Annelise Adames: Limites de renda para justiça gratuita

A justiça gratuita é um direito previsto na Constituição e na legislação processual civil, que garante às pessoas que não têm condições financeiras de arcar com despesas processuais sem prejuízo do seu sustento e de sua família.

Trata -se de instrumento fundamental para garantir o acesso à justiça a todas as pessoas, independentemente de sua situação econômica, permitindo que pessoas de baixa renda possam exercer seus direitos e terem seus casos analisados pelo Poder Judiciário.

Porém, para ter direito à justiça gratuita, é necessário que o interessado comprove sua insuficiência, mediante declaração de hipossuficiência e apresentação de documentos que comprovem a sua situação financeira, como comprovantes de renda, despesas e bens patrimoniais. Caso o pedido seja deferido, a pessoa fica isenta do pagamento de custas, taxas, despesas processuais e honorários advocatícios.

Ocorre que, a despeito de ser essencial para garantir a igualdade de oportunidades e a proteção dos direitos fundamentais de todos os cidadãos, se sabe que, muitas vezes, a concessão do benefício é utilizada de forma abusiva, por indivíduos que possuem condições financeiras de arcar com as despesas processuais, mas que se utilizam desse direito para obter vantagens indevidas, como por exemplo, postergar o pagamento de dívidas ou dificultar o andamento do processo.

E não é só, a concessão da gratuidade de forma imoderada também é um dos fatores que provoca o crescimento da propositura de lides temerárias, ocasionando aumento do número de processos e, consequentemente, o congestionamento e morosidade do Poder Judiciário.

Dito isto, uma das medidas que podem ser adotadas para evitar a abusividade na utilização da gratuidade é a implementação de critérios mais rigorosos para a concessão do benefício. Neste cenário, no dia 4/4/2023 a Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça (STJ) afetou os Recursos Especiais 1.988.686, 1.988.687 e 1.988.697, de relatoria do ministro Og Fernandes, para decidir, sob o rito dos repetitivos, se a concessão do benefício da justiça gratuita pode ser condicionada a um certo nível máximo de renda do solicitante.

Cadastrada como Tema 1.178, a questão submetida a julgamento foi determinada nos seguintes termos: “Definir se é legítima a adoção de critérios objetivos para aferição da hipossuficiência na apreciação do pedido de gratuidade de justiça formulado por pessoa natural, levando em conta as disposições dos artigos 98 e 99, parágrafo 2º, do Código de Processo Civil“.

No Brasil, o recurso repetitivo é regulamentado pelo Código de Processo Civil (CPC) e é julgado pelos Tribunais Superiores (STF e STJ). Para que um recurso seja considerado repetitivo, é necessário que o mesmo tema esteja sendo discutido em muitas ações, que haja uma relevância social ou econômica na questão e que a discussão seja de natureza exclusiva de direito e que não envolva a análise de provas ou fatos.

A utilização do recurso repetitivo traz diversos benefícios para o sistema judiciário, dentre eles a economia de tempo e recursos, já que permite a resolução de muitos processos em um único julgamento, além de evitar decisões conflitantes entre diferentes juízes e tribunais, ou seja, traz a garantia de que as decisões judiciais serão coerentes e seguras. Isso é especialmente importante em questões que envolvem direitos coletivos, como ações que envolvem justamente a discussão do uso da gratuidade judiciária.

Em resumo, tendo em vista que a concessão da justiça gratuita é um tema importante e relevante para a sociedade e judiciário, agiu acertadamente o STJ em indicar a matéria para análise sob a égide do recurso repetitivo.

Se espera que este julgamento implemente a adoção de critérios e medidas efetivas para a devida utilização desse direito fundamental, garantindo que a justiça seja acessível a todos, de forma justa, equitativa, ética e responsável além de garantir a efetividade do sistema judiciário.

Annelise Arruda Adames é sócia no escritório Ernesto Borges Advogados com atuação em Direito Civil e Consumidor, pós-graduada em Direito Civil e Empresarial pelo Complexo Educacional Damásio de Jesus e pós- graduada em Direito Processual Civil pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC-Minas).

Consultor Júridico

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