Affonso e Faria: Reforma tributária no setor de óleo e gás

Embora a proposta da reforma tributária tenha sido desenhada para impulsionar a produtividade e o crescimento econômico através da simplificação e transparência do sistema tributário, alguns setores da economia apontam para possíveis questionamentos e impactos negativos em suas operações.

Um dos pontos apresentados por alguns segmentos econômicos, dentre eles o setor de óleo e gás, diz respeito aos benefícios fiscais atualmente existentes e às exceções previstas na Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 45/2019 à alíquota única da Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) e do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS).

Por ora, o texto aprovado pela Câmara prevê poucas hipóteses nas quais haverá uma desoneração por meio de uma alíquota reduzida ou isenções. Basicamente, apenas serão beneficiados alguns bens e serviços, dentre os quais, produtos agropecuários, medicamentos e serviços de educação, saúde e transporte público, além da manutenção dos regimes tributários favorecidos da Zona Franca de Manaus e do Simples Nacional. Além disso, no que tange aos regimes aduaneiros especiais e zonas de processamento de exportação, as hipóteses de diferimento aplicáveis foram delegadas para definição pela futura lei complementar.

Tal cenário traz severas preocupações ao setor de O&G, em especial, por não excepcionar, ainda, as operações hoje amparadas pelo Repetro-Sped. Como se sabe, esse regime tributário e aduaneiro especial, vigente até 2040, viabiliza a utilização econômica de bens destinados às atividades de exploração, desenvolvimento e produção de petróleo e de gás natural, com desoneração total dos tributos federais que serão substituídos pela CBS. Além disso, esse regime abrange também toda a indústria naval petroleira permitindo a construção de embarcações e plataformas com a exoneração de tributos, possibilitando a sobrevivência dessa indústria que atua em franca competição com o exterior.

Esse benefício desonera os investimentos do setor de O&G, o que permitiu o avanço da exploração e produção de petróleo e gás natural no Brasil. De acordo com dados do IBP (Instituto Brasileiro de Petróleo e Gás), esse regime é diretamente responsável por investimentos de USD 180 bilhões e pela geração de mais de 445 mil postos de trabalho diretos e indiretos nos próximos dez anos. Admitir, portanto, a possibilidade de reoneração do setor e da indústria naval é reconhecer, a longo prazo, a redução da competitividade e obstáculo ao desenvolvimento da economia brasileira.

Há ainda a possibilidade de prejuízo a outros regimes especiais e aduaneiros utilizados pelo setor de óleo e gás, como o Regime Especial de Incentivos para o Desenvolvimento da Infraestrutura (Reidi), drawback, entreposto aduaneiro e o depósito alfandegado certificado (DAC). Em sua medida, eles atualmente solucionam certos gargalos enfrentados pela indústria, mas poderão ser afetados no futuro pela reforma.

Outro ponto que tem provocado preocupação no setor é a previsão de que os Estados e o Distrito Federal possam instituir uma contribuição sobre produtos primários e semielaborados, produzidos nos respectivos territórios, em substituição à contribuição a fundos estaduais, estabelecida como condição à aplicação de benefícios fiscais de ICMS.

A previsão, aprovada de última hora pela Câmara como uma emenda aglutinativa, poderia atingir não somente a produção minérios, como também a produção de petróleo e gás natural, o que afetaria diretamente a indústria de O&G. Ocorre que essa nova contribuição pode, em última análise, onerar a exportação desses itens, afetando negativamente a competitividade brasileira no exterior.

Além disso, por justamente virem em substituição à contribuição a fundos estaduais, estabelecida como condição à aplicação de benefícios fiscais de ICMS, essa nova contribuição também poderia ser objeto de questionamento judicial, como ocorreu, por exemplo, com o Fundo Estadual de Equilíbrio Fiscal (Feef) e o Fundo Orçamentário Temporário (FOT), exigidos pelo Estado do Rio de Janeiro das empresas que gozam de benefício fiscal de ICMS, matéria que aguarda julgamento final pelo Supremo Tribunal Federal.

Ao que tudo indica, embora a PEC 45/2019 mereça ser celebrada por viabilizar a atualização do sistema tributário nacional, é extremamente recomendada a reavaliação desse ponto que pode afetar negativamente diversos setores econômicos, em especial, o setor de O&G.

Com esse futuro despontando no cenário, pode ser que o Poder Judiciário continue imerso em discussões tributárias. Com base no texto que se tem hoje, o setor de O&G poderia discutir o direito adquirido dos contribuintes de modo a manter benefícios fiscais que tenham sido concedidos por prazo certo e sob condições onerosas, o que pode se aplicar a projetos alcançados pelo Repetro-Sped. Esse debate é antigo e, mesmo com a reforma, parece não ter fim.

A par desses pontos negativos, merece ser acompanhada pelo setor de O&G a previsão de criação de um regime fiscal favorecido a fim de garantir uma tributação inferior aos biocombustíveis, garantindo um diferencial competitivo frente aos combustíveis fósseis. Em tese, tal medida encontra-se em consonância com o objetivo da reforma de desestimular produtos prejudiciais ao meio ambiente. No entanto, pode ser que resulte em uma desvantagem econômica prejudicial ao setor, a depender da forma como esse regime fiscal será instituído via lei complementar.

Como visto, o setor de O&G, bem como os demais setores econômicos, terão que continuar acompanhando as discussões que serão travadas na próxima fase pelo Senado Federal, esperadas para o segundo semestre, e avaliar, desde já, os possíveis efeitos negativos e positivos da reforma tributária, afinal esse é o futuro que aponta no horizonte.

Matheus Affonso é advogado do escritório Leal Cotrim Advogados na área de Direito Tributário.

Natália Faria é advogada do escritório Leal Cotrim Advogados na área de Direito Tributário.

Consultor Júridico

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