A 3ª Seção do Superior Tribunal de Justiça vai se debruçar sobre a necessidade de alterar a recente posição das turmas criminais da corte que tem assegurado a pessoas enfermas a possibilidade de plantar maconha e produzir óleo canabidiol em suas próprias casas.
Essa posição foi construída pelo tribunal ao longo do ano passado. Em junho, a 6ª Turma abriu as portas para a concessão de salvo-conduto em favor de pacientes que, em tese, poderiam ser processados por tráfico de drogas. A 5ª Turma unificou a jurisprudência em novembro.
Em sessão da 5ª Turma nesta terça-feira (20/6), o ministro Messod Azulay, que não participou da formação desses precedentes porque só tomou posse no cargo em dezembro de 2022, propôs uma revisão da posição para tornar inviável a concessão de salvo-conduto.
A proposta foi acompanhada pelo desembargador João Batista Moreira, que também não integrava o colegiado até fevereiro deste ano, quando foi convocado junto ao Tribunal Regional Federal da 1ª Região para atuar por causa da aposentadoria do ministro Jorge Mussi.
A afetação à 3ª Seção, que reúne os integrantes da 5ª e 6ª Turmas e tem a função de dirimir divergências, foi feita pelo ministro Reynaldo Soares da Fonseca em questão de ordem acolhida por unanimidade. “Somos uma corte de precedentes. Se for para mudar o precedente, seria interessante levar para a seção”, pontuou ele.
Ativismo judicial
A proposta de mudança de jurisprudência sobre o tema se baseou no fato de a Anvisa e o Ministério da Saúde, órgãos com capacidade administrativa para definir a questão, não concederem licenças para produção, fabricação e extração do óleo da maconha.
Desde 2019, a Anvisa permite a importação do produto medicinal, desde que seja composto predominantemente de canabidiol (CBD) e que as propriedades psicotrópicas e alucinógenas da maconha (o tetra-hidrocarbinol, conhecido como THC) representem, no máximo, 0,2% do total.
No entendimento de Azulay, o Poder Judiciário não tem competência para, em Habeas Corpus, substituir a análise técnica dos órgãos públicos, que passa por critérios e procedimentos específicos. Admitir o salvo-conduto significaria diminuir o trabalho dos agentes de segurança sanitária, segundo ele.
“A demora na regulamentação do tema não é suficiente para que, em sede de Habeas Corpus, o juiz substitua a autoridade competente. Entender que há ou não mora legislativa já seria juízo inadequado nessa via processual. Não vejo justificativa para o ativismo que, em ultima instância, interfere na esfera de atribuição de outros poderes”, justificou ele.
Falta de controle
Outro ponto que embasou o voto do ministro é a impossibilidade de, em um procedimento caseiro, haver um controle adequado dos resultados. Em sua análise, a fabricação do óleo canadibiol requer conhecimento detalhado e certos cuidados para garantir a eficácia e a segurança do produto.
“É um processo para ser feito em laboratório, com equipamentos próprios, com conhecimento fármaco, químico e biológico que impede que seja depurada uma substância da outra dentro de casa. Uma substância é medicinal. A outra é psicotrópica. Isso não pode ser feito num fundo de quintal para se dizer que é medicinal” , afirmou o ministro.
Por outro lado, a droga está disponível no mercado, mediante importação. E, se algum brasileiro precisa do remédio, mas não tem poder financeiro para adquiri-lo, pode recorrer à Defensoria Pública para pedir que o Estado custeie o tratamento.
Jurisprudência evoluída
Como mostrou a revista eletrônica Consultor Jurídico, a evolução da jurisprudência do STJ para admitir salvo-conduto para plantio de maconha e produção de óleo medicinal se baseou exatamente na falta de regulamentação específica sobre o controle sanitário de tais medicamentos.
Esse processo ocorreu de maneira paulatina, com registro de decisões que, por exemplo, determinaram que planos de saúde fornecessem medicamentos à base de canabidiol e que autorizaram farmácias de manipulação a comercializar esse tipo de produto.
Na seara penal, juízos de primeiro grau, de Juizados Especiais e até Tribunais de Justiça com posicionamento penalmente rigoroso, como o de São Paulo, passaram a entender que não cabe a persecução penal quando o plantio de maconha, nos limites da lei e sob fiscalização de órgãos sanitários, destina-se à extração do óleo do canabidiol.
Assim, os colegiados criminais do STJ concluíram que não seria coerente que o mesmo Estado que preza pela saúde da população e reconhece benefícios medicinais da cannabis sativa condicione o uso da terapia àqueles que possuem dinheiro para aquisição do medicamento.
Os julgados paradigma ainda tiveram o cuidado de estabelecer que o óleo seja produzido nos limites da prescrição médica e transportado para análise em instituições competentes. Em uma delas, o laboratório da Universidade de Brasília, por exemplo.
Discussão ampla
O próprio STJ ainda terá o assunto em análise na 1ª Seção, que julga temas de Direito Público. O colegiado afetou um processo em incidente de assunção de competência (IAC) para decidir sobre autorização sanitária para importação e cultivo de variedades de cannabis.
Essas plantas, embora produzam tetrahidrocanabinol (THC) em baixas concentrações, geram altos índices de canabidiol (CBD) ou de outros canabinoides, e podem ser utilizadas para a produção de medicamentos e demais subprodutos para usos exclusivamente medicinais.
O Supremo Tribunal Federal também tem em tramitação uma ação direta de inconstitucionalidade que pede a liberação do uso da maconha para fins medicinais e terapêuticos, sob a relatoria da ministra Rosa Weber.
HC 783.717