Carolina Neves: Turnos 12 x 36 fixados por acordo individual

A saúde do trabalhador é tema central do Direito do Trabalho e a principal justificativa para a Constituição da República dispor sobre a duração do trabalho, limitando a jornada e fixando períodos de descanso.

Os turnos 12 x 36 são amplamente praticados em determinados setores da economia, como nas áreas de vigilância e saúde. No entanto, os requisitos legitimadores para sua adoção foram recentemente questionados junto ao Poder Judiciário.

Antes de novembro de 2017, essa modalidade de jornada dependia de negociação coletiva. Com a entrada em vigor da reforma trabalhista (Lei 13.467/2017), foi autorizada a adoção do sistema 12×36 por acordo direto entre empregado e empregador (artigo 59-A, da CLT). Tal flexibilização provocou reação de alguns sindicatos profissionais. Para eles, essa modalidade deveria ser introduzida por meio de negociação coletiva, com vista à proteção da saúde dos trabalhadores envolvidos.

Quando essa modalidade de turno 12 x 36 foi questionada perante o Judiciário, discutiam-se três questões centrais: 1) seria ela permitida pela Constituição da República, que estabelece duração do trabalho não superior a oito horas diárias e quarenta e quatro semanais (artigo 7º, inciso XIII)?; 2) seria mais prejudicial à saúde do empregado?; e 3) haveria necessidade de negociação coletiva para estipular essa jornada diferenciada?

O Tribunal Superior do Trabalho acabou validando a jornada 12 x 36, como se infere da Súmula 444, abaixo descrita:

“JORNADA DE TRABALHO. NORMA COLETIVA. LEI. ESCALA DE 12 POR 36. VALIDADE.

É valida, em caráter excepcional, a jornada de doze horas de trabalho por trinta e seis de descanso, prevista em lei ou ajustada exclusivamente mediante acordo coletivo de trabalho ou convenção coletiva de trabalho, assegurada a remuneração em dobro dos feriados trabalhados. O empregado não tem direito ao pagamento de adicional referente ao labor prestado na décima primeira e décima segunda horas”.

Tal reconhecimento se deu pelo fato de referida jornada não atentar contra a Constituição nem causar prejuízos à saúde do trabalhador. No entanto, sua adoção foi considerada excepcional e condicionada à prévia negociação coletiva.

Os precedentes da Súmula 444, quase em sua totalidade, fazem menção a julgado da Seção de Dissídios Individuais I, do TST, de relatoria do ministro Aloysio Corrêa da Veiga. No acórdão, foi registrada a ausência de prejuízo à saúde do trabalhador e risco para o exercício de suas atividades, nessa modalidade de turno. Veja-se:

“[…] A jornada de trabalho de 12 x 36 é extremamente benéfica ao trabalhador [….]  O trabalho mensal do empregado sujeito ao regime 12 x 36 não suplanta, jamais, as 192 (cento e noventa e duas) horas, como no presente caso. […]” [1].

O TST reconheceu que, na jornada 12 x 36, ao final de um mês, há menos horas de trabalho do que na jornada padrão prevista no artigo 7º, inciso XIII, da Constituição. Daí a inexistência de risco à saúde ou à integridade do trabalhador envolvido.

Certamente os elementos de natureza material (estar em consonância com a Constituição e não causar prejuízos ao trabalhador) se sobrepõem ao elemento de natureza formal (exigência de prévia negociação coletiva), em termos de importância. Fosse diferente, o turno 12 x 36 jamais seria admitido.

Recentemente, o debate jurídico ganhou maior repercussão, com a propositura da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) nº 5.994, proposta pela Confederação Nacional dos Trabalhadores na Saúde e em trâmite perante o Supremo Tribunal Federal (STF).  Sob o argumento de que o turno 12×36 expõe a graves riscos ao trabalhador e aqueles com os quais ele interage, a Confederação suscitou a inconstitucionalidade do dispositivo da CLT que permite sua adoção por mero acordo direto entre empregado e empregador.

A ADI nº 5.994 foi distribuída ao ministro Marco Aurélio, que se posicionou no sentido de “declarar inconstitucionais a expressão ‘acordo individual escrito’ contida na cabeça do artigo 59-A e o parágrafo único dele constante, da Consolidação das Leis do Trabalho”. O ministro Gilmar Mendes abriu divergência e votou pela improcedência da ação. A maioria dos ministros acompanhou a proposta de voto divergente, decisão ainda passível de recurso.

O resultado segue o posicionamento do próprio STF, em caso semelhante ao presente (na ADI 4.842, envolvendo bombeiros civis), que julgou improcedente a ação direta de inconstitucionalidade, pois o turno 12 x 36 não afronta a Constituição, mesmo porque ela prevê compensação de jornada. Além disso, não há desrespeito à proteção à saúde do trabalhador ou à redução dos riscos inerentes ao trabalho pela prática em si da jornada, eis que “para cada 12 horas trabalhadas há 36 horas de descanso e também prevalece o limite de 36 horas de jornada semanal”. (ADI 4.842, relator(a): Edson Fachin, Tribunal Pleno, julgado em 14/9/2016, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-174  DIVULG 07-08-2017  PUBLIC 08-08-2017).

Diante desse cenário, a exigência de negociação coletiva para estipular o turno 12 x 36 tornou-se questão meramente formal e totalmente transponível, em face da saúde do trabalhador, que é preservada. Ora, se referida jornada foi amplamente validada pelo Poder Judiciário, qual seria o motivo para se insistir na necessidade de intermediação do ente sindical na sua fixação?

Não se descarta a importância dos sindicatos na representação das categorias profissionais, objetivando a melhoria nas condições de trabalho de quantos eles representam. No entanto, a exigência de negociação coletiva para fixar o turno 12 x 36 não parece mais fazer sentido. Trata-se de modulação de jornada amplamente adotada no mercado de trabalho. Além disso, historicamente os sindicatos profissionais não se opõem à referida prática, em especial no campo da saúde  objeto da ADI 5.994. 

Em termos práticos, mais do que impedir a fixação da jornada por acordo individual entre empregado e empregador, seria importante que os entes sindicais se empenhassem pela efetividade do cumprimento dos períodos de descanso com vistas a ser preservada a higidez física e mental dos trabalhadores.

De qualquer sorte, como a questão já foi colocada em discussão perante o STF, por meio da ADI nº 5994, aguarda-se em breve o trânsito em julgado da decisão proferida pela Corte, a fim de nortear as futuras práticas relativas ao turno 12 x 36, com prevalência do que é mais importante para o trabalhador — sua saúde.

 


[1] RECURSO DE EMBARGOS. JORNADA DE TRABALHO EM REGIME DE 12X36. PREVISÃO EM ACORDO COLETIVO. VALIDADE. HORAS EXTRAORDINÁRIAS APÓS A 10.ª DIÁRIA.  (TST-E-RR-804453/2001.0, redator designado Aloysio Corrêa da Veiga, SBDI-1, DJ 26/9/2008).

Carolina de Santana Neves é sócia da área trabalhista do escritório Mannrich e Vasconcelos Advogados.

Consultor Júridico

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