A suspensão dos direitos políticos dos acionistas é um tema de grande
relevância no mundo corporativo e jurídico. Tal medida pode ser adotada por diferentes razões, desde a proteção do interesse social da empresa até a punição por condutas lesivas ao patrimônio ou à imagem da companhia.
A suspensão dos direitos políticos dos acionistas é um tema de grande relevância no mundo corporativo e jurídico. Tal medida pode ser adotada por diferentes razões, desde a proteção do interesse social da empresa até a punição por condutas lesivas ao patrimônio ou à imagem da companhia. Contudo, essa decisão não é trivial e deve ser tomada com base em critérios objetivos e respeitando os direitos dos acionistas afetados.
Neste artigo, vamos explorar em detalhes o tema da suspensão dos direitos políticos de acionistas, analisando seus fundamentos jurídicos, suas implicações práticas e os limites que devem ser observados para garantir a legalidade e a transparência desse processo.
Não são raras as situações em que sócios acabam não cumprindo com obrigações previstas em lei ou no próprio estatuto social da companhia, vindo muitas vezes à causar danos (refletindo negativamente) na continuidade das atividades empresariais.
Diante deste cenário, o legislador abriu espaço para a aplicação de sanções aos acionistas que não cumpram com seus deveres, conforme preconiza o artigo 120 da Lei 6.404/1976 (LSA), “a assembleia-geral poderá suspender o exercício dos direitos do acionista que deixar de cumprir obrigação imposta pela lei ou pelo estatuto, cessando a suspensão logo que cumprida a obrigação”.
Desse modo, extrai-se do texto legal mencionado a legalidade da assembleia geral que deliberar pela suspensão dos direitos políticos dos acionistas que não cumprirem com suas obrigações sociais.
Entretanto, importante mencionar alguns pontos de atenção para afetiva e válida aplicação das sanções, quais sejam: 1) a pena de suspensão deve ser deliberada em assembleia contemporânea à verificação da infração (ou seja, na primeira assembleia que se seguir à averiguação do fato), sob pena de preclusão; 3) a decisão deverá ser fundamentada, sendo devidamente comprovada a falta e observado o contraditório, sob pena de eventual invalidação; e 3) deve ser observada a proporcionalidade entre a pena aplicada e a falta cometida, com expressa declaração dos direitos suspensos [1].
Como bem utilizado em recente Parecer Técnico nº 31/2023 da CVM, onde a autarquia entendeu por excluir da pauta de assembleia da Gafisa a suspensão dos direitos de um de seus acionistas em razão da impossibilidade de utilização de fatos pretéritos e por não terem definido o exato descumprimento perpetrado pelo acionista, entendendo assim como ilegal a assembleia que deliberasse pela suspensão dos poderes do acionista nas condições mencionadas [2].
Esclarecidas as noções introdutórias acerca do tema, surge um segundo questionamento: Seria possível a suspensão dos direitos considerados essenciais pelo artigo 109 da LSA?
Até o momento tratamos da suspensão dos direitos políticos modificáveis, os quais são passíveis de suspensão e ajustes na forma de exercê-los. Entretanto, a lei separou dispositivo onde buscou elencar direitos considerados essenciais, isto é, aqueles dos quais os acionistas não poderão ser privados, tais como: 1) participar dos lucros sociais; 2) participar do acervo da companhia, em caso de liquidação; 3) fiscalização da gestão dos negócios; preferência na subscrição de ações; e v) retirar-se da sociedade, entre outros conforme preconiza o artigo 109 da LSA.
A jurisprudência tem partilhado da ideia da possibilidade da suspensão dos direitos dos acionistas (inclusive os essenciais), em caráter temporário como forma de medida coercitiva, cessando imediatamente após o cumprimento de suas obrigações, até então pendentes.
Em muitas decisões judiciais, é feita uma diferenciação entre os objetos tratados nos artigos 109 e 120 da Lei das sociedades Anônimas. Enquanto o art. 109 refere-se à impossibilidade da supressão (isto é, em caráter definitivo) dos direitos, o artigo 120 trata da possibilidade de suspensão (caráter temporário). Desse modo, a suspensão do artigo 120 seria totalmente aplicável aos direitos do artigo 109, tornando totalmente possível a suspensão tanto dos direitos essenciais quanto dos não essenciais.
Embora o tema não seja pacífico, autores como Marlon Tomazette, Ana Frazão, Modesto Carvalhosa e Marcelo Tadeu Cometti, também entendem pela possibilidade da suspensão dos direitos essenciais dos acionistas, até mesmo como forma de conter eventuais abusos da minoria, mantendo entretanto, parcimônia em sua aplicação, garantindo direitos como, direito de fiscalização da gestão dos negócios, direito de defesa e contraditório, se valer de meios para assegurar direitos (ex. ações judiciais e arbitragens), etc.
Por fim, em relação ao modo de sua aplicação, questiona-se se os direitos deverão ser suspensos de forma total ou parcial. Modesto Carvalhosa destaca a importância da proporcionalidade entre a falta cometida e a sanção correspondente, necessariamente declarando qual ou quais os direitos terão seus exercícios suspensos, não se admitindo que o faça de modo genérico, devendo ainda, se atentar à correlação entre a sanção e os deveres não cumpridos.
Ou ainda, como bem destaca o Parecer Técnico nº 31/2023 da CVM, o instituto da suspensão dos direitos políticos teve origem na intenção de forçar o cumprimento de uma obrigação e não o de ser instrumento de solução de conflitos em geral.
Neste sentido, valendo-se de um exemplo corriqueiro, se um acionista que deveria subscrever e integralizar 1000 ações a R$1.000,00, mas realizou apenas 700 ações, restando R$ 300,00 a serem integralizados, a suspensão dos seus direitos afetaria tão somente as 300 ações pendentes de integralização
“Ou como Modesto Carvalhosa utiliza como melhor exemplo de tal objetividade a questão da mora por acionista remisso na integralização de ações por eles subscritas e não pagas: “a suspensão do exercício dos direitos neste caso, atinge apenas as ações em atraso. Se o acionista inadimplente possui outras ações da companhia já integralizadas ou cuja integralização encontra-se em dia, não pode a suspensão abranger tais ações. Assim, a sanção deliberada pela assembleia geral não alcança subjetivamente o acionista, mas apenas as suas ações em atraso. O acionista permanece no pleno exercício dos seus direitos patrimoniais e pessoais, inclusive de fiscalização e de ação, que lhe advêm da titularidade das demais ações não atingidas pela mora” [3].
Por fim, importante ressaltar que estamos diante de apenas uma das alternativas a serem tomadas diante de desarranjos societários, principalmente em se tratando de sócios que de alguma forma estejam prejudicando o rumo da atividade empresarial, sendo necessária a análise de cada caso para a aplicação das melhores medidas cabíveis.
Gabriel Magalhães Comegno é pós-graduado em Direito de Empresas pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RJ), co-autor de livros e diversos artigos jurídicos e advogado especializado em Direito Empresarial com foco em atuação em Societário, M&A e Venture Capital.