O contrato de mútuo conversível foi uma das modalidades de investimento prevista superficialmente pelo Marco Legal das Startups (Lei Complementar nº 128/2021), servindo como instrumento de captação de recursos financeiros quando a sociedade ainda está em fase de estruturação interna e validação do produto ou serviço, sendo, portanto, um dos primeiros investimentos que as startups recebem.
Apesar de se tratar de um contrato simples e formalizado rapidamente entre as partes, devido ao seu caráter híbrido acaba por ser um dos mais complexos, pois caracteriza-se pelo aporte de recursos na startup.
Tal financiamento se dá por meio da possibilidade de se receber participação societária em contrapartida ao recebimento do valor investido assim que a dívida vence ou ao se atingir algum evento de liquidez contratual. É um contrato atípico no ordenamento jurídico pátrio, regendo-se pelas regras gerais dos negócios jurídicos por não haver regulamentação específica para tal.
Diferente do mútuo comum, quitado com a devolução do valor acrescido de juros remuneratórios e correção monetária, o pagamento do mútuo conversível pode ser satisfeito pela transferência de participação societária, sendo um contrato no qual o investidor se compromete a realizar um aporte a título de empréstimo na sociedade, podendo abater a dívida ao convertê-la em quotas ou ações da mesma.
Uma das maiores vantagens do investidor antes de integrar o quadro societário é a possibilidade de atuação como mentor na tomada de decisões e acompanhamento do desenvolvimento do negócio, podendo ainda, a depender das cláusulas contratuais, ter poder de veto em determinadas situações envolvendo o uso do capital da startup. Tudo isso sem se envolver em questões jurídicas, como as obrigações trabalhistas e tributárias.
Já para as startups, a principal vantagem está na possibilidade de atrair recursos financeiros sem o ingresso imediato de novos sócios, fato que poderia burocratizar a tomada de decisões sobre o negócio em momentos críticos e cruciais para os seus integrantes.
Caso o investimento tenha sucesso, conclui-se a conversão com o ingresso do investidor no quadro societário. Esta é uma obrigação alternativa para adimplemento do mútuo, conforme o artigo 252 do Código Civil, cabendo ao devedor a escolha da obrigação, caso não haja estipulação em contrário.
A conversão se dará a priori na data de vencimento do mútuo conversível. Contudo, caso o prazo não seja mencionado, há de se observar o artigo 592 do Código Civil. Todavia, é possível que se estipule de forma paralela eventos diversos de conversão, tais quais alteração do contrato social, transformação da sociedade ou venda da participação.
A natureza jurídica do contrato de mútuo conversível é controversa, sendo escassamente debatida doutrinariamente, inexistindo, portanto, um consenso, tampouco uma corrente majoritária. Trata-se de um contrato sui generis, singular em termos de natureza jurídica e, consequentemente, aplicação, o que se justifica pela fluidez que apresenta perante as partes envolvidas.
Tributação
Por se tratar de um contrato atípico, a tributação referente a tal prática se torna um desafio, pois tal contrato possui uma dupla característica, tanto de empréstimo (para o investidor-anjo) quanto de investimento (para a startup). Por essa razão, caso seja estabelecido entre pessoas jurídicas, é passível a incidência de impostos como Imposto de Renda sobre Pessoa Jurídica (IRPJ) ou Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) sobre o ganho de capital da startup.
Caso se dê entre uma pessoa física e uma pessoa jurídica é possível a incidência de Imposto de Renda sobre Pessoa Jurídica (IRPF) — sobre o ganho de capital na conversão da participação do investidor) — e IRPJ — sobre ganho de capital da startup. Também podem incidir impostos como Contribuição Sobre o Lucro Líquido (CSLL), Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins) e Contribuição do Programa de Integração Social (PIS), a depender do caso.
Entretanto, deve-se atentar para que tal valor emprestado não seja caracterizado como doação, pois muitos investidores não cobram a devolução do mútuo conversível quando não há intenção de conversão, causando a incidência do ITCMD (Imposto de Transmissão Causa Mortis e Doação).
Importante ressaltar que quando ocorrer o ágio — diferença entre o valor de mercado do título (efetivamente pago) e o valor contábil (nominal do papel) — haverá a incidência de Imposto de Renda, por ser considerado como lucro ou ganho de capital.
Além disso, nada impede que, ao ocorrer a conversão, a startup se mantenha como sociedade limitada, apesar de não ser uma prática recorrente. Isso porque as sociedades anônimas são isentas da cobrança de tributos sobre o ágio, sendo interessante sob o aspecto tributário a conversão da Limitada em S/A.
Cláusulas do contrato de mútuo conversível
Dentre as cláusulas que podem ser previstas em um contrato de mútuo conversível, conforme exposto anteriormente, as principais são: 1) Prazo: para que o investidor opte pela conversão ou não, bem como para pagamento do investimento nesse último caso. Uma vez vencido, as partes poderão optar pela renovação do contrato e tratar de novas condições;
2) Pagamento do valor investido: é indispensável que existam cláusulas de incidência de juros e correção monetária, formas de devolução do dinheiro, possibilidade de vencimento por descumprimento do contrato etc. É importante a negociação de prazo ou parcelamento para o investido, a fim de que a sociedade não tenha que desembolsar o valor integral em uma parcela, o que seria por demais oneroso;
3) Conversão: deve prever os seus procedimentos e características, como momento da conversão, notificação das partes, possibilidades de antecipação, fixação de percentual pré-determinado que será cedida ao investidor, obrigatoriedade de assinatura de acordo de sócios, prefixação de regras ou modelo de acordo de sócios etc. É importante pré-fixar o valor correspondente ao percentual, evitando-se a insegurança do investido, bem como apontar se o investimento será efetivado por meio de compra e venda de participação societária de sócios ou por meio de emissão de quotas/ações;
4) Direito de propriedade: determinação de quem será o titular dos direitos de propriedade industrial ao longo do desenvolvimento da startup, como softwares, patentes e marcas. O mais comum é que fique com a própria sociedade e não com os sócios investidores;
5) Obrigações da startup e de seus fundadores: visam a continuidade da própria startup e o desenvolvimento de suas atividades;
6) Direitos do mutuante/investidor-anjo;
7) Compromisso de confidencialidade: evitar a divulgação de informações da empresa, mediante comprometimento das partes em manter os dados da empresa em sigilo;
8) Hipóteses de evento de liquidez antecipado: previsão da obrigatoriedade ou possibilidade de declarar o vencimento antecipado da conversão em participação societária;
9) Não concorrência: caso o investimento não seja concretizado formalmente, impedindo o investidor de iniciar uma concorrência desleal ou que alicie empregados do investido;
10) Se haverá transformação em sociedade anônima de capital fechado;
11) Transferência de ações, através do Drag along e/ou Tag along.
Conclusão
Um dos maiores objetivos do investidor é obter um retorno financeiro, o que não se difere no caso do contrato de mútuo conversível. Ao realizar o aporte financeiro, o investidor anjo conta com o crescimento e valorização da startup, e consequente compensação do investimento.
Todavia, nem sempre é o que acontece, pois quando o percentual ou a quantidade societária que será convertida em troca do aporte financeiro não é bem definida, pode ser que no momento da conversão, com o aumento do valor da empresa (valuation majorada), a proporção do investimento realizado diminua e o cálculo desfavoreça o investidor. A prevenção de uma bonificação para o investidor seria uma ferramenta para mitigar tal possibilidade.
Uma vez que o contrato de mútuo não concede ao investidor direitos que são exclusivos dos sócios, como a sua participação na administração, por exemplo, este deve tomar cuidado antes da conversão para que não seja considerado como tal e, consequentemente, tenha que responder de forma solidária e ilimitada com os demais.
No final do prazo estipulado em contrato, o investidor poderá optar por converter ou não a quantia investida em ações na empresa, garantindo que não haja prejuízo na sua saída, caso o negócio não seja bem-sucedido.
A intenção é a proteção do investidor durante o período de maturação da sociedade, bem como a manutenção da autonomia dos fundadores. Além disso, o investidor poderá utilizar o mútuo como uma espécie de desconto, pois caso a compra da participação não seja realizada em uma rodada, o mútuo poderá servir como um desconto para compra em uma futura.
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Referências bibliográficas
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Ariana Miranda é advogada, sócia do escritório Mendes Costa Advogados Associados.