Nesta segunda-feira (1º/5), o Brasil celebra o 80º aniversário da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), mas os motivos para comemoração não são muitos, no entendimento dos advogados trabalhistas ouvidos pela revista eletrônica Consultor Jurídico. Segundo eles, o octogenário texto pede a gritos uma atualização, com a inclusão de direitos de quem não tem vínculos efetivos com empregadores, por causa da nova dinâmica do mercado de trabalho brasileiro, marcada pela informalidade.
A CLT foi criada em 1943, durante o governo de Getúlio Vargas. O documento foi instituído em decreto-lei que reuniu dezenas de normas criadas a partir de 1930. Os especialistas consultados pela ConJur concordam que, ao chegar aos 80 anos, ele precisa destacar as discussões individuais e as coletivas, pois a reforma trabalhista de 2017 deixou muitas lacunas a serem preenchidas. A regulação das atividades das plataformas digitais e a subsistência dos sindicatos, de acordo com os advogados, são duas delas.
O advogado, professor e consultor trabalhista Ricardo Calcini defende que a CLT seja submetida a uma revisão por meio de um estudo técnico jurídico. Pontos ultrapassados, ou que possam até mesmo estar à frente do tempo, devem ser revisitados, segundo ele.
“Indiscutível que o fenômeno das relações sociais, por seu dinamismo, exige do legislador uma constante atualização. A CLT sofre com tal modernização, pois o Direito do Trabalho, como qualquer outro ramo da área jurídica, deve acompanhar o surgimento de novos fatos sociais e suas mutações ao longo do tempo. Por isso, faz-se necessária uma revisão completa dos pontos que se já encontram ultrapassados, e outros que ainda continuam à frente de seu tempo, por meio de uma comissão de juristas.”
Para Calcini, os debates em torno da CLT precisam incluir direitos de trabalhadores que estão às margens da formalidade. “Tal como está escrita, a CLT é tida como uma norma binária. Ou você é empregado e tem os direitos nela previstos, ou você está à margem de uma regulamentação social mínima. Parece-me que, com as atuais mudanças, a CLT serve como um parâmetro, mas deve ser aperfeiçoada para atender às exigências impostas pelo mercado de trabalho.”
Renato Canizares, sócio da área trabalhista do escritório Demarest Advogados, afirma que a CLT vive um bom momento, motivado principalmente pelo conjunto de alterações imposto pela reforma trabalhista, mas ele também acredita que o texto precisa ser atualizado.
“Entendo que, no geral, a CLT vive um bom momento, com alguns pontos que, talvez, tenham de ser revistos. Ela é uma referência muito grande. O que demandava atualização foi alterado na reforma trabalhista. No geral, vejo a CLT se atualizando conforme o tempo vai passando. Claro, nós temos um documento muito grande, podendo existir pontos que mereçam ser revisitados. Sempre há. É um bicho vivo.”
Para Canizares, entre as lacunas deixadas pela reforma está a discussão sobre a atuação dos sindicatos. A propósito, na última semana o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, pediu vista dos autos do julgamento em que a corte revisita o tema da cobrança de contribuição assistencial imposta por acordo, convenção coletiva de trabalho ou sentença normativa a empregados não sindicalizados.
“Nós temos uma reforma que privilegiou o negociado sobre o legislado, mas que, de certa forma, enfraqueceu os sindicatos. Isso vai ser revisado para dar representatividade aos sindicatos de verdade. Temos de tratar os diferentes de forma diferente. É algo que precisa ser discutido. Há uma disparidade no que a lei trouxe, que foi dar mais poderes aos sindicatos versus extinguir qualquer forma de receita ou de subsistência deles. Entendo que é algo que precisa ser revisado porque gera muita controvérsia, discussões entre empresas, sindicatos e empregados.”
Documento carente
Integrante da equipe de Direito Trabalhista do escritório Schmidt, Valois, Miranda, Ferreira & Agel, Ana Paula Vizintini diz que a CLT “continua tendo seu valor”, mas é um documento carente no que se refere a alguns segmentos de trabalhadores.
“O que se pretendia quando ela foi promulgada era a proteção ao trabalho sob todas as formas. Tivemos uma evolução ao longo desse período, absolutamente não desejada. Ao longo de 80 anos, ela se prestou e vem se prestando de maneira bastante significativa ao seu intento, que é a proteção e regulamentação a todo o elenco de trabalhadores”, disse ela. “No entanto, hoje, mesmo com a reforma trabalhista de 2017, temos muitas lacunas a se preencher, especialmente no que se refere ao grande calo do mercado atual, que é o trabalho com grau de informalidade extrema nas plataformas. Estamos na expectativa de uma regulamentação próxima.”
Para Ana Paula, mudanças na legislação trabalhista precisam sempre ser claras e objetivas, pois ela lembra que alguns pontos aprovados na reforma de 2017 são rotineiramente levados a tribunais.
“Isso é desgastante, diria até que é frustrante, porque em 2017, com um pacote trabalhista já desgastado, capenga e inoperante, medidas foram tomadas e, ao longo desses anos, a gente tem uma discussão extrema nos tribunais superiores para se legitimar aquilo que o legislador entendeu como essencial para garantir empregos, o que acabou por não acontecer.”
Domingos Fortunato, sócio da área trabalhista do escritório Mattos Filho, também defende uma revisão da CLT. Para ele, ao longo do tempo, o texto legal ignorou os direitos de trabalhadores que buscam produção autônoma.
“A CLT foi promulgada em uma época em que as relações de trabalho eram outras. Ela não alcança, 80 anos depois, os desafios que nós temos hoje em dia”, afirmou ele. “Ela traz situações que não evoluíram, que não se justificam ao longo do tempo. Hoje em dia, há quem não quer ter vínculo formal, ser ligado a um empregador. Querem ter liberdade. Eu prego que essa atualização precisa ser feita sob amplo debate. A CLT não responde às mesmas dúvidas que tínhamos em 1943. Por exemplo, o que justificava a jornada dos bancários diferenciada para seis horas? O nível de exaustão mental que a pessoa tinha para analisar e fazer fechamentos na régua naquela época. Se alguém trabalhasse por mais de oito horas, desmaiava. Hoje, tudo é no computador. Justifica-se uma jornada diferenciada para essa categoria hoje em dia? Não!”.
Classificando esse debate como “relevantíssimo”, Fortunato defende que mudanças na atuação dos sindicatos precisam ser inteligentes para atender aos problemas particulares das diferentes categorias.
“A prioridade de qualquer governo é discutir o nosso sistema de representação sindical, empoderando os sindicatos para a negociação, permitindo maior poder, protagonismo para esses atores.”
Citando a reforma trabalhista, Juliana Mendonça, sócia do escritório Lara Martins Advogados, é outra que defende mudanças na CLT que incluam os trabalhadores de plataformas digitais.
“Quando a reforma trabalhista aconteceu, em 2017, as plataformas digitais já existiam, mas a discussão perdeu a oportunidade de incluir os direitos desses trabalhadores. Hoje, eles estão às margens da sociedade, pois são considerados autônomos. Isso tem sido muito debatido no Tribunal Superior do Trabalho, nós temos quatro julgamentos no TST, em quatro turmas distintas. Duas são favoráveis ao vínculo de emprego dos aplicativos e a outra metade é contrária. Estamos em uma situação de insegurança, o que a reforma de 2017 poderia ter sanado.”