Os constitucionalistas precisam aprofundar as teorias envolvendo o uso de pessoas comuns cumprindo funções que, ao fim e ao cabo, são do Estado, de acordo com Luís Greco, professor de Direito Penal, Processual Penal e de Teoria do Direito Penal da Universidade Humboldt, de Berlim, na Alemanha.
Greco falou sobre o assunto em entrevista à série “Grandes Temas, Grandes Nomes do Direito”, que a revista eletrônica Consultor Jurídico vem apresentando desde maio. Nela, algumas das principais personalidades do Direito analisam os assuntos mais relevantes da atualidade.
O professor deu como exemplo uma propaganda que viu em Portugal contra o coronavírus. “Seja um agente de saúde pública, use a máscara”, dizia a peça.
“Essa não é uma coisa totalmente nova. O Estado sempre fez uso do cidadão para cumprir certas funções que são dele (do Estado). Se formos pensar na função de jurado, é alguém do povo que atua em uma função pública temporariamente. A testemunha cumpre uma função dentro do processo judicial como se fosse uma pequena polícia”, explicou o professor.
“Na Alemanha, o Estado não tem leitos suficientes para nós porque preferiu não investir em saúde. Agora todo mundo tem de fechar sua loja, restaurante e deixar de ver os parentes, como se cada um de nós fosse responsável por garantir a existência de um leito livre no hospital”, prosseguiu ele.
Segundo Greco, há uma teorização do fenômeno no Direito Penal. No entanto, ele defende que é preciso que constitucionalistas se debrucem mais sobre o tema e que se defina o que, para além do pagamento de impostos, é um dever do cidadão.
“Não existe ainda uma reflexão teórica mais profunda sobre em que sentido o cidadão deve contribuir com a coisa pública. Não é bem o Direito Penal que deve desenvolver essa teoria, são os constitucionalistas. Mas eles ainda não perceberam. Isso tem de passar a ser investigado. Há mais consciência do problema na literatura penalística do que na constitucionalista e na administrativista, onde o problema se coloca de maneira mais virulenta.”
Para o professor, há duas questões principais que precisam ser consideradas. A primeira envolve o repasse de funções ao cidadão, mas sem os limites impostos ao Estado.
“Se a polícia investiga, o sujeito tem o direito de permanecer calado e de não produzir prova contra si mesmo. Mas quando a empresa investiga, nas chamadas investigações internas, o funcionário não tem direito de ficar em silêncio diante do patrão e de não produzir prova contra si”, exemplificou Greco sobre essa falta de limites.
A segunda problemática, segundo ele, envolve imposições ao cidadão de encargos que ultrapassam aquilo que de fato é uma responsabilidade da pessoa comum.
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