Opinião: O acerto do STF no exame da ADI nº 6.137

No Dia Mundial do Meio Ambiente tem sido comum celebrar a importância da consciência ambiental, chamando-se atenção para os diversos problemas e dilemas ambientais existentes. Infelizmente, pode-se verificar, empiricamente, que há uma multiplicidade de desafios ainda longe de um equacionamento adequado para que se possa efetivamente atestar a existência de um desenvolvimento sustentável.

Embora essa consciência sobre os obstáculos seja necessária, é importante também comemorar e encontrar ânimo nas vitórias e avanços institucionais que também estão presentes nessa evolução do tratamento das questões ambientais.

Reprodução

Nesse sentido, uma progressiva consciência da relação entre o meio ambiente e o paradigma do trabalho decente e, ainda, da inserção nesse da construção que vem sendo denominada de Trabalho Verdes, é algo que merece ser destacado. É fato que a academia brasileira na seara trabalhista tem progressivamente dado atenção à necessária transição para uma economia  sustentável, inclusive em seu viés social, e isso contribui para o refinamento de políticas públicas e para a adoção de ações por diversas instituições.

O Programa Trabalho Seguro do Conselho Superior do Trabalho, por exemplo, historicamente  tem reconhecido a importância de um diálogo da teoria do Meio Ambiente Laboral com a teoria geral do Meio Ambiente integralmente considerado.

Assim, como forma de marcar o Dia Mundial do Meio Ambiente, nessa reflexão em face do Direito Ambiental Laboral, é interessante celebrar o relevante e acertado posicionamento do Supremo Tribunal Federal no julgamento da ADI nº 6.137 – ação direta de inconstitucionalidade proposta pela CNA (Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil).

Trata-se de controle concentrado, imputando originalmente contrariedade da Lei nº 16.820, de 9.1.2019, do Ceará, ao inciso IV do artigo 1º, aos incisos I, X e XVI do artigo 22, ao § 1º do inciso VI do artigo 24, ao caput e ao inciso IV do artigo 170 e ao artigo 187 da Constituição. De uma forma mais direta, se alegava a inconstitucionalidade de legislação que vedada a aerodispersão de agrotóxicos. Entrou em conflito o propósito manifesto da legislação protetiva do meio ambiente e do direito fundamental à saúde em face de questões formais e de alegada violação à livre iniciativa.

Para além da questão jurídica propriamente dita, o caso levou a uma reflexão sobre como abordar os princípios de prevenção e precaução ambiental no aspecto das medidas legítimas que os entes federais podem adotar para preservar o meio ambiente e a saúde de seus cidadãos.

Interessante destacar que ao longo da demanda, uma das linhas desenvolvidas pela Procuradoria do Estado do Ceará na defesa da constitucionalidade da legislação foi baseada em estudos sobre adoecimento laboral e da população da região de maior incidência de aerodispersão de agrotóxicos. Essa linha de defesa da constitucionalidade deve ser acentuada porque coloca em evidência tema que as vezes fica segregado nas avaliações regulatórias ambientais e trabalhistas –, vale dizer, se existe um risco para o meio ambiente de um determinado processo produtivo, esse risco incide inegavelmente em face dos trabalhadores desse mesmo processo produtivo.

A mesma dignidade de um cidadão em ter o seu meio ambiente hígido e sadio incide duplamente em face do trabalhador que possui a peculiaridade do direito fundamental a um trabalho decente – o que engloba um meio ambiente laboral seguro.

No voto de relatoria da excelentíssima ministra Carmem Lúcia destaca-se a conjunção de diversos enfoques convergentes para a fundamentação da preponderância dos princípios da precaução e prevenção na garantia de um meio ambiente equilibrado — narraram-se referências a estudos sobre a retenção no solo e ar de agrotóxicos e a estudos sobre potencial cancerígeno no longo prazo e intoxicante no curto prazo e, ainda, foram referenciados, expressamente, os estudos da (…) Organização Internacional do Trabalho (OIT), nos quais estima-se que os agrotóxicos causem anualmente 70 mil intoxicações agudas e crônicas que evoluem para óbito e um número muito maior de doenças agudas e crônicas não fatais”.

Especificamente em relação à realidade dos trabalhadores cearenses, a Eminente Ministra destacou estudos que apontam que “(…) os agricultores no Ceará têm até seis vezes mais câncer do que os não agricultores, em pelo menos 15 das 23 localizações anatômicas estudadas. Além disso, a taxa de mortalidade por neoplasias foi 38% maior (IC95%=1,09-1,73) nos municípios de estudo”.

Assim, reputa-se extremamente importante a linha de ponderação do julgado que apontou incidirem os princípios da garantia da integridade da vida e da saúde, bem como o princípio constitucional da prevenção e da precaução para proteção do meio ambiente equilibrado, circunstâncias que impõem cautela e prudência na atuação positiva e negativa estatal na regulação de atividades econômicas potencialmente lesivas ao meio ambiente.

Com efeito, seria possível ainda citar dentro desse juízo de proporcionalidade o direito fundamental de todos os trabalhadores na agricultura, nessas áreas de aerodispersão, de adequada proteção e prevenção de seu ambiente laboral como um recorte específico do direito à saúde de toda a coletividade.

 Repise-se, é importante verificar que o direito fundamental à saúde genérico encontra uma projeção ainda mais incisiva dentro da perspectiva do direito fundamental a um ambiente de trabalho decente, ou seja, não lesivo e que não gere adoecimento. Parece ser esse até mesmo um passo inicial para que se possa falar em trabalhos verdes e sustentabilidade socioambiental.

Assim, é significativo e emblemático o posicionamento do julgado validando legislação do Ceará que tem se afirmado em várias inciativas positivas de sustentabilidade e desenvolvimento econômico focado em indústrias e trabalhos verdes. Além de contar com um vibrante segmento de energia renovável — solar e eólica — o Ceará tem investido em infraestruturas para o desenvolvimento do hidrogênio verde.

Ainda numa análise prospectiva, é possível identificar a projeção do julgado também para a efetivação de parâmetros de Trabalho Decente e avanço de uma cultura de Trabalho Seguro. Conjugando-se o julgado em comento com o que também foi decidido na ADI nº 3.470, de relatoria da ministra Rosa Weber, parece ser uma posição solidificada no Supremo Tribunal Federal que “(…) a simples tolerância [prevista na norma editada pela União] não vincula a atividade legislativa de Estados e Municípios. De modo algum ostenta, pois, eficácia preemptiva de atividade legislativa estadual que, no exercício legítimo da competência concorrente, venha a impor controles mais rígidos ou, como no caso, a proíba.” (ADI nº 3.470, Relatora a Ministra Rosa Weber, Tribunal Pleno, DJe 1º.2.2019).

Não podemos deixar de vislumbrar nessa postura um compromisso com a vedação do retrocesso e a progressiva concretização dos direitos fundamentais, em bloco, tanto a saúde como a preservação ambiental.

Nessa mesma linha de progressiva efetivação constitucional podem ser lançadas mais algumas ideias sobre as quais vale refletir. Tome-se como exemplo a interessante questão que se suscita acerca do debate da pertinência de estudos de saúde e segurança do trabalho se tornarem capítulos obrigatórios nos exames prévios de impacto ambiental e, até mesmo, assumirem a condição de condicionantes para licenciamentos ambientais.

Indaga-se: em que medida não se torna necessário que órgãos de fiscalização ambiental e órgãos de fiscalização do trabalho entrem em articulação direta para traduzir parametrizações cruzadas que salvaguardem o meio ambiente tendo também a premissa de trabalho seguro como uma diretriz? Será que os órgãos ambientais não detêm competência para exigir dentro das soluções técnicas de preservação ambiental, a obrigatoriedade de processos laborais que previnam adoecimentos e os reflexos dos danos ambientais no ambiente de trabalho? Será que não é hora de pensar que os EIA/Rimas devem necessariamente incorporar a preocupação com a definição prévia ou a apresentação dos programas legais obrigatórios de saúde e segurança no trabalho?

São essas algumas das questões cuja reflexão concorre para uma adequada celebração do Dia Mundial do Meio Ambiente, nele incluído o Meio Ambiente Laboral — tendo ciência dos obstáculos e desafios, mas celebrando as vitórias e refletindo sobre os avanços e aprimoramentos possíveis.

Alberto Bastos Balazeiro é ministro do Tribunal Superior do Trabalho, doutorando em Direito (IDP), mestre em Direito (UCB, 2017), coordenador do Comitê Gestor Nacional do Programa Trabalho Seguro e observador na 111ª Conferência Internacional do Trabalho.

Ludiana Carla Braga Façanha Rocha é doutoranda em Direito pelo IDP, mestre em Direito Constitucional pela UFC (Universidade Federal do Ceará), procuradora do Estado do Ceará, procuradora-chefe da Procuradoria dos Tribunais Superiores. Coordenadora do Instituto Empoderar no Ceará.

Afonso de Paula Pinheiro Rocha é procurador do Trabalho, doutor em Direito (Unifor), MBA em Direito Empresarial (FGV/Rio) e pós-graduado em Controle na Administração Pública (ESMPU).

Consultor Júridico

Facebook
Twitter
LinkedIn
plugins premium WordPress

Entraremos em Contato

Deixe seu seu assunto para explicar melhor