A Constituição aponta como sendo direito e garantia fundamental a inviolabilidade da intimidade, da vida privada, da honra e da imagem das pessoas [1]. Em especial, a defesa da intimidade é constitucionalmente tão relevante, que figura como uma das poucas causas de restrição à publicidade dos atos processuais [2] [3].
O Código de Processo Civil (CPC), buscando dar plena efetividade aos mandamentos constitucionais, em seu artigo 1º, alerta que o processo civil será ordenado, disciplinado e interpretado conforme os valores e as normas fundamentais estabelecidos na Constituição da República Federativa do Brasil.
Em respeito à norma constitucional, direito e garantia fundamental, que determina a inviolabilidade da intimidade, da vida privada, da honra e da imagem das pessoas, o CPC prevê que devem tramitar em segredo de justiça os processos que versem sobre filiação, alimentos e guarda de crianças e adolescentes [4], sendo que o direito de consultar os autos de tais ações, tal qual o de pedir certidões, em regra, é restrito às partes e aos seus procuradores [5]. Terceiros, quando demonstrarem efetivo interesse jurídico, somente poderão ter acesso, única e exclusivamente, à parte dispositiva das sentenças proferidas, sob a forma de certidão judicial [6].
Tal cautela processual se justifica pelo fato de a Constituição considerar a família como base da sociedade, merecendo, por isso, proteção especial do Estado [7], incluindo o Poder Judiciário, que deve assegurar assistência à cada uma das pessoas que integram entidades familiares [8], tal qual criar mecanismos para coibir a violência intrafamiliar [9], inclusive a violência processual.
Em relação às crianças e adolescentes, cidadãos em relação aos quais todos têm o dever de prevenir a ocorrência de ameaça ou violação de seus direitos [10], a Lei Federal nº 8.069/1990 ressalta que o direito ao respeito, outorgado a tais pessoas em desenvolvimento, abrange a preservação individual de sua imagem e identidade [11].
Neste cenário, fica claro que, em regra, nas ações de família que versarem sobre interesse de criança ou de adolescente, devido a necessidade de proteção ao direito e garantia fundamental à intimidade, à vida privada e familiar, à honra e à imagem daquelas pessoas hipervulneráveis, o acesso integral ao conteúdo fático, probatório e decisório dos autos processuais, será restrito às partes, seus advogados, incluindo as respectivas equipes técnicas (assistentes técnicos, pareceristas, etc.), defensores públicos, ao Ministério Público, ao magistrado e aos auxiliares da justiça [12].
Conforme já mencionado, terceiros, quando previamente comprovado o efetivo interesse jurídico, somente poderão ter acesso, após obterem autorização judicial prévia, à parte dispositiva das sentenças proferidas, unicamente sob a forma de certidão judicial.
Uma das poucas exceções às regras de proteção ao constitucional direito e garantia fundamental à inviolabilidade da intimidade, da vida privada e familiar, da honra e da imagem das pessoas, protegida pelo segredo de justiça, é a prevista na Súmula nº 591 do Superior Tribunal de Justiça, precedente vinculante, cujo teor é o seguinte:
“É permitida a prova emprestada no processo administrativo disciplinar, desde que devidamente autorizada pelo juízo competente e respeitados o contraditório e a ampla defesa”. (SÚMULA 591, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 13/09/2017, DJe 18/09/2017).
Importante esclarecer que o contraditório e a ampla defesa, mencionados na tese jurídica citada, diz respeito às pessoas e às famílias que figuram na ação judicial respectiva, pois são essas as beneficiadas, as protegidas pelo segredo de justiça, que visa proteger à inviolabilidade da intimidade, da vida privada e familiar, da honra e da imagem de todos os cidadãos e famílias envolvidas.
O referido verbete sumular também deixa claro que o afastamento do segredo de justiça, do sigilo profissional, em relação a terceiros, só pode ser determinado, concedido, por autorização judicial prévia.
Violar o direito e garantia fundamental à intimidade, à vida privada e familiar, à honra e à imagem de pessoas e/ou famílias, através da quebra ilegal e irregular de segredo de justiça, de sigilo profissional, dando publicidade, ainda que restrita, a conteúdo fático, probatório ou decisório de autos processuais que versem sobre filiação, alimentos, arranjo de convivência e guarda de crianças e adolescentes, pode configurar vários ilícitos administrativos, criminais, civis e processuais, como, por exemplo, o crime previsto no artigo 232 da Lei 8.069/1990 [13], o crime de coação no curso do processo [14], as infrações administrativas mencionadas nos artigos 247 [15] e 249 [16] da Lei 8.069/1990, litigância de má-fé [17], etc.
A quebra irregular e ilegal de segredo de justiça, quando praticada por pais, mães ou responsáveis, além de eventualmente configurar os mencionados ilícitos administrativos, criminais, civis e processuais, também revela inaptidão para o exercício do poder familiar, uma vez que, na atuação de tal múnus público, por Lei, cabe àqueles, em favor dos filhos, cumprir e fazer cumprir as determinações judiciais [18], mesmo as implícitas, as previstas em leis processuais.
Por fim, tal conduta ilegal, desleal e de má-fé, qual seja, a de violar de forma irregular segredo de justiça ou sigilo profissional, não pode ser ignorada pelo Poder Judiciário, “varrida para debaixo do tapete dos autos processuais”, pois, além de vários outros ilícitos, referido proceder também caracteriza ato atentatório à dignidade da justiça, por descumprimento de decisão jurisdicional implícita [19], decorrente de Lei, sendo dever legal do magistrado prevenir e reprimir [20] tais atos.
[13] Lei 8.069/1990. Artigo 232. Submeter criança ou adolescente sob sua autoridade, guarda ou vigilância a vexame ou a constrangimento: Pena – detenção de seis meses a dois anos.
[14] Código Penal. Artigo 344 — Usar de violência ou grave ameaça, com o fim de favorecer interesse próprio ou alheio, contra autoridade, parte, ou qualquer outra pessoa que funciona ou é chamada a intervir em processo judicial, policial ou administrativo, ou em juízo arbitral: Pena — reclusão, de um a quatro anos, e multa, além da pena correspondente à violência.
[15] Lei 8.069/1990. Artigo 247. Divulgar, total ou parcialmente, sem autorização devida, por qualquer meio de comunicação, nome, ato ou documento de procedimento policial, administrativo ou judicial relativo a criança ou adolescente a que se atribua ato infracional: Pena — multa de três a vinte salários de referência, aplicando-se o dobro em caso de reincidência.
[16] Artigo 249. Descumprir, dolosa ou culposamente, os deveres inerentes ao poder familiar ou decorrente de tutela ou guarda, bem assim determinação da autoridade judiciária ou Conselho Tutelar: Pena — multa de três a vinte salários de referência, aplicando-se o dobro em caso de reincidência.
Fernando Salzer é advogado especialista em Direito de Família pela FMP-RS, procurador do estado de Minas Gerais e membro do IBDFam.