Árbitro não pode se abster de julgar, decide TJ de São Paulo

Árbitro não pode se abster de votar em procedimento arbitral porque isso configura negativa da prestação jurisdicional. Esse foi o entendimento da 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial do Tribunal de Justiça de São Paulo ao declarar nula uma sentença arbitral e determinar que todos os três julgadores do painel arbitral se manifestem sobre todos os pontos em disputa.

O caso envolve a rescisão de contratos de publicidade entre a empresa Skytrack e a TV Bandeirantes. A sentença arbitral de liquidação, que fixou os valores a serem quitados, definiu que a empresa anunciante deveria pagar R$ 4,9 milhões em razão do material efetivamente divulgado, enquanto a TV deveria pagar R$ 1,7 milhão por lucros cessantes pela entrega inadequada ou não entrega de mídia contratada.

Acontece que não houve consenso entre os julgadores em relação ao valor relativo aos lucros cessantes: enquanto a árbitra Gisela Sampaio entendeu que era preciso produzir prova pericial para o cálculo, o árbitro José Alexandre Tavares Guerreiro se absteve porque ele havia rejeitado, no mérito, a necessidade de pagamento de lucros cessantes.

O assunto foi definido pelo presidente do painel, Carlos Alberto Carmona, que fixou a quantia em R$ 1,7 milhão em um voto de minerva. “Não tendo o Tribunal arbitral chegado a um consenso quanto ao valor da indenização devida aos requerentes a título de lucros cessantes, prevalece, neste tópico, o entendimento do Presidente do Tribunal Arbitral”, escreveu.

Ele justificou sua decisão com base no artigo 24, parágrafo 1º, da Lei de Arbitragem, que diz: “Quando forem vários os árbitros, a decisão será tomada por maioria. Se não houver acordo majoritário, prevalecerá o voto do presidente do tribunal arbitral.”

Essa decisão foi levada à Justiça. O desembargador Cesar Ciampolini, relator do caso no TJ-SP, entendeu que o árbitro deixou de julgar, violando a garantia constitucional de acesso à Justiça. “O coárbitro, ao invés de votar sobre a questão submetida a julgamento, isto é, a liquidação do quantum devido aos apelantes, limitou-se a fazer referência a entendimento adotado em momento anterior, e já superado, isto é, o da prolatação da sentença arbitral parcial. Absteve-se de julgar, o que é, repita-se, absolutamente vedado pelo ordenamento constitucional”, escreveu o relator.

Ciampolini ainda fundamentou o seu voto citando doutrina do próprio arbitralista Carlos Carmona: “Da mesma forma que o juiz togado, cabe ao árbitro manifestar-se sobre toda a controvérsia que lhe seja submetida, não podendo deixar de decidir a respeito de todas as questões que, no seu conjunto, formam o mérito do processo arbitral.”

O desembargador afastou o entendimento de que a situação concreta justificaria o voto de minerva — ainda fazendo referência a Carmona, segundo quem a exceção prevista na Lei de Arbitragem só se aplica a divergências qualitativas. Ciampolini observou que, como o árbitro sequer votou, a situação de divergência não ficou configurada. “Tinha ele o dever de decidir, de um modo, ou de outro, externando, enfim, convencimento”, disse.

O relator ainda apontou que o Código de Processo Civil contém dispositivos que obrigam os juízes a decidirem. “E, embora o diploma processual não seja supletivo à Lei de Arbitragem, certo é que os árbitros, frente a lacunas, hão de estar atentos às soluções edificadas pelo legislador, mormente quando em causa questões constitucionais, como aqui sucede.”

Sigilo inconveniente

O desembargador usou o caso para criticar o “pernicioso sigilo” das arbitragens, que impede, segundo ele, a busca de precedentes que sirvam para a solução de casos como o analisado. “A publicidade gera a oportunidade não só de conhecimento, mas, sobretudo, de controle, na forma legal, de decisões, o que é inerente ao processo legal e à própria essência do Estado de Direito, pois se trata de serviço público, vale dizer, para o público, primordial”, acrescentou, citando o ministro aposentado do Superior Tribunal de Justiça Arnaldo Esteves de Lima.

A decisão é inovadora e pode servir de referência para outros casos, analisa o professor Olavo Alves Ferreira, autor de livros sobre arbitragem. “O acórdão é muito bem fundamentado. O árbitro-presidente não teria como obrigar o coárbitro a votar no mérito, então buscou aplicar o voto de desempate, previsto na Lei de Arbitragem. Mas o Judiciário entendeu que a sentença é nula e determinou ao coárbitro votar, já que negou jurisdição, o que lhe é vedado, sob pena de sua substituição, algo totalmente novo e muito interessante”, explica.

E completa: “há outro fundamento não citado no acórdão: o artigo 33, parágrafo 4º, da Lei de Arbitragem, reafirma o dever de o árbitro prestar a tutela jurisdicional arbitral efetiva, ao prever a ação para obrigar o árbitro a decidir todos os pedidos submetidos à arbitragem”.

Dever de decidir

Para advogado Olivar Lorena Vitale Júnior, sócio do VBD Advogados, a lei é clara quanto à obrigação dos árbitros de decidir. “A Lei de Arbitragem dispõe, em seu artigo 30, inciso II, que a parte pode requerer que o árbitro se manifeste sobre ponto omisso a respeito do qual deveria se manifestar. Uma abstenção de voto não tem guarida na lei. O árbitro contratado deve votar”, afirma. E complementa: “o árbitro deve buscar solucionar eventuais omissões na convenção de arbitragem com base no regulamento, na Lei de Arbitragem, ou na Constituição Federal, sempre de forma fundamentada.”

O advogado Vamilson José Costa, sócio da área de contencioso cível do Costa Tavares Paes Advogados, especialista em arbitragens, ressalta não ser incomum que sentenças arbitrais sejam prolatadas sem unanimidade e que, da mesma forma como ocorre com o juiz estatal, o árbitro não pode deixar de analisar uma pretensão da parte. “A abstenção de voto por parte do árbitro representa negativa de prestação jurisdicional, o que conduz à nulidade do julgado. É obrigação do tribunal arbitral entregar às partes a prestação jurisdicional buscada na arbitragem. Mesmo se tratando de órgão colegiado, há que se ter em mente que a formação da decisão final requer a manifestação de todos os seus componentes”, diz.

“É importante não confundir a atribuição prevista no artigo 24, parágrafo 1º, da Lei de Arbitragem, que prevê o desempate pelo voto do presidente do tribunal arbitral quando todos os árbitros se manifestaram. Com efeito, o referido dispositivo legal esclarece que o desempate pelo presidente do Tribunal Arbitral ocorre quando não houver acordo majoritário — que pressupõe o voto de todos os árbitros e não hipótese de abstenção. Agiu certo o TJ-SP, portanto, ao considerar a necessidade de divergência qualitativa para aplicação do voto de Minerva”, afirma o advogado.

Vamilson Costa ainda cita dispositivos do Código de Processo Civil que regem a atuação do juiz, como o artigo 489, que prevê os elementos essenciais da sentença — entre eles “o dispositivo em que o juiz resolverá as questões principais que as partes lhe submeterem”. Ou, ainda: “Não se considera fundamentada qualquer decisão judicial, seja ela interlocutória, sentença ou acórdão, que não enfrentar todos os argumentos deduzidos no processo capazes de, em tese, infirmar a conclusão adotada pelo julgador.”

Clique aqui para ler o acórdão

Apelação 1094661-81.2019.8.26.0100

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