O Congresso dos EUA vai discutir o Fair Courts Act, um projeto de lei que pretende restringir o esquema de “judge shopping” no país — a prática de mover ações em jurisdições da justiça federal, onde juízes comprometidos com ideologias políticas irão tomar decisões favoráveis aos autores das ações.
Os autores do projeto de lei, o senador Ron Wyden e a deputada federal Deborah Ross, justificam a medida legislativa com o argumento de que um único juiz federal não pode tomar, sozinho, uma decisão que irá afetar milhões de pessoas, desconsiderando leis e provas para favorecer a ideologia que compartilha com os peticionários.
O PL propõe três dispositivos principais para conter, tanto que possível, a prática de “judge shopping”.
- Todas as ações judiciais que tiverem repercussão nacional — ou com um alto nível de interesse público, por afetar as vidas de todos os cidadãos do país ou por julgar medidas tomadas pelo governo federal — devem ser julgadas por um colegiado de três juízes e não por um juiz singular, em primeiro grau.
- Tais processos de interesse público serão distribuídos aleatoriamente ao colegiado de juízes, dentro de um distrito ou do estado em que a ação for movida e não mais para um juiz em particular, como tem ocorrido. Se uma jurisdição tiver poucos juízes federais ou uma sobrecarga de processos, juízes de jurisdições contíguas poderão participar do julgamento.
- A distribuição de processos deve ser divulgada no website do tribunal para conhecimento público, com o objetivo de garantir a transparência do sistema de distribuição.
A justificativa do PL se refere especificamente a um tribunal federal em Amarillo, no Texas, onde atua o juiz Matthew Kacsmaryk, o juiz de preferência de conservadores-republicanos para mover ações politicamente motivadas, com certeza de uma decisão favorável.
O exemplo mais recente, citado na justificativa, foi uma decisão de Kacsmaryk que suspendeu uma aprovação pela FDA (Food & Drug Administration) do medicamento mifepristone, conhecido como a “pílula do aborto”. O juiz considerou o remédio inseguro, apesar de ele estar no mercado há 23 anos e de ser considerado seguro pelos cientistas da FDA.
Dois outros juízes de preferência dos ativistas de causas conservadoras-republicanas também estão no Texas: o juiz Drew Tipton, nomeado pelo ex-presidente George Bush, e o juiz Reed O’Connor que, como Kacsmaryk, foi nomeado pelo ex-presidente Donald Trump e também atua no tribunal de Amarillo.
Duas outras iniciativas para “restaurar a imparcialidade nas Cortes” correm paralelamente, uma no Congresso, outra no Departamento de Justiça (DoJ). No Congresso, a senadora democrata Mazie Hirono apresentou um projeto de lei que também visa restringir o esquema de “judge-shopping”, mas com uma proposta diferente.
O PL da senadora propõe jurisdição exclusiva do Tribunal Federal em Washington, D.C., para julgamento de casos de alto interesse público (ou de interesse nacional). Oponentes afirmam que o PL da senadora apenas inverteria o atual esquema, porque o tribunal de Washington tende a ser liberal-democrata.
Em outra vertente, o Departamento de Justiça dos EUA também entrou na luta para acabar com o esquema de “judge-shopping”. O DoJ protocolou uma petição em um processo que foi distribuído justamente ao juiz Matthew Kacsmaryk, pedindo sua transferência para outro tribunal, onde ele possa ser distribuído aleatoriamente a um entre os vários juízes da corte.
O DoJ alega que Kacsmaryk é o juiz o mais propenso a “decidir com base em ideologia partidária e não na lei e na prova”. E que não tem qualquer constrangimento “em colocar precedentes de lado e substituí-los por posições ideológicas conservadoras”.
Os procuradores federais fundamentam seu pedido na lei federal que regulamenta onde as ações contra autoridades federais devem ser movidas. E o local é onde o autor da ação reside ou mantém suas atividades principais. Na maioria dos casos, não é em Amarillo, obviamente.
João Ozorio de Melo é correspondente da revista Consultor Jurídico nos Estados Unidos.