A alegada “atitude suspeita” e o simples fato de o réu sair correndo para o interior da residência ao avistar policiais não configuram fundadas razões a autorizar o ingresso dos agentes em domicílio, sem prévia autorização judicial ou consentimento válido do morador.
Assim, o ministro Rogerio Schietti Cruz, do Superior Tribunal de Justiça, invalidou provas obtidas por meio de uma invasão de domicílio, absolveu um homem da acusação de tráfico de drogas e determinou sua soltura.
Histórico
Na ocasião do flagrante, os policiais avistaram o homem em uma motocicleta. Ao olhar para trás e perceber a viatura, ele acelerou, iniciou fuga e chegou à residência de sua namorada. Lá, foi detido no quintal e revistado.
Os agentes encontraram dois invólucros de cocaína e duas porções de maconha. Em seguida, efetuaram busca na casa e localizaram mais cinco porções de maconha, cinco pedras de crack e uma balança de precisão com resquícios de drogas em um quarto nos fundos.
O Juízo de primeira instância constatou apenas o delito de porte de drogas para consumo e condenou o réu a comparecer a programa ou curso educativo. Após recurso do Ministério Público, o Tribunal de Justiça de São Paulo condenou o réu a cinco anos e dois meses de prisão em regime fechado pela prática de tráfico de drogas.
Os desembargadores validaram as provas obtidas devido ao suposto “comportamento suspeito” do réu, que empreendeu fuga ao notar a presença dos policiais; e à abordagem feita no quintal, na qual foram encontradas as primeiras porções de droga.
Fundamentação
No STJ, Schietti considerou que “não havia fundadas razões acerca da prática de crime” para autorizar o ingresso dos policiais na casa. Ele lembrou que, conforme jurisprudência da Corte, “atitude considerada
suspeita e nervosismo do acusado ao avistar os policiais não constituem justa causa a autorizar o ingresso em domicílio alheio sem prévia autorização judicial”.
Da mesma forma, o fato de empreender fuga até a casa após avistar policiais também não justifica tal medida, “porque esse comportamento pode ser atribuído a várias causas que não, necessariamente, a de estar portando ou comercializando substância entorpecente”.
Além disso, o magistrado lembrou que o quintal da casa também é “protegido pela inviolabilidade de domicílio”.
Segundo ele, “não há nem sequer como inferir que o réu estivesse praticando o delito de tráfico de drogas, ou mesmo outro ato de caráter permanente, no interior da residência”. A descoberta posterior das drogas no local “decorreu de ingresso ilícito na moradia”.
O homem foi representado pelo advogado criminalista Julio Cesar Caglium.
Jurisprudência vasta
A análise da legalidade da invasão de domicílio por PMs é tema constante na pauta das turmas criminais do STJ. A 6ª Turma já decidiu que a invasão só pode ocorrer sem mandado judicial e perante a autorização do morador se ela for filmada e registrada em papel. A 5ª Turma também adotou a tese. Mais tarde, a ordem foi anulada por decisão do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal.
O STJ já entendeu como ilícita a invasão nas hipóteses em que a abordagem é motivada por denúncia anônima, pela fama de traficante do suspeito, por atitude suspeita e nervosismo, cão farejador, perseguição a carro ou apreensão de grande quantidade de drogas.
Também foram anuladas as provas quando a busca domiciliar se deu após informação dada por vizinhos e depois de o suspeito fugir da própria casa ou fugir de ronda policial. Em outro caso, foi considerada ilícita a apreensão feita após autorização dos avós do suspeito para ingresso dos policiais na residência.
A Corte ainda estabeleceu que o ingresso de policiais na casa para cumprir mandado de prisão não autoriza busca por drogas. Da mesma forma, a suspeita de que uma pessoa poderia ter cometido o crime de homicídio em data anterior não serve de fundada razão para que a polícia invada o domicílio de alguém.
Por outro lado, é lícito o ingresso quando há autorização do morador ou em situações já julgadas, como quando ninguém mora no local, se há denúncia de disparo de arma de fogo na residência ou flagrante de posse de arma na frente da casa, se é feita para encontrar arma usada em outro crime — ainda que por fim não a encontre —, se ocorrer em diligência de suspeita de roubo ou se o policial, de fora da casa, sente cheiro de maconha, por exemplo.
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HC 752.251