Todo contrato tem início com a aproximação dos contratantes, os quais, a partir de um exame de conveniência e necessidade, optam, livremente, por assumirem obrigações recíprocas em prol de determinado fim. Este exame é realizado durante as negociações preliminares e tem a finalidade de conferir “às partes a possibilidade de verificar a respectiva conveniência em concluir o contrato, mas sobretudo em tornar possível a conciliação de interesses” [1].
É certo que, nesta fase, não há que se falar em responsabilidade contratual, visto que as partes não chegaram a, formalmente, firmar compromissos entre si. Contudo, isso não significa que estejam isentas de responder por condutas impróprias, visto que, mesmo sem contrato, o comportamento de uma pode vir a gerar indevido prejuízo à outra [2]. Logo, não poderia o direito permanecer indiferente à problemática.
É o que se verifica quando uma parte é vítima de abandono injustificado das negociações preliminares e, como resultado disto, arca com prejuízos decorrentes de investimentos realizados na legítima expectativa de que tal negócio seria fechado. Rudoolf von Jhering [3], em notório trabalho, estabeleceu as bases do que hoje é definido como responsabilidade pré-contratual e, em razão dela, é possível que o ofendido pleiteie indenização em face do ofendido pelos gastos realizados durante as negociações antecedentes ao contrato.
De acordo com Karina Nunes Fritz, a responsabilidade pré-contratual “surge sempre que durante a fase de preparação do negócio jurídico uma das partes causa dano à outra em função da violação de um dever decorrente da boa-fé objetiva” [4]. E, em igual sentido, Wanderley Fernandes assevera que seu fundamento “é a violação do dever de comportar-se segundo os ditames da boa-fé” [5].
Tanto quanto aos contratos, a segurança jurídica é elemento fundamental às tratativas, pois é de interesse do direito a preservação da confiança como forma de estabilização das relações jurídicas, de modo que se exige daquele que negocia um standart mínimo de seriedade e lealdade em sua postura. Tratando especificamente do abandono injustificado das tratativas, de forma precisa e enfática, Antônio Chaves contextualiza a reprovabilidade da conduta, reforçando seu caráter antijurídico:
“Com efeito, a seriedade que se exige no cumprimento de um contrato, não há razão para não demandá-la na fase preliminar, em que cada uma [das partes] confia na lisura, na lealdade, na sinceridade da outra.
Negociações, quando se arrastam por semanas e meses, implicam em despesas, em perda de tempo, em desperdício de outras oportunidades.
Não é normal nem lógico, que depois de um certo comprometimento decorrente das esperanças que faz nascer no co-contratante, o outro se retire pura e simplesmente, sem um motivo plausível sem uma satisfação convincente.
O retrocesso em tal caso, sem que as negociações tenham alcançado um resultado positivo ou negativo, importa na violação de um tácito acordo pré-contratual, que obriga à indenização das despesas que tenham sido feitas, ou nos lucros que tenham sido perdidos, na esperança de um resultado positivo.
A ruptura arbitrária e intempestiva das negociações, contrariando o consentimento dado à sua elaboração, tem caráter de ilegitimidade e torna inúteis as despesas de que umas das partes, se soubesse que corria o risco de uma retirada repentina, se teria abstido.” [6]
Todavia, é importante esclarecer, não é a simples existência de conversa entre as partes ou qualquer tipo de dano que é abarcado pela responsabilidade pré-contratual. A doutrina define critérios mínimos para a sua configuração, com pequenas variações entre autores, mas que exprimem a mesma orientação.
Antônio Chaves elenca “quatro elementos indispensáveis para o reconhecimento da existência da responsabilidade civil”: a) consentimento às negociações; b) dano patrimonial; c) relação de causalidade; d) culpa [7].
Em síntese, haverá dever de indenizar sempre que as partes tiverem exprimido consenso à negociação e, durante as tratativas, uma delas sofrer prejuízo direto da retirada arbitrária da outra, posto que, como já asseverado, é resultado do descumprimento dos imperativos da boa-fé objetiva.
Embora seja incontroversa a imperatividade dos preceitos da responsabilidade pré-contratual, diverge-se sobre o fundamento legal para sua aplicação. Há relevante debate na doutrina se decorrente do artigo 422 [8] do Código Civil, como ditame da boa-fé objetiva, ou se é consequência da vedação ao abuso direito, positivado no artigo 187 [9] do mesmo Diploma. O ponto de discórdia é se o primeiro dispositivo se refere exclusivamente à responsabilidade contratual ou se poderia ter seu sentido ampliado para abarcar a responsabilidade pré-contratual. Alheiamente às divergências doutrinárias, em termos práticos, a adoção de um ou de outro nada afeta o direito do lesado.
Assim, compreendido que o rompimento arbitrário das negociações, ferindo os deveres de lealdade e probidade emanados da boa-fé objetiva – ou da vedação ao abuso de direito, gera a responsabilização pelos prejuízos suportados pela outra parte, cabe determinar no que consiste a indenização.
Ainda que haja vozes destoantes [10], majoritariamente a doutrina, referendada pela jurisprudência — como adiante demonstrado —, sustenta que apenas os interesses negativos do lesado podem vir a ser indenizados, excluindo, portanto, os interesses positivos. Tal conceituação foi originalmente traçada por Jhering, definindo aqueles como o que se efetivamente perdeu em razão do abandono injustificado das negociações preliminares, enquanto que estes como o que se deixou de ganhar.
A partir da perspectiva alemã, Fritz pondera que a referida distinção é objeto de críticas e reanálises, tendo a doutrina daquele país optado por denominar os interesses negativos como “dano da confiança” por sua melhor compreensão, identificando-o como “aquele que o lesado evitaria se não tivesse confiado, sem culpa, que, durante as negociações, a contraparte cumpriria com os deveres inerentes aos imperativos da boa-fé” [11].
Os motivos para a não indenização dos interesses positivos relacionam-se à percepção, quase unanime, de que é vedado ao julgador interferir na autonomia da vontade das partes a ponto de vincular a lesadora a obrigações com as quais não se comprometeu, não havendo justificativa para a atribuir à lesada posição igualmente favorável a hipótese de ter sido firmado o contrato, sem sequer correr o risco do negócio.
Para Chaves, “as perdas e danos em matéria pré-contratual não podem ser reconhecidos de tal forma que venham a sub-rogar-se aos efeitos de uma vontade contratual que não chegou a completar-se” [12], enquanto que Fichtner Pereira critica o ressarcimento positivo, pois “extrapolaria em muito a finalidade da própria responsabilidade pré-contratual, que é conceder uma compensação adequada ao prejudicado pela frustração da realização de um negócio, compensação que não guarda relação com o resultado que a parte obteria caso o contrato fosse celebrado” [13].
Ao citar diversos autores, Fritz esclarece que há aceitação na doutrina acerca da possibilidade da indenização por interesses negativos — danos da confiança, se preferir — abarcar tanto danos morais como patrimoniais.
No âmbito dos danos morais, a reparabilidade encontra fundamento constitucional, nos termos do artigo 5.º, X, da Constituição, e infra-constitucional, no artigo 12 do Código Civil, mas a autora ressalta que, tratando-se de hipótese de ruptura injustificada das negociações, “é, na prática, de difícil caracterização, posto que meras frustrações ou aborrecimentos pelo fracasso das tratativas fazem parte do risco que o contratante assume ao iniciar um processo negocial, não devendo, portanto, configurar a dor moral ressarcível”. Contudo, também sustenta que “[n]o âmbito das negociações preliminares inúmeras situações podem gerar dano extrapatrimonial, inclusive difamações ou calúnias impostas por uma parte à outra como decorrência de desentendimentos entre elas ocorrido” [14]. O essencial, portanto, é a análise casuística da ofensa moral para verificar o cabimento do ressarcimento.
Os danos patrimoniais, por sua vez, têm seu conceito dado pelo artigo 402 do Código Civil, o qual estabelece que “[s]alvo as exceções expressamente previstas em lei, as perdas e danos devidas ao credor abrangem, além do que ele efetivamente perdeu, o que razoavelmente deixou de lucrar”. Conforme Fritz, “[e]m sede de responsabilidade por ruptura das conversações, o dano emergente constitui aquilo que a parte gastou na preparação do contrato, enquanto que o lucro cessante é geralmente entendido como a perda concreta de oportunidade negocial em função do envolvimento nas conversações” [15].
De mais fácil assimilação, os danos emergentes correspondem ao que o “ofendido efetivamente perdeu em consequência do evento danoso” [16]. Logo, a indenização deve recompor integralmente o dano causado, bastando que a parte comprove a extensão de seu decréscimo patrimonial em virtude do abandono arbitrário das negociações preliminares.
Por outro lado, “o que deixou de lucrar”, ou seja, os lucros cessantes, são de mensuração mais problemática, posto que baseados em projeções futuras. Segundo Almeida Costa, o lucro cessante, para ser indenizado, deve fundar-se na perda concreta de um negócio e não em simples conjecturas. Amparado em lições de José de Aguiar Dias, Cauê Jorge de Almeida defende que seja adotado o critério da razoabilidade, eximindo o ofendido de demonstrar o lucro frustrado de maneira absoluta, cabendo apenas a comprovação da probabilidade objetiva resultante do desenvolvimento normal dos acontecimentos conjugados às circunstâncias peculiares do caso concreto.
Deve-se, assim, realizar um exercício mental em que se busca o futuro que teria maior probabilidade de ocorrer caso o evento faltoso não tivesse se consumado, mas limitado aos danos atuais — e em certas ocasiões futuros —, desde que certos [17].
Considerada a presente exposição, parece acertado quando Chaves conclui que “a responsabilidade pré-contratual indica o bom caminho, fazendo com que a lealdade de comportamento seja exigida não apenas após o compromisso formalmente assumido, mas fique colocado, por assim dizer, na antecâmara do ajuste. A teoria estende sua asa protetora sobre o ofertado, sem desamparar completamente o policitante arrependido, cuja reflexão exorta” [18].
O atuar efetivo do direito em prol da consagração da responsabilidade pré-contratual mostra-se elemento necessário ao desenvolvimento de um ambiente negocial seguro, reprimindo comportamentos oportunistas, desleais ou contraditórios. Muito além de preceitos morais, a exigência de um padrão de conduta minimamente ético entre os potenciais contratantes fomenta a atividade empresarial ao reduzir custos de transações e coibir práticas que não se coadunam com a seriedade das relações comerciais, o que, em última análise, contribui para o desenvolvimento da economia.
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Bibliografia
ALMEIDA, Cauê Jorge de. O Contrato preliminar: conceito, inadimplemento, interesse e danos ressarcíveis. Tese (Mestrado em Direito). Escola de Direito, Fundação Getúlio Vargas. São Paulo. 2019.
CHAVES, Antonio. Responsabilidade pré-contratual. Revista dos Tribunais Online. V.2. 2011. p. 245-257. Out. 2011.
FERNANDES, W. O Processo de Formação do Contrato. In: FERNANDES, W (Org.). Fundamentos e Princípios dos Contratos Empresariais. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2012.
FICHTNER PEREIRA, Regis. A responsabilidade civil pré-contratual. Rio de Janeiro: Renovar, 2001. p. 385.
GUIMARÃES, Paulo Jorge Scaretezzini. Responsabilidade civil e interesse contratual positivo e negativo (em caso de descumprimento contratual). Revista dos Tribunais Online. V. 63/2015. p. 33/58. Jun-Set.2015.
JHERING, Rudolf Von. Culpa in contrahendo ou indenização em contratos nulos ou não chegados à perfeição. Tradução e nota introdutória de Paulo de Mota Pinto. Coimbra: Almedina, 2008.
PEREIRA. Caio Mário da Silva. Responsabilidade Civil. 10. ed. Rio de Janeiro: GZ Ed., 2012.
ZANETTI, Cristiano de Sousa. Responsabilidade pela ruptura das negociações. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2005.
[8] Artigo 422. Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé.
[9] Artigo 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.
[13] FICHTNER PEREIRA, Regis. A responsabilidade civil pré-contratual. Rio de Janeiro: Renovar, 2001. p. 385. Apud FRITZ, 2009.
Pedro Henrique Fiori Felippe é advogado associado da Advocacia Felippe e Isfer atuando no setor de Contencioso Estratégico e Coordenando o setor de Privacidade e Proteção de Dados e especialista em Processo Civil pelo Instituto de Direito Romeu Felipe Bacelar.