Diego Pereira: O que é justiça climática?

Temas da ordem do dia com o potencial de impactar a vida das pessoas merecem a devida cautela ao serem expostos pela mídia e pela academia. Nesses casos, a didática é bem vinda sob pena da banalização da luta que está por trás de conceitos que valem a vida daquelas pessoas.

Justiça é um conceito apreendido por nós desde que temos noção da ideia de viver em sociedade. Justo é aquilo que não fere o que escolhemos como valores de dignidade. Em Grande Sertão: Veredas, João Guimarães Rosa compara injustiças a ruindades, simbolizando maldades e perversidades. Então, justiça é aquilo que preza pelo bem (individual e comum). Dito isso, avancemos para o tema clima.

A temática do clima ganhou relevo a partir da Rio-92, quando, o já instalado IPCC (Painel do Clima, ligado à ONU) projeta-se ao lado das iniciais Conferências do Clima (COPs): surgia a percepção de que as emissões de gases do efeito estufa, ao aumentarem a temperatura do planeta, geram graves consequências sociais.

Climático passou a ser sinônimo de tudo aquilo que resulta dessa alteração de temperatura como enchentes, calor extremo, secas prolongadas, chuvas abundantes, deslizamentos de terras, desmatamentos desenfreados.

Causa da exploração econômica-ambiental, o capitalismo desenfreado e irresponsável passou a ser porta voz de injustiças pelo clima. Estas podem ser explicadas pela percepção de que muitas pessoas estão sujeitas a “maldades” e iniquidades advindas do clima de forma desproporcional.

Imagens espaciais do Katrina, em 2005

Reprodução

A balança, na mão da justiça pendendo mais para um lado do que para outro, pesa para quem mais precisa, mais se mostra vulnerabilizado pelo clima, aqueles menos descapitalizados e sujeitos a violências territoriais tanto no campo quanto nas cidades (indígenas, quilombolas, pessoas pretas, ribeirinhos, mulheres, moradores de morros e encostas e rurais).

Justiça climática é uma dimensão de justiça que, dialogando com os direitos humanos, pretende diminuir diversas vulnerabilidades expostas pelo clima como as sociais, econômicas, culturais, políticas, étnicas e de gênero.

A transformação de bens naturais em recursos naturais gerou, na sociedade pós industrial, serias violações de direitos de quem mais protege, depende e recorre ao meio ambiente como sobrevivência.

Todo o debate de justiça climática envolve a busca pela correção de injustiças e isto é evidenciado tanto no plano internacional quanto dentro dos países.

Na seara global, evidencia-se severas desigualdades entres as nações, levando inclusive à necessidade de nomear o mundo em duas partes: norte e sul hlobal. Neste último estão países marcados pela exploração econômica-ambiental como as nações latinas e africanas. O pedido de justiça climática a partir desse contexto, falará de conceitos como dívida climática, reparação histórica, perdas e danos, financiamentos e doações para ações de reparação.

No plano interno, as injustiças permanecem. Basta lembrar o conceito de racismo ambiental surgido nos Estados Unidos, na década de 1980, com a denúncia de depósitos de lixos tóxicos em bairros negros e latinos. Em 2005, o Katrina reafirmava que a etnia era fator determinante para morrer pelo clima naquele país.

Já no Brasil, os exemplos são muitos: a violação de territórios e de culturas de indígenas e quilombolas (casos de ausência de demarcação e reconhecimentos de terras indígenas e quilombolas); o descaso com moradores de encostas e morros que, ausente políticas públicas de moradia, saneamento, são obrigados a deixarem suas casas sempre que a chuva se apresenta de maneira mais intensa (os casos de Petrópolis e do litoral norte de São Paulo); os casos de agricultores familiares que se veem cada vez mais submetidos à irregularidade dos ciclos de chuvas e disponibilidades de água para suas plantações (recentes secas na região  sul).

Todos esses exemplos evidenciam que vulnerabilidades são atrativos como chave de solução ou de amplificação de injustiças. Ao cuidar de pessoas, diminuindo injustiças climáticas, quer-se fortalecer as resiliências (sinal trocado das vulnerabilidades).

O artigo 225 da Constituição revela que cuidar do meio ambiente é dever de todos: do mercado que explora os bens naturais; do estado que tem a função de “garante” da tutela coletiva e a sociedade civil que é proprietária dessa res comuns.

A luta pela justiça climática revela-se uma luta coletiva- com as responsabilidades diferenciadas- e, portanto, mais fácil de convencimento de que é necessário agir de maneira urgente e eficaz.

No plano internacional, instrumentos de financiamentos e doações são imprescindíveis como justiça corretiva para as nações mais exploradas e subdesenvolvidas. Com ingresso desses valores nos países, é preciso encarar vulnerabilidades climáticas e resiliências como políticas públicas. Isso é justiça climática.

Diego Pereira é procurador federal (AGU), doutorando e mestre pela UnB, pesquisador do clima, Justiça, desastres e litígio climático e autor de Vidas Interrompidas pelo Mar de Lama (Lumen Juris, 2ª edição, 2020).

Consultor Júridico

Facebook
Twitter
LinkedIn
plugins premium WordPress

Entraremos em Contato

Deixe seu seu assunto para explicar melhor