Uso da lei nacional para brasileiro em cruzeiro deve chegar ao STF

A controvérsia causada pela obrigatoriedade da aplicação da legislação trabalhista nacional na contratação de brasileiros para trabalhar em navios estrangeiros só deve ser pacificada quando o tema for submetido ao Supremo Tribunal Federal, de acordo com um ministro do Tribunal Superior do Trabalho que falou reservadamente com a revista eletrônica Consultor Jurídico sobre o assunto.

FreepikEm julgamento, TST considerou que Lei do Pavilhão tem sido relativizada no Brasil

Em setembro, a Subseção I Especializada em Dissídios Individuais (SDI-1) do TST determinou que, independentemente de a atuação do navio ser em águas nacionais ou internacionais, as empresas de cruzeiros devem seguir as normas do Brasil na contratação de brasileiros.

Na ocasião, o órgão julgou oito processos envolvendo o tema, que vinha sendo objeto de entendimentos divergentes entre turmas da corte. No julgamento, prevaleceu o voto do ministro Cláudio Brandão, relator de uma das ações. Para ele, a Lei do Pavilhão, segundo a qual a legislação aplicável é a do país da bandeira da embarcação, tem sido relativizada, principalmente nos casos de “bandeiras de conveniência ou de aluguel”. Nessa prática, a empresa armadora ou proprietária registra a embarcação em outro país, a fim de se submeter a controles mais brandos. Por isso, é muito comum cruzeiros de empresas europeias terem bandeiras de países como o Panamá.

O ministro rejeitou a alegação de que a presença de trabalhadores em um mesmo local submetidos a legislações diferentes geraria um caos na gestão das empresas. Nessa abordagem, segundo ele, a repercussão econômica se sobreporia ao respeito aos direitos dos trabalhadores. O magistrado citou como exemplo a construção civil, na qual se aplica a lei brasileira fora do país.

O integrante do TST ouvido pela Conjur acredita que, apesar de a SDI-1 ter estabelecido, enfim, uma jurisprudência sobre o tema, a discussão só será encerrada mesmo quando o Supremo for acionado, possibilidade que é confirmada por especialistas no assunto consultados pela revista eletrônica. A decisão da corte trabalhista, segundo eles, pode resultar em uma confusão no registro dos trabalhadores brasileiros, o que afetaria as contratações no setor.

Membro do escritório Ambiel Advogados e pós-graduando em Direito do Trabalho na Universidade de São Paulo (USP), Henrique Lopes Mazzon destaca que a controvérsia tem forte caráter constitucional. Ele lembra o artigo 178 da Constituição, que diz que a lei sobre transporte internacional, inclusive aquático, deve observar os acordos firmados pela União, atendido o princípio da reciprocidade.

“Esse justamente havia sido o fundamento adotado pelo acórdão que foi objeto de reforma pela SDI-1 do TST, além do próprio princípio constitucional de isonomia de tratamento dos trabalhadores num mesmo estabelecimento. A controvérsia não é inédita no Supremo, que já decidiu, com base no mesmo dispositivo constitucional, pela prevalência de tratados internacionais sobre a legislação brasileira em matéria consumerista, assentada no Tema 210 de repercussão geral.”

Para Mazzon, o maior risco provocado pelo entendimento firmado pelo TST é a restrição à contratação de brasileiros para trabalhar em cruzeiros internacionais.

“A manutenção da decisão da SDI-1 pode gerar consequências jurídicas diversas, como a dificuldade na gestão dos contratos dos diversos trabalhadores da embarcação, conforme a nacionalidade, o que pode gerar, como reflexo imediato, a restrição de vagas para trabalhadores brasileiros caso o regime de contratações e direitos seja muito diferente dos demais trabalhadores, além da própria incerteza jurídica caso o Supremo venha a reapreciar a matéria.”

Advogada da área trabalhista do Cascione Advogados, Bianca Caruso diz que a dificuldade vai residir em evidenciar quando a Lei do Pavilhão deve ser relativizada, exatamente para combater eventual burla à legislação nacional. Ela ressalta que, normalmente, a aplicação da lei é excepcionada com base no princípio jurídico do “centro da gravidade”, segundo o qual as regras de Direito Internacional Privado deixam de ser aplicadas quando se verificar uma ligação mais forte com outro ramo do Direito, como o do Trabalho, por exemplo.

“A aplicação é especialmente complexa no caso das operações de grandes navios de cruzeiros e afretamentos, cujos fluxos internacionais são intensos. Ainda é difícil prever quais seriam as consequências dessa decisão. Na hipótese de haver reconhecimento massivo da aplicação da legislação trabalhista, uma das possíveis consequências poderia ser a redução de contratação de trabalhadores brasileiros, de modo a se evitar a aplicação da lei brasileira.”

Para o advogado Anderson Cruz, a decisão da SDI-1 foi bem clara ao lembrar que, quando no Direito interno há norma mais benéfica, o Direito internacional cede-lhe passagem. Em sua percepção, o entendimento do TST dificilmente será mudado caso chegue ao Supremo.

“Podemos dizer que as empresas operadoras de cruzeiros deverão adaptar seus contratos de trabalho de acordo com a legislação brasileira, em especial a CLT, para que elas possam ter segurança jurídica em nosso país. Contudo, será necessário fazer uma boa gestão desses contratos temporários para evitar reclamações trabalhistas.”

Consultor Júridico

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