Almeida e Schibelbein: Da inconstitucionalidade da Lei de Drogas

No último dia 22 de junho o Plenário Supremo Tribunal Federal voltou a discutir o Recurso Extraordinário 635.659, que trata sobre a possibilidade de descriminalização do porte de drogas para consumo próprio, que tramita desde 2011 no STF.

O argumento dos defensores da descriminalização baseia-se na ideia que a conduta não representa afronta à saúde pública, mas apenas à saúde pessoal do agente.

O julgamento encontrava-se “estacionado” em decorrência do pedido de vistas do ministro Teori Zavascki, em setembro de 2015. O pedido de vista foi devolvido ao Plenário, em novembro de 2018, pelo ministro Alexandre de Moraes, substituto do ministro Zavascki, que morreu em janeiro de 2017.

Desde então, a Corte não avançou na discussão, que teve três votos distintos em Plenário. Embora a atual presidente do STF, ministra Rosa Weber, tivesse incluído o caso na pauta de julgamento, nos dias 21 e 22 de junho, mas sequer chegou a ser julgado.

Para melhor entendimento o artigo 28 da Lei 11.343/06, preconiza que “quem adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo, para consumo pessoal, drogas sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar será submetido às seguintes penas”.

Entretanto, a Defensoria Pública de São Paulo, parte recorrente da ação supracitada, entende que este dispositivo legal viola os direitos e garantias da intimidade do agente, dada ausência de afronta à saúde pública.

Em contrapartida, aqueles que divergem dessa ótica apresentada pela Defensoria, tendem a argumentar que, o risco da saúde pública se faz presente sobre a ótica do ótica do perigo abstrato (não exigem a lesão de um bem jurídico  ou a colocação deste bem em risco real e concreto), além da quantia não ser especificada a quantidade e nem que tipo de droga será permitida.

Quanto à quantidade e tipo de droga a ser permitida, o ministro Barroso sugeriu, em seu voto, que o Supremo determine que não é crime andar com até 25 gramas de maconha ou cultivar até seis plantas para consumo pessoal.

Na mesma esteira votou o ministro Fachin, sugerindo que seja descriminalizado apenas o porte de maconha.

Quanto ao argumento da ótica do perigo abstrato, os contrários à descriminalização argumentam, que, os bens jurídicos resguardados pelo tipo penal são: 1) proteção da saúde do usuário; 2) inibição do tráfico de drogas e 3) propensão do usuário de drogas à prática de outros crimes.

A corrente contrária ao entendimento da Defensoria Pública argumenta que a descriminalização, não é o caminho a ser trilhado. Uma vez que, ela iria aumentar o número de usuários e de viciados, além de fomentar o tráfico e colaborar para o aumento dos crimes violentos.

Mas se partirmos dessa premissa, deveria o consumo do álcool ser criminalizado, sobre o mesmo argumento; proteção da saúde do usuário, prevenindo que o  usuário pratique outros crimes pelo consumo excessivo de álcool, ao terem suas capacidades cognitivas afetadas. Pois age de maneira acentuada no córtex pré-frontal, o principal responsável pelas funções cognitivas.

Entretanto, cumpre salientar que a história da humanidade demonstrou que a criminalização por si só, não foi capaz de  extinguir a dependência química de usuários, tão pouco reduzirá o seu número pelo simples fato de haver previsão legal enquadrando a conduta como tipo legal.

De acordo com o jurista Claus Roxin: “comportamentos que somente infrinjam a moral, a religião ou a political ‘correctness’, ou que levem a não mais que uma autocolocação em perigo, não devem ser punidos num estado social de direito. Afinal, o impedimento de tais condutas não pertence às tarefas do direito penal, ao qual somente incumbe impedir danos a terceiros e garantir as condições de coexistência social” (Estudos de Direito Penal, 2006, p. 12) [1].

Partilhando da ideia apresentada por Roxin, o Estado não pode impor condições prévias ao ato, sob a justificativa de que tal feito visa a proteção do indivíduo, caso contrário, estaríamos diante de uma ofensa grave ao princípio da alteridade, que por sua vez prevê que nosso ordenamento jurídico só deve punir condutas que firam direitos alheios. Sendo essa a principal tese aventada pelos defensores da descriminalização.

Muito embora o parecer do Ministério Público seja contrário à descriminalização do porte de droga para consumo pessoal, muitos promotores estão cedendo ao entendimento que a criminalização do porte de droga para consumo pessoal não é o caminho, a exemplo do Promotoria de Campina Grande do Sul (PR), na Ação Penal  0003724-11.2022.8.16.0037, que apresentou a seguinte argumentação:

“É sabido que o uso de drogas causam prejuízos físicos ao seu consumidor, assim como o consumo de álcool, açúcar, o estresse do trabalho, o tabaco etc., ainda assim e até por todas as comparações acima, não é dado ao legislador incriminar a conduta daquele que faz uso privado da droga, sob pena de ofensa ao princípio da proteção à intimidade e vida privada. Criminalizar quem faz uso de droga não fará com que o destinatário da sanção deixe de fazer uso da substância e também ferirá a autodeterminação do indivíduo que pretende se colocar em risco. Se a tentativa de suicídio não é criminalizada, por que haveria de ser o uso de drogas?!”

De modo geral, é possível observar que o consumo pessoal de drogas, ocasiona um prejuízo intrapessoal ao usuário, inexistindo qualquer influência quanto a terceiros, eis que o ato de consumir drogas, por si só, não interfere na saúde de outrem, tão pouco influenciará na comercialização ilícita de entorpecentes, haja vista que o tráfico subsistirá independentemente da criminalização ou não do consumo pessoal de drogas.

Atualmente, a Lei 11.343/06 (Lei de Drogas), prevê ao o delito do consumo pessoal de drogas uma pena de advertência sobre os malefícios do vício.

Nota-se não ser possível aplicar uma pena privativa de liberdade ao usuário de drogas, diretamente, embora, normalmente, seja o agente submetido a uma ação penal, que, corriqueiramente, é tipificada, inicialmente, como tráfico de drogas, com fundamento do artigo 33, caput, da Lei 11.343/06, devido a quantidade de droga apreendida, cabendo à defesa técnica e pessoal do agente demonstrar que tratava-se de um usuário e não de traficante.

A fim de evitar esse tipo de situação de tipificação equivocada, inicialmente, a fundamentação do ministro Luís Roberto Barroso, limitando até 25 gramas de maconha ou cultivar até seis plantas para consumo pessoal, é plausível, pois diferenciaria, à priori, o usuário do traficante.

Atualmente, o Supremo Tribunal Federal incluiu na pauta do dia 2 de agosto de 2023 a volta da discussão para debater sobre a descriminalização do porte de drogas para consumo pessoal.

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[1] Estudos de Direito Penal, Claus Roxin; tradução de Luís Greco  Rio de Janeiro: Renovar, 2006.

Edson Almeida Filho é advogado criminalista, especializando em Direito Penal e Criminologia pelo Instituto de Criminologia e Política Criminal (ICPC) e em Direito Penal e Processo Penal pelo Centro Universitário Internacional (Uninter).

Rafael Schibelbein é advogado criminalista e especializando em Direito Penal e Processo Penal pela Universidade Tuiuti do Paraná (UTP).

Consultor Júridico

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