O novo substitutivo da PEC nº 45, de 2019, disponibilizado dia 22 de junho, que trata da reforma tributária, mantém a ideia de substituição do ICMS, IPI, PIS, Cofins e ISS, por um IVA, mas na verdade serão dois tributos: um Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) e uma Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS); e embora nominalmente sejam de espécies diferentes, terão os mesmos fatos geradores, bases de cálculo, hipóteses de incidência, sujeitos passivos, regimes específicos, diferenciados ou favorecidos de tributação e regras de não cumulatividade e creditamento.
Assim, começamos a reforma que tem como principal objetivo simplificar, tendo que explicar que são dois tributos, mas que são a mesma coisa, inclusive no que diz respeito à sua natureza jurídica, embora um seja imposto e o outro, contribuição. A única diferença é que o imposto irá para os cofres dos estados e municípios, e a contribuição para a União, que supostamente, por estar recebendo uma contribuição, não tem que dividir tal receita com outro ente federativo.
O IBS será incluído na vida do brasileiro a partir da criação do artigo 156-A de nossa Constituição. É nele que está previsto que o novo imposto incidirá sobre operações e importações de bens materiais ou imateriais e serviços, realizadas por pessoa física ou jurídica. E não incidirá sobre exportações, com manutenção de créditos, que serão ressarcidos — o prazo não está no âmbito constitucional, mas nas diretrizes da Câmara falou-se em 60 dias.
O novo imposto terá uma legislação única aplicada em todo o território nacional. Entretanto, cada ente federativo (são 27) fixará sua alíquota, que será a somatória da alíquota definida pelo Estado e por cada município daquele Estado (27 x 5.568 possibilidades), nos limites das alíquotas de referência.
Vale frisar, porém, que a título de simplificação uma vez fixada a alíquota ela valerá para comprar um celular, uma batedeira, um vestido, uma faca, um computador e tudo que se qualificar como bem material ou imaterial e serviço.
Será não cumulativo — a não cumulatividade total é uma das premissas de toda esta reforma —, mas o texto constitucional traz uma exceção para aquilo que for adquirido para uso ou consumo pessoal.
O ponto mais importante no que diz respeito à não cumulatividade, porém, está na possibilidade de Lei Complementar dispor sobre o regime de compensação de créditos condicionado ao efetivo recolhimento do imposto incidente sobre a operação. Nas diretrizes do grupo de trabalho, houve clara manifestação de que não há uma forma viável de se verificar o pagamento, e que portanto, tal possibilidade deveria ficar para um segundo momento. Não obstante, consta da PEC.
Ponto de simplificação de fato é a não incidência sobre si mesmo, nem sobre ICMS, ISS, IPI e CBS.
Quanto aos benefícios financeiros e fiscais, que já estariam comprometidos com a cobrança no destino, há expressa vedação de concessões, exceto nos casos já previstos, como Zona Franca de Manaus e Simples.
Embora tenha como premissa a tributação no destino, a novidade está na definição de quem é o ente de destino: segundo o texto constitucional o destino poderá ser o local da entrega, da disponibilização ou da localização do bem, da prestação ou da disponibilização do serviço ou o do domicílio ou da localização do adquirente do bem ou serviço, dependendo da operação.
Haverá regime diferenciado de tributação para combustíveis e lubrificantes, serviços financeiros, operações com bens imóveis, planos de assistência à saúde e concursos de prognósticos.
Só a Lei Complementar trará a forma de redução do impacto na aquisição de bens de capital, como será o processo administrativo fiscal, as hipóteses de devolução do imposto para as pessoas físicas e regimes aduaneiros especiais. E é ela, também, que definirá o conceito de operações com serviços.
No final do artigo 156-A, há parágrafos que visam proteger a perda de arrecadação.
O artigo 156-B, por sua vez, trata da criação do Conselho Federativo do IBS, que será uma mistura do Confaz, com os Fiscos, Conselhos e Tribunais Administrativos, Dívidas Ativas e parte das Procuradorias dos Estados e DF e todos os municípios. Em princípio a Assembleia Geral será composta de 5.595 membros, sendo os votos distribuídos de forma paritária entre o conjunto de todos eles. O que também deverá ser harmonizado com a administração tributária da União e todos os Tribunais de Contas.
Os percentuais de distribuição do produto da arrecadação entre os membros da Assembleia Geral já constam da PEC.
Com a projeção do fim da política de redução das desigualdades regionais perpetradas pelos Estados no âmbito do ICMS, haverá a criação de um Fundo Nacional de Desenvolvimento Regional; a Lei Complementar definirá todos os critérios relevantes, no entanto a Constituição já determina que a prioridade de aplicação está em projetos que prevejam ações de preservação do meio ambiente.
A PEC institui também um Fundo de Compensação de Benefícios Fiscais ou Financeiros Fiscais para compensar até 31/12/2032, pessoas físicas e jurídicas beneficiárias de isenções, incentivos e benefícios fiscais ou financeiros-fiscais relativos ao ICMS. Os recursos virão da União, começando em 2025 com R$ 8 bilhões, chegarão a R$ 32 bilhões em 2028 e 2029, e começarão a reduzir até o valor inicial em 2032.
O inciso V, do artigo 195, cria a CBS, e resumidamente ordena que se aplique tudo o que foi dito acima do IBS.
A PEC prevê também um Imposto Seletivo (IS) de competência da União, incidente sobre a produção, comercialização ou importação de bens e serviços prejudiciais à saúde ou ao meio ambiente, o que será definido em lei. Não incidirá sobre as exportações, mas integrará a Base de Cálculo do ICMS, ISS, IBS e CBS, além de poder ter o mesmo fato gerador e a mesma base de cálculo de outros tributos. Neste ponto, é bom lembrar que a “tributação por fora” é um mantra repetido por todos os defensores desta PEC; o que é pouco mencionado é que o IS que pode ter alíquotas maiores, já que tem um propósito de contenção, é justamente aquele que continuará incidindo “por dentro” de outros tributos.
No Ato das Disposições Transitórias há uma longa transição de um sistema tributário para o outro: em 2026 inicia-se a cobrança da CBS com alíquota de 1%, compensável com PIS/Cofins, em 2027 ela se torna efetiva com a extinção do PIS/Cofins e IPI.
Já o IBS começará a ser cobrado em 2027, o ISS e o ICMS começarão uma redução gradual em 2029 até 2032, os benefícios e incentivos fiscais serão reduzidos na mesma proporção. Em 2033 os dois impostos estarão extintos.
O texto não traz referência de alíquota, mas prevê a possibilidade de redução em 50% para educação, saúde, dispositivos médicos, medicamentos, transporte, produtos agropecuários, insumos agropecuários, alimentos e produtos de higiene, atividades artísticas e culturais.
O produtor rural pessoa física com receita anual até R$ 2 milhões poderá optar por não ser contribuinte, ficando autorizada a concessão de crédito presumido para os adquirentes de seus bens e serviços.
Por fim, a PEC determina o encaminhamento ao Congresso, em 180 dias após sua promulgação, de projeto de lei que reforme a tributação sobre renda.
Conclui-se que a premissa de simplificação tão almejada não será tão simples de ser alcançada, especialmente nos anos de transição, e a depender de um órgão tão plural quanto o Conselho Federativo. Obviamente, espera-se que a Lei Complementar seja rápida e traga clareza, sob pena de termos além de uma piora no sistema tributário nacional, uma catástrofe no ambiente de negócios.
Fernanda Terra é advogada tributarista, mestre em Direito Tributário pela Fundação Getúlio Vargas (FGV/SP) e sócia do Terra e Vecci Advogados.