Uma das hipóteses de exclusão do Regime do Simples Nacional se dá com base no artigo 29, inciso X, da Lei Complementar nº 123/2006, combinado com o artigo 84, inciso IV, alínea “i”, da Resolução CGSN nº 140/2018, que assim dispõem:
Lei complementar nº 123, de 14 de dezembro de 2006
“Artigo 29. A exclusão de ofício das empresas optantes pelo Simples Nacional dar-se-á quando:
(…)
X – for constatado que durante o ano-calendário o valor das aquisições de mercadorias para comercialização ou industrialização, ressalvadas hipóteses justificadas de aumento de estoque, for superior a 80% dos ingressos de recursos no mesmo período, excluído o ano de início de atividade;
(…)
§1º Nas hipóteses previstas nos incisos II a XII do caput deste artigo, a exclusão produzirá efeitos a partir do próprio mês em que incorridas, impedindo a opção pelo regime diferenciado e favorecido desta Lei Complementar pelos próximos três anos-calendário seguintes.
Resolução CGSN nº 140, de 22 de maio de 2018
Artigo 84. A exclusão de ofício da ME ou da EPP do Simples Nacional produzirá efeitos:
(…)
IV – a partir do próprio mês em que incorridas, hipótese em que a empresa ficará impedida de fazer nova opção pelo Simples Nacional nos 3 (três) anos-calendário subsequentes, nas seguintes hipóteses:
(…)
i) se for constatado que durante o ano-calendário o valor das aquisições de mercadorias para comercialização ou industrialização, ressalvadas hipóteses justificadas de aumento de estoque, foi superior a 80% (oitenta por cento) dos ingressos de recursos no mesmo período, excluído o ano de início de atividade;“.
Segundo tais dispositivos, a exclusão do regime do Simples Nacional deve ocorrer na hipótese em que o valor das aquisições de mercadorias para comercialização ou industrialização, exceto em casos justificados de aumento de estoque, for superior a 80% dos ingressos de recursos no mesmo período. Essa penalidade tem como objetivo garantir a adequação e a sustentabilidade das empresas no regime simplificado (artigo 29, inciso X, da Lei Complementar nº 123/2006). A exclusão nesse cenário visa evitar distorções e abusos que possam comprometer a finalidade e os benefícios proporcionados pelo Simples Nacional.
O Simples foi concebido para atender às necessidades das micro e pequenas empresas, simplificando a carga tributária e reduzindo a burocracia. No entanto, a legislação prevê critérios para evitar que empresas de médio ou grande porte se beneficiem indevidamente do regime. A exclusão no caso em que as aquisições de mercadorias representam mais de 80% dos ingressos de recursos busca garantir a integridade do Simples Nacional e impedir que empresas que ultrapassem esse limite continuem a usufruir dos benefícios fiscais destinados a negócios de menor porte.
O limite de 80% estabelecido busca assegurar que as empresas não estejam direcionando a maior parte de seus recursos para a aquisição de mercadorias em detrimento de outras despesas essenciais, como pagamento de salários, investimentos em infraestrutura, marketing, entre outros. Ao observar essa proporção, visa-se garantir um equilíbrio financeiro e o correto funcionamento do negócio.
Ademais, a imposição do limite de 80% tem como objetivo evitar práticas de planejamento tributário abusivas, nas quais empresas com maior porte ou faturamento se utilizam do Simples para se beneficiar de alíquotas tributárias mais baixas do que as aplicáveis ao seu porte real. Isso garantirá a equidade e a justiça fiscal entre as empresas, impedindo distorções no mercado.
Em resumo, a exclusão do regime do Simples (quando o valor das aquisições de mercadorias ultrapassa 80% dos ingressos de recursos no mesmo período) tem o intuito de preservar a integridade e a efetividade do regime simplificado, evitar estratégias fiscais abusivas e incentivar o crescimento sustentável das empresas.
No entanto, para que o intuito de preservação da sustentabilidade das empresas optantes pelo Simples seja preservado, não se pode olhar friamente para a legislação, deixando-se de levar em consideração as necessidades operacionais do seu negócio e as demandas do mercado em que a organização atua.
Dadas tais premissas, para se concluir efetivamente que o valor das aquisições de mercadorias ultrapassa 80% dos ingressos de recursos, há algumas questões que devem ser levadas em conta, como, por exemplo, as seguintes:
— Se as aquisições de mercadorias superiores a 80% dos ingressos de recursos são justificadas por questões operacionais inerentes ao setor, ao próprio modelo de negócios ou, até mesmo, ao atual momento econômico;
— Os tipos de aquisições devem ser analisados de forma mais precisa, como, por exemplo, se forem aquisições para o ativo imobilizado ou para remessas para manutenção.
Nesse sentido, vale destacar trecho (abaixo citado) de sentença proferida nos autos do processo nº 1013805-30.2015.8.26.0114, em trâmite perante a 2ª Vara da Fazenda Pública do Foro de Campinas, na qual se reverteu exclusão do Simples Nacional por se entender que o valor de aquisição de mercadorias pela empresa autora não excedeu ao limite de 80% fixado na Lei Complementar n.º 123/06 considerando que a perícia (naquele caso) concluiu que foram indevidamente incluídas as “entradas de mercadorias de outras naturezas fiscais que não a de compras para industrialização, comercialização ou prestação de serviços tais como materiais de consumo, bonificações e outros que acabaram por superar aquele limite lega”l:
“(…)
Segundo o Sr. Perito Judicial, a conclusão equivocada a qual chegou a fiscalização tributária decorreu do fato de seus cálculos não terem se restringido aos Códigos Fiscais de Operações CFPOs, de modo que foram indevidamente nele incluídas as ‘entradas de mercadorias de outras naturezas fiscais que não a de compras para industrialização, comercialização ou prestação de serviços tais como materiais de consumo, bonificações e outros que acabaram por superar aquele limite legal'” (fls. 826).
Destarte, com razão a autora, em alegações finais, ao afirmar que não incorreu em omissão de receitas e, consequentemente, em falta de recolhimento de ICMS.
(…)
(Sentença proferida no processo nº 1013805-30.2015.8.26.0114, em trâmite perante a 2ª Vara da Fazenda Pública do Foro de Campinas).”
Outro exemplo está no trecho (abaixo citado) da sentença proferida nos autos do processo nº 1002905-19.2017.8.26.0081, em trâmite perante a 2ª Vara do Foro de Adamantina (SP), em que foi revertida a exclusão do Simples Nacional por se entender que o valor de aquisição de mercadorias pela empresa autora não excedeu ao limite de 80% fixado na Lei Complementar nº 123/06:
“(…)
No caso, produzida a prova pericial contábil, em cumprimento à determinação da Instância Superior, o expert apurou ter havido erros materiais na contabilização das aquisições da sociedade no período sob discussão, concluindo, ao final, que a autora ‘não violou o limite de 80% da receita total com a aquisição de mercadorias para comercialização, restando um percentual de 73,24% na relação entre as referidas aquisições e a receita total auferida'” (fl. 618).
Oportunizada a manifestação das partes, a Fazenda ré juntou manifestação do fiscal de rendas sobre o laudo pericial, na qual consignou-se que a reclassificação fiscal retrataria os limites da receita total em 73,24% segundo o perito e 75,24% segundo o Fisco (fl. 753). (…)
(Sentença proferida no processo nº 1002905-19.2017.8.26.0081, em trâmite perante a 2ª Vara do Foro de Adamantina).”
Interessante notar que nos dois casos acima mencionados, a perícia fez uma separação de cada operação de aquisição pelos CFOPs (sigla para Código Fiscal de Operações e de Prestações), o que fez os juízos de cada caso concluírem por não ter ocorrido o excesso ao limite de 80% fixado na Lei Complementar nº 123/06.
Portanto, para se concluir inequivocadamente quanto à exclusão do Regime do Simples Nacional com base no artigo 29, inciso X, da Lei Complementar nº 123/2006, é preciso que o agente público demonstre que cada operação supostamente alvo de fiscalização se trata de aquisição de mercadorias para comercialização ou industrialização.
Nesse sentido, relembramos o que já foi tratado por nós em artigo publicado aqui nesta ConJur sobre a presunção de veracidade dos lançamentos feitos pelo contribuinte.
Desse modo, recomenda-se às empresas que forem excluídas do Simples Nacional que analisem a exclusão com precisão busquem a sua reversão no âmbito administrativo ou judiciário apontando erros contábeis em tal conclusão.
Alexandre Levinzon é advogado tributarista, especialista em Administração pela Fundação Getúlio Vargas (FGV-SP) e pós-graduado em Direito Tributário LL.M. – Master of Laws pelo Insper e membro da Comissão de Direito Tributário da OAB/SP.