O Projeto Reator Multipropósito Brasileiro (RMB) deu um importante passo para o fortalecimento da ciência no país, a partir da iniciativa ISIS-Brasil. O ISIS Neutron and Muon Source possui projeto financiado pelo Science and Technology Facilities Council (STFC), órgão vinculado ao UK Research and Innovation (UKRI), que prevê um investimento de três anos visando desenvolver uma comunidade de usuários de nêutrons no Brasil. Está prevista a assinatura de um memorando de Entendimento (MOU) entre a Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN) e o ISIS para estender essa parceria para além do período de três anos.
Assim como o ISIS, o RMB também terá um laboratório de feixes de nêutrons, proporcionando infraestrutura científica avançada. Segundo José Augusto Perrotta, “a ideia é motivar o uso recíproco de expertises e instalações, e com isso otimizar os investimentos no RMB, quando este começar a operar. A expectativa é que pesquisadores brasileiros usem a infraestrutura no Reino Unido e, ao retornarem, apliquem o conhecimento adquirido aqui”.
O STFC, equivalente ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) no Brasil, fomenta colaborações científicas entre instituições de ensino e pesquisa. A parceria também prevê intercâmbios entre Brasil e Reino Unido, viabilizando que pesquisadores brasileiros tenham acesso às tecnologias de ponta disponíveis no ISIS. A expectativa é que esse intercâmbio gere frutos a longo prazo, com o Brasil sendo capaz de replicar e adaptar o que for aprendido no futuro RMB, impulsionando a capacidade nacional de inovação e pesquisa científica.
Para incentivar a formação de uma comunidade científica sólida, o IPEN/CNEN, em parceria com o ISIS, organizou o ISIS-Brazil Neutron School sobre técnicas de nêutrons entre os dias 2 e 11 de setembro, no próprio Instituto, localizado no campus da USP, em São Paulo. O curso, que recebeu 60 inscrições para apenas 25 vagas com bolsa, foi voltado para estudantes de todo o Brasil. Outros dez alunos, da USP e Unicamp, participaram como ouvintes.
Entre os participantes, Dominique Dias, doutoranda em química pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), destacou a qualidade do conteúdo. “O curso tem sido muito abrangente, permitindo que tiremos dúvidas diretamente com os professores. Está sendo uma oportunidade única de rever fundamentos e aplicá-los em tecnologias de ponta”, afirmou Dominique. Ela também enfatizou a importância das trocas de experiências com outros estudantes de diversas regiões do país, o que facilita futuras colaborações.
O curso contou com a presença de quatro professores do ISIS, sendo dois ingleses e duas brasileiras que trabalham na instituição. A física brasileira Leide Passos Cavalcanti, com vasta experiência em laboratórios multiusuários, como o síncrotron na França e o reator de nêutrons na Noruega, é atualmente instrument scientist na fonte de nêutrons do ISIS e tem desempenhado um papel fundamental na aproximação entre Brasil e Reino Unido.
“Conheço bem as instituições brasileiras, então fui uma espécie de ponte para viabilizar essa colaboração. Com o RMB em desenvolvimento, essa é uma oportunidade única para unir esforços científicos”, comentou Leide.
Há cinco anos trabalhando no Reino Unido, Leide observa o excelente desempenho dos alunos brasileiros no curso, destacando o engajamento e o interesse dos participantes. “O que vemos aqui é um ótimo interesse na troca de técnicas já desenvolvidas no Brasil, como as que são aplicadas no Sirius, o que diferencia as pesquisas com materiais”, disse ela.
Além disso, Leide ressalta que o curso é uma ação concreta e significativa dentro do processo de aproximação iniciado por webinars. “No primeiro webinar, apresentamos o que era possível fazer com nêutrons no ISIS. Depois, convidamos professores e estudantes brasileiros para compartilharem seus projetos, e agora, estamos aqui, com uma interação intensa e presencial com os alunos”.
Essa colaboração entre RMB e ISIS também representa uma oportunidade estratégica para fortalecer a posição do Brasil no cenário global de pesquisa científica. Segundo Perrotta, “a cooperação com o ISIS não só amplia a capacidade técnica e científica do RMB, como também gera um ambiente propício para a formação de novos talentos no Brasil, integrando-os a redes internacionais de pesquisa”.
Próxima geração no RMB
O químico norueguês Gøran Jan Nilsen coordenador do curso pelo ISIS e um dos professores do curso, disse que sua expectativa é de que os alunos sejam os primeiros usuários do RMB, nas pesquisas com nêutrons. “Esperamos que eles participem desse projeto de colaboração, que possam fazer simulações, utilizar a instrumentalização etc. utilizando nossas facilidades na Inglaterra.
Gøran salientou o orçamento de 3 anos para várias atividades, escolas e conferências, e demonstrou entusiasmo com a diversidade apresentada no curso. “Temos alunos de Pernambuco, do Ceará, do Distrito Federal, e de outros estados representando bem a comunidade brasileira. Esperamos que sejam a próxima geração de cientistas de nêutrons no Brasil, participando ativamente no desenvolvimento do RMB, como desenhadores de instrumentos, por exemplo”, disse.
Para Gøran, “todos os alunos estão fantasticamente motivados”. Estamos muito impressionados com o nível dos alunos. E esperamos que nos mantenhamos em contato no futuro, e que venham para o ISIS como usuários. Esse é outro propósito destes eventos. E que, como eu mencionei antes, eles podem começar a construir a competência em desenhadores de instrumentos e simulações, o que permitirá que eles participem ativamente no projeto do RMB”.
“Massa crítica”
Coordenador do curso pelo IPEN/CNEN, Frederico Genezini, mencionou o objetivo de criação da comunidade de usuários de nêutrons para o RMB e adiantou a realização de mais uma escola. Como o projeto tem financiamento previsto para três anos, ele aventou a possibilidade de buscar apoio na FAPESP, para continuar com o movimento de comunidade.
“É o mesmo movimento que foi feito no LNLS no início, a gente vai fomentar uma comunidade que não existe hoje. É mais uma inovação que o RMB traz. Vamos tentar juntar um usuário aqui, outro ali, espalhado no País, e então começar a fomentar os alunos, que é quem vão ser os usuários lá na frente do RMB. O que a gente quer, depois de três anos, é manter esse grupo coeso e formar massa crítica para a gente, quando tiver o RMB pronto, poder submeter um projeto para um instrumento de espalhamento na FAPESP, porque se não tiver usuários não tem por que fomentar isso”.
Impacto
Com o desenvolvimento do RMB e o fortalecimento das parcerias internacionais, o Brasil se posiciona para ser um importante centro de pesquisa em nêutrons, ampliando suas capacidades científicas e tecnológicas. O impacto desse projeto será sentido tanto no curto prazo, com os intercâmbios e colaborações, quanto no longo prazo, quando o RMB estiver em plena operação, tornando-se um polo de inovação e desenvolvimento científico no hemisfério sul.