TST anula concessão de horas extras a vendedor externo da Souza Cruz

Por desprestígio à autonomia da vontade coletiva firmada em acordo com a empresa e configurando transcendência política da matéria, a 5ª Turma do Tribunal Superior do Trabalho (TST) derrubou uma decisão de tribunal regional e anulou a concessão de horas extras a um vendedor externo da indústria de cigarros Souza Cruz.

Aplicando o Tema 1.046 do Supremo Tribunal Federal, o colegiado reconheceu a legalidade do acordo firmado entre o sindicato e a marca que limitou direitos trabalhistas — dentro dos limites previstos no artigo 62 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).

Barbara Cabral/TSTDecisão reformada privilegiou interesse individual em detrimento do acordo coletivo

Ao recorrer da decisão de tribunal regional, a empresa sustentou que houve ofensa a uma série de artigos presentes na Constituição Federal, na CLT e na Lei de Introdução ao Código Civil Brasileiro (LICC). A corporação também alegou que as atividades desenvolvidas pelo vendedor, feitas externamente e sem fiscalização, não estão sujeitas ao controle de jornada — conforme o artigo 62 da CLT —  enquadrando-se “perfeitamente à previsão inserida nos ordenamentos coletivos aplicáveis à relação sob comento”.

A empresa também afirmou que a decisão desconsiderou a validade e eficácia do acordo coletivo firmado com o sindicato, “além de privilegiar a prevalência de interesses individuais em detrimento da ordem pública e dos interesses coletivos da categoria, o que jamais poderá ser admitido”.

Relator do caso, o ministro Breno Medeiros invocou a tese firmada pelo STF, em julgamento com repercussão geral, de que “são constitucionais os acordos e as convenções coletivos que, ao considerarem a adequação setorial negociada, pactuam limitações ou afastamentos de direitos trabalhistas, independentemente da explicitação especificada de vantagens compensatórias, desde que respeitados os direitos absolutamente indisponíveis”.

O ministro destacou que o acordo coletivo firmado entre o sindicato e a Souza Cruz estabelece que “as partes aceitam e reconhecem que os empregados representados pelo sindicato acordante, que exercerem função externa e por terem total autonomia para definir seus horários de início e término de trabalho, assim como a forma de cumprimento de seu itinerário, não são subordinados a horário de trabalho, conforme preceitua o inciso I do artigo 62 da Consolidação das Leis do Trabalho”.

O relator disse que o acordo não constitui objeto ilícito, conforme previsto no rol do artigo 611-B da CLT firmado pela reforma trabalhista (Lei 13.467/2017). 

Medeiros disse que a decisão tomada em tribunal regional afastou a incidência da norma coletiva que atribui ao trabalhador externo representado pelo sindicato a exceção prevista no artigo 62 da CLT, ao fundamento de que “as circunstâncias concretas do caso, no qual a própria reclamada admite e afirma no sentido de que o autor não tinha autonomia para definir seu itinerário (hipótese na norma coletiva) e, sim, seguia roteiro preestabelecido — circunstância que, expressamente, afasta a incidência da norma referida quanto ao enquadramento do contrato no tocante à jornada”.

Na avaliação do ministro, a decisão inferiu que o empregado não tinha autonomia para definir seus horários e compreendeu que ele seguia um roteiro preestabelecido.

Medeiros destacou que a decisão pontuou premissas do trabalho (como roteiros de visitação e metas a serem cumpridas) que não sugerem, na prática, a existência de um roteiro preestabelecido que indique a possibilidade de controle da jornada. 

“O fato de a jornada de trabalho iniciar e terminar no estabelecimento do empregador em alguns dias; a existência de metas e de roteiros de visitação, de registros de atendimentos em dispositivos eletrônicos, sem dados objetivos de horários e de duração dos atendimentos; de um aparelho celular que permita uma comunicação entre empregado e empregador, caso necessária; e, por derradeiro, de um sistema de rastreamento de segurança em apenas alguns veículos da empresa, não afastam a autonomia do empregado ‘para definir seus horários de início e término de trabalho, assim como a forma de cumprimento de seu itinerário’ expressamente prevista no instrumento coletivo”, disse o ministro.

Breno Medeiros concluiu que o Tribunal Regional, “ao afastar a norma coletiva que atribuiu aos trabalhadores que exercem atividade externa a exceção do inciso I do artigo 62 da CLT, acabou por desprestigiar a autonomia da vontade coletiva das partes, decidindo de forma contrária à tese vinculante do Supremo Tribunal Federal firmada no Tema 1.046 da Tabela de Repercussão Geral, restando configurada a transcendência política da matéria”, concluiu.

Ronaldo Tolentino, sócio do Ferraz dos Passos Advocacia e advogado que atuou no caso a favor da empresa, diz que a decisão se mostra acertada, “uma vez que aplica o entendimento consolidado no tema de Repercussão Geral do STF 1.046 e prestigia a autonomia da vontade coletiva das partes”.

Clique aqui para ler o acórdão

Processo 20364-97.2018.5.04.0010

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