O desenvolvimento da agenda verde, focada na produção de baixo carbono e na transição energética, é pauta prioritária para o Brasil. No atual momento moral e economicamente oportuno, o País tem se dedicado a adotar medidas e criar políticas que promovam o desenvolvimento sustentável, compatibilizando o crescimento econômico com a preservação do meio ambiente.
Nesse esforço, a administração pública e o Legislativo desempenham papéis de destaque na persecução de mudanças estruturantes na política e no ambiente regulatório, de forma a impactar positivamente a economia e o meio ambiente em si.
A força que as discussões internas sobre esse tema ganhou no país nos últimos meses é evidente e parece haver uma razão para isso: a aprovação, no primeiro semestre deste ano, do pacote europeu chamado de Fit for 55, que visa a assegurar a redução de emissões líquidas de gases de efeito estufa (GEE) em, no mínimo, 55% até 2030. No pacote, aprovou-se o Carbon Border Adjustment Mechanism (CBAM), que é um mecanismo de taxação de carbono aduaneiro para produtos exportados para a União Europeia (UE).
Desde 2005, a UE já tinha implementado o seu Sistema de Comércio de Emissões (“Emissions Trading System” ou “EU-ETS”) como ferramenta central para o alcance de suas metas de redução de produção de GEE, sendo ele hoje o maior e um dos mais antigos sistemas de cap-and-trade estabelecidos no mundo. Vale esclarecer que o cap-and-trade consiste em um modelo de comércio que objetiva o controle da poluição por meio da limitação da quantidade total de emissões que podem ser liberadas na atmosfera (“cap”), permitindo a venda de cotas dessas emissões (“trade”).
Nesse contexto, o CBAM veio com a função complementar, para a EU, de evitar a fuga de carbono consistente na transferência de negócios para nações sem políticas equivalentes de precificação de carbono, assegurando uma fixação de preços de carbono equivalente para as importações e para os produtos nacionais. Inicialmente, o mecanismo será aplicado a alguns produtos derivados de cimento, ferro e aço, alumínio, a alguns fertilizantes, ao hidrogênio e à eletricidade, originados do país terceiro, a partir de 1º de janeiro de 2026.
Além disso, segundo os esclarecimentos constantes do Regulamento (EU) 2023/956 do Parlamento Europeu e do Conselho de 10/05/2023, a criação do CBAM tem uma função educativa porque incentivaria outros países a utilizarem tecnologias mais eficientes em termos de redução as emissões de GEE, de modo que sejam geradas menos emissões.
No Brasil, a movimentação europeia promoveu rápidos avanços.
No dia 4 de outubro, a Comissão de Meio Ambiente do Senado, em deliberação terminativa, aprovou o substitutivo proposto pela senadora Leila Barros ao Projeto de Lei (PL) nº 412/2022, que busca regulamentar o mercado de carbono no país. O texto aprovado resulta da articulação feita pela senadora com o Poder Executivo, que já vinha trabalhando neste assunto sob a liderança do Ministério da Fazenda.
O PL propõe a criação do Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões de Gases de Efeito Estufa (SBCE), que é um ambiente regulado submetido ao regime de limitação das emissões de gases de efeito estufa e de comercialização de ativos representativos de emissão, redução de emissão ou remoção desses gases no País. Ainda, o projeto contém regras aplicáveis ao mercado voluntário de créditos de carbono, para fins de compensação voluntária de emissões de GEE.
A criação do SBCE, por exemplo, é inspirada no citado modelo cap-and-trade, consolidado na Europa, estabelecendo um teto de emissões de dióxido de carbono: serão regulados os operadores responsáveis pelas instalações e fontes que emitam acima de 10 mil toneladas de dióxido de carbono (tCO2) por ano, sendo que aqueles emitentes acima de 25 mil tCO2 por ano farão o relato de conciliação periódica de obrigações.
O SBCE visa a dar cumprimento à Política Nacional sobre Mudança do Clima (PNMC), a que se refere a Lei nº 12.187, de 2009, e aos compromissos assumidos na Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima, mediante definição de compromissos ambientais de descarbonização e do cumprimento de metas de emissões alocadas em cotas inventariadas e destinadas a operadores regulados.
O PL é, sem dúvidas, um enorme avanço para o cumprimento desse normativo e metas. Em breve, ele deve ser objeto de análise pela Câmara dos Deputados, onde, inclusive, tramita um outro PL com o mesmo objeto.
Trata-se do PL nº 2.148/2015, de autoria do deputado Jaime Martins, que, originalmente, estabelecia a redução de tributos para produtos adequados à economia verde de baixo carbono. A matéria permanecia inalterada desde meados de 2021, quando a então relatora, Carla Zambelli, apresentou um texto substitutivo do projeto. Recentemente, em 27 de setembro deste ano, com o aquecimento do assunto no governo, o deputado Aliel Machado foi designado como novo relator, sinalizando o interesse da Câmara em avançar nas discussões.
A proposição que seguirá adiante ainda permanece indefinida, em parte devido a uma mudança recente no Regimento Interno da Câmara dos Deputados. Essa alteração dá prioridade às propostas legislativas mais antigas em relação às mais recentes, o que pode resultar no apensamento do PL nº 412/2022 ao PL nº 2.148/2015. Outra possibilidade é o PL nº 2.148/2015, que tramita em regime de urgência, receber relatório e ser, de imediato, incluído na pauta do plenário da Câmara.
Independente do desdobramento futuro da tramitação, o esforço de ambas as Casas Legislativas em manter o tema como prioridade é claro e merece, de fato, que assim seja.
Há, de forma crescente, uma conscientização global sobre a relevância das questões ambientais: o mundo todo tem se mobilizado em prol da causa da sustentabilidade e do combate às mudanças climáticas. E o Brasil não fica para trás.
Mas o afinco da ocasião assemelha-se a uma boa avaliação governamental e política do custo da oportunidade. Uma rápida solução à precificação do carbono internamente, isto é, até o início da vigência do CBAM, evitará a transferência do recebimento desse valor do Brasil para os países europeus. No mais, por ganho econômico imaterial, a precificação em questão tem o condão de atrair investimentos e fomentar a concorrência dos produtos brasileiros no mercado internacional.
A criação do marco legal que ora é objeto dos PLs nº 412/2022 e 2.148/2015, com a conclusão bem-sucedida do movimento legislativo e regulatório que vivenciamos, representará um avanço significativo para o país, capaz de colocá-lo no mapa global como um participante ativo e líder comprometido com a agenda verde. Há diversos benefícios tangíveis e intangíveis na adoção célere de um sistema eficaz de comércio de carbono.
A aprovação e implementação dele é mais do que uma medida de preservação ambiental. É uma estratégia multifacetada que reconhece a interdependência entre o meio ambiente e a economia. A consecução dessa iniciativa destaca a preocupação e vanguarda do Brasil na proteção do meio ambiente, sinaliza ao mundo seu compromisso com um futuro sustentável e abre novos caminhos para o nosso próprio desenvolvimento socioeconômico e ambiental.
Ana Carolina Georges e Castro é especialista em relações governamentais pela Fundação Getúlio Vargas (FGV) e advogada do escritório MJ Alves Burle e Viana Advogados.