Era e é um anseio da sociedade uma reforma tributária objetivando a simplificação do sistema tributário nacional, maior segurança jurídica e redução da carga tributária.
A redução da carga tributária pode ser esquecida, pois nunca foi a pauta dos nossos políticos e administradores públicos. Eles tentam vender a ideia de que, apenas simplificando a tributação sobre o consumo com a criação de um Imposto Sobre Valor Agregado (IVA), ocorreria um crescimento natural do PIB do país.
Muito se debateu sobre as Propostas de Emenda Constitucional (PECs) 45 e 110, que estão no Congresso desde 2019. No entanto, o texto da PEC 45 foi alterado e, na última semana, apresentaram outro texto para reforma tributária sobre o consumo, que não possui nenhuma simplificação. As promessas feitas com a criação do IVA brasileiro, o Imposto Sobre Bens e Serviços (IBS), desapareceram. Especialmente a promessa de não cumulatividade do imposto, que buscava trazer neutralidade fiscal para a cadeia produtiva.
Essa reforma tributária é muito duvidosa e nada transparente. Além de desejarem aprovar um texto de emenda constitucional, que apareceu somente agora, de forma abrupta e sem nenhum debate com os diversos setores da sociedade, não apresentam todo o conjunto da obra. Ou seja, não apresentam os projetos de leis complementares que disciplinariam o novo sistema tributário e instituiriam os novos tributos, nem as alíquotas e demais propostas necessárias para implementação da reforma. Isso traz muita insegurança jurídica, incertezas e desconfianças.
Será extinto o IPI e entrará o Imposto Seletivo (IS). O ICMS e ISS serão substituídos pelo IBS. O PIS e a Cofins serão unidos na Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS). Além disso, há alterações no ITCMD, IPVA e IPTU.
Os princípios constitucionais tributários, que deveriam garantir uma tributação mais justa e segura aos contribuintes, estão sendo mitigados e sempre favoráveis aos entes políticos e ao fisco. Por exemplo, o princípio da não cumulatividade, que anunciavam que seria aplicado de forma plena, sem as distorções existentes no ICMS, para desonerar a cadeia produtiva e tornar o imposto mais neutro e transparente, não condiz com o que está no último texto da reforma tributária apresentado e já foi alterado.
No texto final da PEC 45, ao tratar da não cumulatividade do IBS e aplicável à CBS, é semelhante ao ICMS, com todos os mecanismos possíveis para gerar conflitos entre os contribuintes e o Fisco. Isso concede ao Fisco todas as possibilidades de restringir os direitos aos créditos do imposto e da contribuição, tornando os novos tributos complexos e cheios de exceções. Isso gera o aumento da insegurança jurídica e do contencioso administrativo e judicial.
Pela redação atual do texto da PEC 45, a não cumulatividade não será plena, existindo a previsão de exceções ao crédito do IBS e da CBS, como nos casos de isenção ou imunidade, que não acarretam direito a crédito. Isso obriga o contribuinte a anular os créditos das operações anteriores, o que traz transtornos quando isso ocorre no meio da cadeia produtiva, gerando um efeito de cumulação dos tributos e onerando a tributação sobre o consumo.
Além disso, consta no texto da proposta que pode haver restrição ao crédito na aquisição de bens para o ativo imobilizado ou bens de capital, em razão do que prevê, que a lei complementar poderá dispor sobre a forma como o impacto do imposto sobre bens de capital pode ser reduzido pelo contribuinte.
Ora, a forma de reduzir o impacto do IBS e da CBS na aquisição de bens de capital ou do ativo imobilizado é garantir o direito pleno ao crédito dos tributos na aquisição de bens para esse fim. Portanto, o que está disposto acima, que a lei complementar poderá tratar da forma do imposto sobre a aquisição de bens de capitais, parece sugerir que a lei concederá crédito de 1/48 sobre essa aquisição, semelhante a restrição ao crédito existente no ICMS.
Ademais, o texto da PEC nº 45 contém o mesmo disposto que acabou com a não cumulatividade do ICMS e criou um Frankenstein no direito ao crédito do imposto. O imposto será não cumulativo nos termos da lei complementar e, através desse diploma legal (Lei Kandir), foram estabelecidas várias restrições ao direito ao crédito do ICMS.
Também não há na proposta da reforma tributária impedimento para instituir a substituição tributária para frente e a antecipação tributária no IBS e CBS. O artigo 150, § 7º da Constituição, norma constitucional que dá fundamento para essas aberrações jurídicas, continuará vigente e eficaz. A substituição tributária para frente desconfigurou o ICMS, acabou com a não cumulatividade e a possibilidade de ser um imposto sobre valor agregado.
Portanto, o IBS e a CBS têm tudo para se tornarem um ICMS nos moldes atuais, com todas as restrições ao crédito do imposto, desnaturando esses supostos IVAs em tributos cumulativos no início da cadeia produtiva, onerando excessivamente os adquirentes, que terão que trabalhar com maior capital de giro. Além disso, a substituição tributária interfere na economia, pois influencia o preço final dos produtos, ferindo os princípios da livre iniciativa e da liberdade econômica.
Com esse texto final da reforma tributária, que os estados e o Distrito Federal estabelecerão suas alíquotas sobre o IBS, e cada município também terá competência para estabelecer sua alíquota sobre o mesmo imposto (segundo as alíquotas de referências fixadas pelo Senado Federal). Vejo apenas que ocorrerá uma ampliação das bases de tributação dos estados, do Distrito Federal e dos municípios.
No sistema tributário atual, os estados tributam as operações de mercadorias e os serviços de transporte interestadual, intermunicipal e de comunicação, enquanto os municípios tributam as demais prestações de serviços. Com a aprovação da reforma tributária, os estados terão como base de tributação, além das operações mercantis, todas as prestações de serviços, cessões de direitos, locações de bens móveis, streaming e qualquer coisa que seja objeto de consumo. Por outro lado, os municípios, além das prestações de serviços, também terão como base as operações mercantis, os serviços que eram de competência dos estados, cessões de direitos e locações de bens móveis.
Em outras palavras, com a ampliação da base de incidência dos estados, Distrito Federal e municípios, suas arrecadações e base de contribuintes aumentarão. Por sua vez, os contribuintes recolherão mais tributos do que atualmente, tendo em vista que aqueles que antes recolhiam somente o ISS, sujeitos a alíquotas entre 2% e 5%, passarão a recolher o IBS com alíquotas muito superiores, cujos valores ainda são desconhecidos.
Por sua vez, a União, que, no surgimento do sistema tributário previsto na Constituição de 1988, tinha pouca participação na tributação sobre o consumo, tendo apenas o IPI que incide sobre uma parcela da cadeia produtiva e o PIS/Cofins que incidiam sobre o faturamento à alíquota de 2,65%, com o passar dos anos foi avançando suas bases de tributação sobre o consumo através da criação do PIS e Cofins não cumulativos. Agora, com a reforma tributária, avançará em definitivo através da CBS. Além disso, os contribuintes, que atualmente estão sujeitos ao recolhimento dessas contribuições à alíquota de 3,65% na forma cumulativa, estarão sujeitos à CBS não cumulativa, sabe-se lá a qual alíquota.
Outro indicativo de que essa proposta de reforma tributária não busca simplificar o sistema tributário, torná-lo mais transparente e oferecer maior segurança jurídica aos cidadãos é a introdução da possibilidade do IBS e da CBS serem instituídos e majorados por medida provisória.
A medida provisória seria um instrumento que deveria ser utilizado apenas em casos de relevância e urgência pelo presidente da República, mas atualmente é utilizada para diversos casos, exceto para algumas matérias previstas no artigo 62 da Constituição. Também é proibido usar a MP para matérias reservadas à lei complementar. No entanto, deseja-se relativizar essa proibição para que a medida provisória possa instituir ou majorar o IBS e a CBS, mesmo sendo tributos de competência de legislação complementar.
Não há preocupações com os contribuintes e com a desoneração da cadeia produtiva, tanto que as únicas discussões que os políticos debatem atualmente são se os estados, o Distrito Federal e os municípios perderão algo com a proposta de reforma tributária, apesar de todos os mecanismos presentes no texto serem favoráveis aos entes federativos.
Portanto, o que se denota do último texto da reforma tributária apresentado é apenas uma ampliação das bases de tributação e do rol de contribuintes para a União, os estados, o Distrito Federal e os municípios, além da manutenção das distorções, complexidades e inseguranças jurídicas presentes no sistema tributário nacional, que poderão ser estendidas à tributação do IBS e da CBS.
André Felix Ricotta de Oliveira é advogado, professor de Direito Tributário, doutor e mestre em Direito Tributário pela PUC-SP, presidente da Comissão de Direito Tributário e Constitucional da OAB-Pinheiros, conselheiro do Conselho de Assuntos Tributários da Fecomercio-SP, coordenador do Ibet de São José dos Campos e ex-juiz do Tribunal de Impostos e Taxas da Sefaz-SP.