A problemática da cumulatividade de impostos é um tema que há décadas afeta a trajetória e a produtividade de empresas no Brasil, seja por meio de tributos que carregam em sua origem o princípio cumulativo — um exemplo clássico envolve as contribuições do PIS e da Cofins para negócios optantes do regime de lucro presumido — ou do ICMS (que, ainda que se oriente pela não cumulatividade, tem na fragilidade do sistema de aproveitamento de créditos e concessão de benefícios fiscais, como se sabe, uma das raízes para a chamada guerra fiscal entre os estados).
A ineficiência do modelo de aproveitamento de créditos — e a consequente insegurança jurídica por ela gerada — se reflete também na complexidade do cálculo de impostos como as próprias PIS/Cofins.
Como elucidação desse cenário, é válido frisar o recente revés aos contribuintes diante da promulgação da Lei 14.592/23 que exclui ICMS da base de cálculos dos créditos do PIS e da Cofins e, na prática, abre-se espaço para a dupla tributação na cadeia produtiva.
E isso porque, antes da Lei 14.592/23, as empresas pagavam o valor correspondente ao ICMS do PIS e da Cofins na compra de insumos para a produção de um bem comercializável e na venda desse bem, era possível gerar e aproveitar créditos; agora, com a exclusão do ICMS, o único caminho para as organizações tem sido o questionamento, nos tribunais, da inconstitucionalidade da medida.
Dentro desse contexto, um dos principais objetivos da Reforma Tributária que segue em debate no Senado é, justamente, o de superar o obstáculo da cumulatividade e simplificar o sistema de impostos do país por meio da criação de um Imposto sobre Valor Adicionado (IVA) de base uniforme e ampla que, facilita, dentre outros pontos, o modelo de geração de créditos, tendo-se em vista a extinção das possibilidades de dupla tributação na cadeia produtiva do país.
Mas esse objetivo será, de fato, conquistado com a reforma?
Cumulatividade de impostos: uma síntese
Antes de analisarmos essa questão, é válido esmiuçarmos, brevemente, como se dá a cumulatividade de impostos no país. Em síntese, ela ocorre quando uma empresa paga um tributo em mais de uma etapa da cadeia produtiva, gerando o também conhecido “imposto em cascata”, que tem por consequência a elevação do custo operacional das empresas e o preço final de produtos e serviços para os consumidores.
Assim, um dos mecanismos aplicados pela legislação tributária do país para evitar a cumulatividade — uma vez que ela fere o princípio constitucional da não-cumulatividade — consiste na geração de créditos para a compensação de tributos já pagos em outro momento da cadeia produtiva.
No entanto, conforme exposto anteriormente, há fragilidades no modelo atual dos impostos sobre o valor agregado que incluem, por exemplo, a definição dos limites para a base de cálculo dos créditos tributários.
Enfrentamento da questão pela reforma tributária: benefícios e desafios
A criação de normas amplas e uniformes para a instituição do IVA, ao menos em parte, pode contribuir para sanar o desafio da cumulatividade, com o imposto sendo cobrado única e exclusivamente sobre o consumo. No entanto, há algumas questões que ainda precisam ser enfrentadas.
Uma delas envolve o fato de que as definições para a aplicação da não-cumulatividade plena só virão por meio de Lei Complementar, de modo que é preciso aguardar o texto futuro para um devido entendimento de sua amplitude e eficácia.
Outro ponto importante é o de que, no texto da reforma, há a observação de que a compensação de impostos não ocorrerá sobre os bens considerados “de uso ou consumo pessoal”. Quais serão esses bens, serviços e limites? Haverá espaço para novas celeumas tributárias ou a questão será, de fato, resolvida?
Ainda é cedo para afirmar. De positivo, convém observar que, em seu aspecto geral, a própria simplificação e redução do número de impostos propostos pela reforma tende a reduzir os custos para a cadeia produtiva do país e minimizar os impactos da cumulatividade fiscal, potencialmente gerando mais competitividade para as empresas nacionais.
Resta saber a amplitude desses efeitos nos próximos capítulos da reforma.
Ralf França é sócio especialista em Planejamento Tributário no F&V e pós-graduado em Direito Tributário.