A Constituição de 1988 foi elaborada em momento singular da
vida nacional: o Brasil encerrava o ciclo militar com a posse de
Tancredo/Sarney, em 1985, e estava às vésperas das eleições
presidenciais de 1989.
O processo constituinte foi conduzido pela coalizão de forças liberais
conservadoras e progressistas, que haviam derrotado o regime militar e
comungavam, por razões distintas, de ressentimentos e desconfianças
contra as instituições militares.
Os liberais do mercado não perdoavam os pendores estatizantes dos
militares, representados no 2º Plano Nacional de Desenvolvimento
(íntegra – 18MB) do presidente Geisel. Era um ambicioso programa de
investimentos de clara inspiração varguista, voltado para elevar a
competitividade industrial do país.
Já os liberais progressistas não esqueceram as cassações de mandatos, o
fechamento do Congresso e as violações dos direitos humanos de
opositores do regime.
O denominador comum foi o desejo de reduzir a influência da então
poderosa corporação militar, promovendo e empoderando corporações
civis: uma já existente, o Judiciário, e outra criada por encomenda para funcionar como contraponto ao poder do Estado, representada, aos
olhos das lideranças civis, principalmente pelos militares.
E, assim, foi criado o Ministério Público da União, integrado por Ministério Público Federal, Ministério Público do Distrito Federal,
Ministério Público do Trabalho e Ministério Público Militar, chefiado por
um de seus integrantes, escolhido pelo presidente da República.
A nova instituição nascia dotada de autonomia funcional e orçamentária
e independência funcional. Ou seja, seus integrantes não estariam
subordinados a um chefe, a não ser administrativamente, e atuariam
livremente de acordo com suas convicções e ideias, amparados pela lei.
Porém, a corporação demonstrou não estar à altura das enormes
atribuições que lhe foram conferidas. A ausência de hierarquia,
combinada com a imaturidade de seus integrantes, exacerbou o
narcisismo funcional, prejudicando a execução de suas
responsabilidades.
Na Amazônia, por exemplo, confundiu o seu papel com o das
organizações não governamentais (ONGs) financiadas do exterior,
abdicando da centralidade da questão nacional em benefício de teses
adotadas por entidades que estão aqui muito mais interessadas em
nossos bens que em nosso bem, para lembrar a advertência do sábio
Padre Antônio Vieira.
Enquanto os militares compõem uma instituição antiga, fundadora da
nacionalidade, detentora de história, memória e valores que guiam suas
ações e decisões, o Ministério Público ainda não construiu sua história e
memória, e seus valores são um apanhado confuso de referências das
camadas médias da população de onde são originários seus integrantes.
Quando um jovem militar olha para trás, ele vê no seu passado os heróis
de Guararapes, Caxias, Tamandaré, Osório, Floriano, Deodoro, Góes
Monteiro e Geisel, e esse passado pesa sobre seu comportamento e suas
atitudes. A instituição dirige os indivíduos.
O jovem integrante do Ministério Público olha para trás e não há
ninguém além dele mesmo. O indivíduo dirige a instituição e está
construindo a história dela, necessitando, para tanto, intensamente de
protagonismo.
Foi com essas circunstâncias que se deparou o atual chefe do Ministério
Público, Augusto Aras, desafiado a proteger duplamente sua instituição:
em primeiro lugar, proteger seu papel fundamental no combate à
corrupção e aos desmandos, mazelas permanentes na administração
pública; e ao mesmo tempo, protegê-la do voluntarismo e de
aventureiros que buscam a visibilidade conferida às celebridades
instantâneas, exaltadas pela mídia e pelas redes sociais.
Augusto Aras agiu como um disciplinador, adotou as vestes do servidor
público maduro que sabe que uma instituição confiável à sociedade
busca sua legitimidade na discrição, no equilíbrio e na obediência à lei,
guardando distância do aplauso fácil das ruas, tão perigoso quanto
fugaz.
Texto originalmente publicado no site Poder360.