Quando o empresário, ainda que franqueado fruto de relação jurídica de contrato de franquia, abre um negócio, precisa escolher o local mais adequado, realizar reformas, conseguir clientela, fazer publicidade, entre outras condutas relevantes ao êxito do empreendimento. Forma-se, assim, um conjunto de bens, corpóreos e incorpóreos, destinado ao desenvolvimento de sua atividade. É o que se denomina “fundo de comércio”.
E, importante contextualizar que, do ponto de vista funcional e teleológico, a ação renovatória tem por objetivo evitar o enriquecimento injustificado do locador, tutelando, sobretudo, o fundo de comércio criado e desenvolvido pelo locatário durante a execução do contrato de locação, visando a protegê-lo de eventuais investidas abusivas do locador para renovar o contrato.
Como se verifica, o fundo de comércio, criado e desenvolvido pelo locatário e pela sociedade empresária, geradora de desenvolvimento socioeconômico, é a essência da ação renovatória, concebida como forma de proteção ao referido fundo de comércio, ao locatário e ao desenvolvimento econômico nacional (Lei nº 8.245/1991, artigo 51).
A jurisprudência da Corte Especial é firme no sentido de que o locatário que subloca totalmente o imóvel ao revendedor/franqueado varejista, não possui legitimidade para propor ação renovatória diante do óbice do art. 51, §1º, da Lei nº 8.245/91 (“O direito assegurado neste artigo poderá ser exercido pelos cessionários ou sucessores da locação; no caso de sublocação total do imóvel, o direito a renovação somente poderá ser exercido pelo sublocatário”) e da circunstância de que cabe ao sublocatário buscar a proteção ao fundo de comércio, por estar na posse do bem.
E, o sublocatário deverá incluir no polo passivo da ação renovatória, como Réus, em litisconsórcio passivo necessário, tanto o locador, como o sublocador.
O STJ, em alguns julgados, faz uma pequena flexibilização, entendendo que o sublocador poderia se antecipar ao sublocatário, caso tenha receio de perder o contrato pela inércia do sublocatário em ajuizar a ação em tempo hábil.
Vejamos a evolução da construção jurisprudencial sobre o tema:
“É certo que a jurisprudência desta Corte se firmou no sentido de que ‘a distribuidora de petróleo (…) que subloca totalmente o imóvel ao revendedor varejista, não possui legitimidade para propor ação renovatória da locação, diante do óbice do artigo 51, §1º, da Lei nº 8.245/91 e da circunstância de que cabe ao sublocatário buscar a proteção ao fundo de comércio, por estar na posse do bem” (AgRg no AREsp 40.840/PR, relator ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, 3ª TURMA, julgado em 21/8/2012, DJe 28/8/2012)”. (REsp nº 1.699.015, ministro Antonio Carlos Ferreira, DJe de 01/06/2020)
“Evidentemente, as agravadas poderiam ter ajuizado, sozinhas, ação renovatória em face dos locadores, se não houvesse interesse da sublocadora, com fulcro no artigo 71 e seu parágrafo único, da Lei nº 8.245/91, caso em que haveria litisconsórcio passivo necessário entre o locador e sublocador.
Sucede que, no caso, a sublocadora, antes, tomou a iniciativa da ação renovatória sem opção do litisconsórcio com a empresa que comercializa seus produtos, certamente com receio de perder o contrato pela inércia em tempo hábil da sublocatária.
(…)
Então, a presente demanda traduz comunhão de interesses entre a locatária-sublocadora e as sublocatárias, considerada a coexistência de um interesse comum no fundo de comércio entre todas elas. Nesse caso, inconsistente o argumento da agravante de que o contrato de sublocação foi celebrado com prazo indeterminado, porque eventual improcedência da ação renovatória, ou se acolhido pedido de retomada pelos locadores na sentença, afetará, sim, o contrato de sublocação”. (AREsp nº 895.689, ministro Paulo de Tarso Sanseverino, DJe de 01/08/2017).
“O Tribunal de origem decidiu em conformidade com a orientação jurisprudencial do Superior Tribunal de Justiça, no sentido de que a distribuidora de petróleo (…) que subloca totalmente o imóvel ao revendedor varejista, não possui legitimidade para propor ação renovatória da locação, pois cabe ao sublocatário proteger o fundo de comércio, segundo interpretação do disposto no artigo 51, §1º, da Lei nº 8.245/91. (…) Incide, na espécie, a Súmula nº 83/STJ, segundo a qual ‘Não se conhece do recurso especial pela divergência, quando a orientação do tribunal se firmou no mesmo sentido da decisão recorrida”, aplicável a ambas as alíneas autorizadoras'”. (REsp nº 1.353.361, ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, DJe de 16/02/2017)
“PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AÇÃO RENOVATÓRIA. DISTRIBUIDORA DE PETRÓLEO. SUBLOCAÇÃO TOTAL AO REVENDEDOR VAREJISTA. ILEGITIMIDADE ATIVA. (…) De acordo com o entendimento do Superior Tribunal de Justiça, a distribuidora de petróleo não possui legitimidade ativa para propor ação de renovação do contrato de aluguel, nos termos do artigo 51, §1º, da Lei nº 8.245/91, quando subloca totalmente o imóvel ao revendedor varejista. Precedentes. 3. Agravo regimental não provido”. (STJ, AgRg no AREsp 496.098/PR, 4ª Turma, relator ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, DJe de 10.03.2015)
“O Superior Tribunal de Justiça tem entendimento firmado no sentido de que a distribuidora de petróleo, legalmente impedida de comercializar diretamente seus produtos, que subloca totalmente o imóvel ao revendedor varejista, não possui legitimidade para propor ação renovatória da locação, diante do óbice do artigo 51, §1º, da Lei nº 8.245/91 e da circunstância de que cabe ao sublocatário buscar a proteção ao fundo de comércio, por estar na posse do bem”. (STJ, AgRg no AREsp nº 40.840/PR, 3ª Turma, relator ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVAS, DJe de 28.08.2012).
“ao contrário do que alega a Apelante, o fato de o contrato de sublocação ter sido firmado por tempo indeterminado, não confere legitimidade ao sublocador para a propositura da ação. Isso porque, a legitimidade do sublocatário permanece, mesmo nos casos em que o prazo estipulado para o contrato de locação for inferior ao do contrato para sublocação, quando então ter-se-á hipótese de litisconsórcio passivo necessário, nos termos da primeira parte do artigo 71, parágrafo único da Lei nº 8.245/91
(…)
Desse modo, verificando o sublocatário que o prazo da sublocação é superior ao do contrato de locação, incumbe a ele propor a ação renovatória, determinando a citação tanto do locador, quanto do locatário, em litisconsorte passivo necessário”.
“SUBLOCAÇÃO TOTAL AO REVENDEDOR VAREJISTA. ILEGITIMIDADE PARA PROPOR AÇÃO RENOVATÓRIA. LEI 8.245/91. (…) A jurisprudência desta Corte firmou entendimento de que a distribuidora de petróleo (…) que subloca totalmente o imóvel ao revendedor varejista, não possui legitimidade para propor ação renovatória da locação, diante do óbice do artigo 51, §1º da Lei 8.245/91 e da circunstância de que cabe ao sublocatário buscar a proteção ao fundo de comércio, por estar na posse do bem”. (AgRg no Ag nº 1.149.139/PR, relator ministro Napoleão Nunes Maia Filho, 5ª Turma, julgado em 15/2/2011, DJe de 9/3/2011).
No mesmo sentido, o seguinte recente julgado do TJ-RJ:
“Apelação. Ação renovatória de locação de imóvel não residencial. Extinção do processo ante a ilegitimidade ativa. Manutenção da sentença. Restou incontroverso que a locatária sublocou o imóvel em sua integralidade. Artigo 51 §1º, da lei nº 8245/91, prevê expressamente que, em caso de sublocação, o direito a renovação somente poderá ser exercido pelo sublocatário, cujo estabelecimento empresarial a lei visa proteger”. (0033165-14.2017.8.19.0042 — APELAÇÃO. Desembargador (a). CLÁUDIA TELLES DE MENEZES — julgamento: 28/7/2020 — 5ª CÂMARA CÍVEL).
“Quando ocorre a sublocação total do imóvel, não tem o sublocador legitimidade para ajuizar ação renovatória, uma vez que não é sua a titularidade do fundo de comércio reclamado, mas do sublocatário. Com efeito, a renovação compulsória da locação visa proteger o locatário que desenvolveu o fundo de comércio ou estabelecimento empresarial, estabelecendo um ponto comercial conhecido pela clientela”.
Na mesma linha, o seguinte recente julgado do TJ-PR:
“AÇÃO RENOVATÓRIA DE LOCAÇÃO. DISTRIBUIDORA DE PETRÓLEO.ILEGITIMIDADE ATIVA RECONHECIDA PELA SENTENÇA.MANUTENÇÃO. HIPÓTESE DE SUBLOCAÇÃO TOTAL. LEGITIMIDADE ATIVA CONFERIDA APENAS AO SUBLOCATÁRIO. EXTINÇÃO DO FEITO SEM RESOLUÇÃO DE MÉRITO QUE SE AFIGURA CORRETA. Nos casos de sublocação total do imóvel locado, a lei atribui somente ao sublocatário a legitimidade para propor ação renovatória, mesmo nos casos em que o prazo estipulado para a sublocação é superior ao do contrato de locação, hipótese em que deverão ser citados como litisconsortes passivos necessários o locador e o sublocador. Inteligência do disposto na primeira parte do parágrafo único do art. 71 da Lei nº 8.245/1991.RECURSO DE APELAÇÃO NÃO PROVIDO”. (TJ-PR – APL: 13467286 PR 1346728-6 (Acórdão), relator: Ivanise Maria Tratz Martins, Data de Julgamento: 02/03/2016, 12ª Câmara Cível, Data de Publicação: DJ: 1770 31/03/2016).
“Havendo sublocação total do imóvel locado, a lei atribui somente ao sublocatário a legitimidade para propor ação renovatória, uma vez que é este que quem desenvolve e explora o comércio, assumindo os riscos por ele proporcionados”.
Desta forma, o sublocatário tem legitimidade ativa para a propositura de ação renovatória, com base no artigo 51, §1º, da lei nº 8.245/91 e no entendimento dos tribunais.
Gabriel de Britto Silva é advogado participante da comissão de arbitragem da OAB/RJ e do Instituto Brasileiro de Direito Imobiliário (Ibradim) e coordenador do núcleo imobiliário da Cames.
Renato Brito Neto é advogado especializado em Direito Imobiliário e sócio do escritório RBLR Advogados.