Acácia de Sá: Relação entre corrupção e direito público

Recentemente li o livro do professor argentino Héctor A. Maíral As Raízes Legais da Corrupção [1], que trata de diversos aspectos relacionados às práticas de corrupção na Administração Pública, entre suas principais ideias está a de que a estrutura do direito favorece as referidas práticas.

Nesse sentido, faz uma análise acerca da relação do direito e das práticas de corrupção na Argentina, trazendo elementos sistêmicos que, à luz dos seus conceitos podem ser encontradas também no Brasil. O autor parte da premissa que o marco jurídico (legal) favorece as práticas de corrupção e independe de ideologia do momento e contexto.

Para o autor o combate eficiente à corrupção pressupõe a existência de um Estado de Direito de modo a garantir, por meio da separação dos poderes, que cada um deles exerça suas funções de controle recíproco, evitando que comentam excessos, entre as quais as práticas de corrupção.

Maíral classifica as modalidade de corrupção em corrupção espontânea o que corresponde à corrupção ativa e ocorre nos casos em que a oferta da vantagem ilícita e a corrupção induzida, o que tipificamos no Brasil como corrupção passiva.

Pois bem, ultrapassadas essas premissas iniciais, passamos a analisar então, dentro da perspectiva do autor algumas das causas legais da corrupção, uma vez que o autor defende que a outorga de faculdades discricionárias excessivas à administração pública, por meio dos seus prepostos, fomenta a corrupção, observando uma relação de proporcionalidade.

O autor defende que o direito se mostra como facilitar das práticas de corrupção na administração pública, vez que legitima condições que induzam às referidas práticas corruptivas, para tanto, traz como algumas das características do direito argentino que se prestam a tal objetivo o desconhecimento das normas por parte dos cidadãos, a possibilidade de interpretações diversas acerca da mesma norma, a validade duvidosa, o baixo nível de punição, a grande margem de discricionariedade, os incentivos para o descumprimento da norma, entre outros [2].

Nesse contexto, cria-se um ambiente de insegurança jurídica que favorece a execução de práticas corruptivas, favorecido, em alguns casos, pelo próprio sistema, a exemplo do que ocorre quando o legislador edita uma lei ambígua ou com intenção de favorecer determinado segmento de forma não legítima.

Realizados esses breves comentários acerca da obra acima mencionado, podemos então concluir que a corrupção, legitimada pelo direito, passa a integrar um sistema jurídico voltado, legitimamente, para a prática de condutas ilegais.

Hoje o Brasil ocupa a 94ª posição no índice de percepção de corrupção [3] segundo dados da transparência internacional, mesma posição que se encontra, atualmente, a Argentina, o que aproxima os dois países em nível de práticas de corrupção, nos levando então a supor que as características do direito público argentino que favorecem as referidas práticas corruptivas, na visão de Héctor A. Maíral, também estão presentes em nosso país, de modo que passaremos então a investigar a referida hipótese.

O Brasil é um Estado democrático de Direito, nos termos do artigo 1º da nossa Constituição Federal, fundamentado na separação dos poderes, o que favorece o equilíbrio e o controle recíproco entre eles, desse modo, a atuação destes deve ser independente e harmônica, como elenca a carta magna.

Para o autor anteriormente mencionado, há características do direito público argentino que favorecem as práticas, as quais, podem são integrantes também do direito pátrio, como a possibilidade de interpretações diversas acerca da mesma norma, o que posse ser observado por meio da elaboração de normas excessivamente abertas que propiciam que várias interpretações e posicionamentos diversos, a exemplo do que ocorria, anteriormente às alterações com o artigo 11 da Lei nº 8.429/92, o que aumenta a margem de discricionariedade do executor da norma, uma outra característica trazida pelo autor.

Uma outra característica trazida pelo autor e que pode ser reconhecida aqui no Brasil é a validade do duvidosa das leis, isso porque há diversas leis elaboradas com vícios de competência, outras declaradas inconstitucionais em razão da matéria, basta realizar uma pesquisa nos bancos de dados do Supremo Tribunal Federal (STF) para se constatar as referidas conclusões.

O baixo nível de punição também é outra característica presente no Brasil, a qual incentiva a realização de práticas de condutas corruptas, já que há dificuldades no controle rápido e nos processos de punição, especialmente no âmbito administrativo, ainda que, no Brasil, a edição da Lei nº 12.846 foram revistos e otimizados os mecanismos para punição pela prática de atos lesivos à Administração Pública, tornando mais eficiente o processo punitivo.

O desconhecimento das normas por parte dos cidadãos, em razão do grande do número de leis existentes e a tímida divulgação das leis vigentes, são fatores que contribuem para o aumento das práticas de corrupção no ambiente da Administração Pública.

Assim, após uma breve análise acerca das considerações iniciais de Héctor A. Maíral acerca dos fatores que favorecem a corrupção no âmbito da Administração Pública é possível concluir que diversas das características do direito público argentino que se prestam a essa finalidade também estão presentes no direito brasileiro, o que explica ambos os países ocuparem, atualmente, a mesma posição no ranking do índice de percepção de corrupção segundo dados da transparência internacional.

Acácia Regina Soares de Sá é juíza de Direito substituta do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios, especialista em função social do Direito pela Universidade do Sul de Santa Catarina (Unisul), mestre em políticas públicas e Direito pelo Centro Universitário de Brasília (UniCeub), coordenadora do grupo temático de Direito Público do Centro de Inteligência Artificial do TJ-DF, integrante do Grupo de Pesquisa de Hermenêutica Administrativa do UniCeub e integrante do Grupo de Pesquisa Centros de Inteligência, Precedentes e Demandas Repetitivas da Escola Nacional da Magistratura (Enfam).

Consultor Júridico

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