Anita Mattes: Criação de um conceito made in Italy

Na sociedade de consumo, um dos componentes fundamentais do sucesso de qualquer produto ou serviço é o desenvolvimento de uma política de comunicação estratégica. Os consumidores, apesar de muito bem-informados e exigentes, guiam-se fortemente pelo marketing que está por trás da venda de tais mercadorias. Aproveitando essa tática de promoção, o conceito Made in Italy vem se consolidando, nos últimos anos, como forma de branding para a divulgação e a venda de produtos italianos, indo muito além de um código alfandegário de procedência.

Nesse sentido, o governo italiano vem divulgando a ideia da criação de um decreto específico  atualmente projeto de lei [1] , visando a promoção e a valorização do made in Italy como uma marca de excelência produtiva de serviços e produtos da cultura italiana.

Como afirmou recentemente a primeira-ministra italiana, Giorgia Meloni, na abertura do famoso Salão de Móveis em Milão, isso poderá tratar-se de uma “revolução cultural” [2] que colocará como objetivo principal a excelência do trabalho criativo italiano, demonstrando que “a identidade italiana está intimamente ligada a diversos setores da cultura”, a exemplo da gastronomia, dos vinhos, do design, da moda, da arquitetura, do luxo e do empreendedorismo.

O objetivo do projeto é amplo e, conforme alguns pontos anunciados pelo governo, contém diversas iniciativas interessantes, desde a criação de uma grande plataforma online, como vitrine para os produtos e serviços made in Italy e a promoção do turismo cultural daí derivado, até a realização de instrumentos financeiros e subsídios fiscais de apoio às pequenas e médias empresas do setor, a partir de um fundo de financiamento específico para tal fim.

Foi ainda divulgada a criação de uma certificação exclusiva para valorizar tais produtos e serviços italianos, semelhante às indicações geográficas na área do direito da propriedade intelectual. A ideia seria não somente a proteção, com penalidades severas para quem comprar ou vender produtos e serviços falsificados, mas também a identificação, a valorização e o apoio à sua comercialização.                                      

Divulgação

Um exemplo seria a concepção de um selo  “Restaurante italiano no mundo”  a fim de certificar restaurantes e outros tipos de estabelecimentos que oferecem, no exterior, produtos alimentares e vitivinícolas relacionados às melhores tradições italianas.

Por fim, outro aspecto relevante do projeto, diz respeito à criação de escolas de nível secundário nesse sentido  os liceo del made in Italy. Isso significa que os estudantes italianos poderão optar por se matricular, já para o ano 2024/2025, em colégio com matérias específicas relacionadas a serviços e produtos que promovam a qualidade e o prestígio da marca made in Italy, com vista a alinhar a procura e a oferta de emprego, os conhecimentos, as aptidões e as competências relacionadas a tal marca.

Por outra, a intenção, segundo o governo, seria “preencher um vazio no sistema escolar italiano, introduzindo (…) aos jovens a oportunidade de se tornarem líderes e interessar-se pela conscientização e pela cultura para o crescimento de um setor que nos caracteriza em todo o mundo, um colégio onde a estrutura do ensino médio, com o estudo das humanidades desde a filosofia até a história da arte, matemática, física, direito e economia visa uma abordagem crítica para novos modelos de negócios” [3].

Interessante notar que apostar no desenvolvimento econômico, por meio de políticas de marketing pertinentes a locuções identitárias, não é algo inédito no cenário italiano. O historiador Alberto Grandi, em Denominazione di origine inventata [4], ressaltou inúmeros mitos inventados no tocante à tradição “milenar” de produtos típicos italianos. Em outras palavras, o autor descreve muito bem que várias das lendas alusivas ao saber que acompanham a culinária italiana são invenções recentes, resultantes de marketing criado por empresários e fazendeiros italianos em busca do desenvolvimento econômico da cultura territorial.

Diante deste cenário, parece ser exagero associar o conceito made in Italy a uma “revolução cultural”, como pretende a primeira-ministra italiana; mas é inegável que o novo decreto promoverá uma nova e importante forma de reinvenção do conceito made in Italy e de valorização de produtos e serviços italianos.

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Notas

[1] Disponível em: https://ageei.eu/wp-content/uploads/2023/05/Ddl-made-in-italy-1-2.pdf

[2] Disponível em: https://www.rainews.it/articoli/2023/04/meloni-al-salone-del-mobile-serve-una-rivoluzione-culturale-per-difendere-il-lavoro-creativo-0c69c71b-f622-4654-87a6-6ae9dd8b946f.html.

[3] Disponível em: https://www.senato.it/leg/19/BGT/Schede/FascicoloSchedeDDL/ebook/56506.pdf

[4] Grandi, A. Denominazione di Origine Inventata. Le bugie del marketing sui prodotti tipici italiani, Mondadori, 2018.

Anita Mattes é doutora pela Université Paris-Saclay, mestre pela Université Panthéon-Sorbone, professora nas áreas de Direito Internacional e Patrimônio Cultural, cultore della materia na Università degli Studi di Milano-Bicocca e conselheira do Instituto Brasileiro de Direitos Culturais (IBDCult).

Consultor Júridico

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