filho[1] afirma em sua reconhecida obra:

“A ‘ata de registro de preços’ não produz diretamente um contrato de fornecimento ou de serviço. Ela formaliza um contrato preliminar, que envolve a disciplina de futuras contratações entre as partes.” (grifos nossos)

O reequilíbrio econômico-financeiro é aplicável aos contratos propriamente ditos e não aos contratos preliminares que podem se transformar em promessa jamais cumprida.

A nova lei de licitações menciona a palavra “econômico-financeiro” em 16 oportunidades. Em nenhuma delas aparece entre os artigos 82 a 86 que tratam do tema do registro de preços na nova lei. Aparece, porém em seis oportunidades dentre os artigos 124 a 136 que tratam do capítulo da alteração do contrato e dos preços.

Em síntese: o reequilíbrio econômico-financeiro da nova lei de licitações é aplicável a contratos propriamente ditos e não a promessas de contrato que carregam um acréscimo, em sua gênese, de preço inflado pelo dever jurídico de manutenção de um estoque de uso incerto.

O professor Marçal[2] admite a possibilidade do repactuação de preços no registro de preços com a nota da excepcionalidade. Assim:

“(…) Eventualmente e na medida em que se promova registro de preços para serviços continuados com a utilização de mão de obra exclusiva, pode-se cogitar de repactuação de preços.”

E prossegue:

“Caso se verifiquem eventos supervenientes de cunho extraordinário, acarretando o desequilíbrio da relação original entre encargos e vantagens, a solução mais adequada é a extinção do registro de preços.” (grifos nossos)

Portanto, nossa aposta, pedindo licença ao TCE-SP, é a de que a jurisprudência da Corte de Contas permanecerá exatamente a mesma sobre a excepcionalidade do reequilíbrio econômico-financeiro no âmbito do registro de preços, preferindo-se que seja extinta a ata anterior e firmada outra diante da natureza do registro de preços de aquisição com maior risco para o fornecedor e, na mesma proporção, maior preço para a administração pública.

Laércio José Loureiro dos Santos é mestre em Direito pela PUC-SP, procurador municipal e autor do livro Inovações da Nova Lei de Licitações (2ª ed., Dialética, 2023 — no prelo) e coautor da obra coletiva A Contratação Direta de Profissionais da Advocacia (coord.: Marcelo Figueiredo, Ed. Juspodivm, 2023).

Consultor Júridico

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