Almeida e Oliveira: Licença parental universal

É cediço que a licença maternidade foi construída historicamente a partir da luta e conquista das mulheres. Um ponto de inflexão importante do processo de inserção delas no mercado de trabalho, mas, ao mesmo tempo que serve para recuperação física após o parto, demarca o cuidado como um trabalho principalmente atrelado às mulheres e apenas de forma subsidiária aos homens, o que, sem dúvida, endossa a sociedade patriarcal e centrada em um único modelo de família, denominado de tradicional.

No contexto atual, tem-se que esse formato não se encontra em consonância com a sociedade plural, em que se privilegia a igualdade de gênero e as novas configurações familiares.

Com efeito, apesar de estabelecer a igualdade entre homens e mulheres como direito fundamental (artigo 5º, I), inclusive com previsão expressa de que os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal devem ser exercidos igualmente pelos cônjuges (artigo 226, §5º), o que abarca o direito-dever de cuidado com os filhos, em primeira análise, é o próprio texto constitucional que reafirma a desigualdade ao fixar a licença maternidade de 120 dias e a licença paternidade de apenas cinco dias (artigos 7º, XVIII e XIX, da CF e 10, §1º, do ADCT), com extensão para 160 dias no caso das mães e 15 dias no caso dos pais empregados em empresas que participam do Programa Empresa-Cidadã (artigo 1º da Lei nº 11.770/2008).

Fato é que a distinção entre as licenças maternidade e paternidade, na prática, favorece a concepção de que as mulheres são responsáveis pelas atividades de cuidado e aponta para as posições sociais que devem ser ocupadas por cada gênero.

O tempo dificulta de forma significativa  quando não inviabiliza  a efetiva distribuição das tarefas atinentes à criação dos filhos. Como consequência, os pais ficam também impossibilitados de exercer o direito de se conectar e conviver de forma próxima com filho ou filha nos primeiros meses de vida.

A diferenciação da licença a partir do binômio homem-mulher também ignora a pluralidade de arranjos familiares que fogem ao modelo dito tradicional de família e que, hoje, são reconhecidas pelo próprio ordenamento jurídico brasileiro, a exemplo do que pode ser extraído da decisão do STF ao reconhecer a possibilidade de união estável entre pessoas do mesmo sexo, admitindo a união homoafetiva como um núcleo familiar (ADI 4.277), além do julgamento do Superior Tribunal de Justiça que, à luz desse precedente, reconheceu a possibilidade de casamento entre pessoas do mesmo sexo (RE nº 1.183.378-RS) e do Provimento nº 63, do Conselho Nacional de Justiça, o qual autoriza registro de nascimento por casais homoafetivos.

É nesse cenário que tramita o Projeto de Lei nº 1.974/21, responsável por indicar uma licença parental de 180 dias para cada pessoa de referência da criança, limitada ao máximo de duas. A ideia é garantir que possam exercer o seu direito-dever de cuidador de forma igual.

Trata-se de movimento importante para coparentalidade, mas, sem dúvida, nada impede que as empresas promovam políticas internas com o objetivo de mitigar as desigualdades familiares e de gênero.  É o caso do Grupo Boticário, por exemplo, que instituiu a Licença Parental Universal para oferecer licença de 120 dias e 100% remunerada para homens (cis e trans), casais homoafetivos e pais de filhos não consanguíneos, e licença de 180 dias para mães ou pessoas que gestam, com escopo de contribuir para a equidade de gênero, garantir tempo de qualidade, afeto e formação de vínculos entre todos os integrantes da família [1].

Como se vê, não há necessidade que se efetive a alteração legislativa para que as empresas implementem boas práticas que ajudem na superação da dicotomia das licenças maternidade-paternidade, a exemplo da licença parental universal, pois, no final das contas, ao mesmo tempo em que passam a ser vetores para distribuição mais equânime do trabalho de cuidado, fortalecem o sentimento de pertencimento dos seus empregados por meio da propagação de uma cultura organizacional em que os integrantes se sintam respeitados, seguros e valorizados.

Diego Costa Almeida é advogado, mestre em Direito pelo Centro Universitário FG (UNIFG) como bolsista Capes, professor e especialista em Processo Civil pela Universidade Federal da Bahia (UFBA) e em Direito Material e Processual do Trabalho pela Faculdade Baiana de Direito (FDB).

Danielle Reis de Oliveira é advogada e pós-graduada em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho pela Faculdade Legale.

Consultor Júridico

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