Bahia e Soares: Papel constitucional do TCU

A Constituição em seu artigo 71 traz as competências constitucionais do Tribunal de Contas da União, assim, vale ressaltar que o TCU não é um mero auxiliar do Poder Legislativo, tendo ele competências constitucionais próprias.

Diante disso, o tribunal de contas não se trata de um órgão subordinado à um vínculo de ordem hierárquica, isso porque, “a competência institucional dos Tribunais de Contas não deriva, por isso mesmo, de delegação do Poder Legislativo, mas traduz emanação que resulta primariamente, da Própria Constituição da República [1]“.

Assim, pode-se dizer que o tribunal de contas não é um órgão do Legislativo, uma vez que a própria Constituição, em seu artigo 44, estabelece que o Poder Legislativo é exercido pelo Congresso, o qual é composto pela Câmara dos Deputados e pelo Senado, logo.

Destarte, o tribunal possui basicamente seis funções que emanam do próprio texto constitucional, sendo elas: 1) função judicante, que compreende o julgamento das contas dos administradores e responsáveis por dinheiro público; 2) função fiscalizatória: fiscalizar e apreciar a aplicação de receitas; 3) função informativa, prestando de informações ao parlamento; 4) função sancionatória, aplicando sanções (artigo 71, inciso VIII da CRFB/88); 5) função corretiva, determinando adoção de providências necessárias ao exato cumprimento da lei; 6) função de ouvidoria, quando recebe denúncias sobre irregularidades ou ilegalidades relativas à gestão de recursos públicos.

Portanto, verifica-se que, o TCU tem importante papel no que tange a proteção dos princípios da governança pública que gravitam em um Estado democrático de Direito. Dentre eles, destaca-se a prestação de contas e responsabilidade, bem como, a transparência.

Das funções constitucionais do tribunal de contas

As funções constitucionais dos tribunais de contas estão arroladas no artigo 71 da Constituição, o qual, traz funções elencadas já previamente constituídas, tais como, função consultiva, judicante, fiscalizatória, informativa, sancionatória, corretiva e de ouvidoria [2].

A função consultiva é exercida pelos TCs, os quais emitem parecer prévio sobre as contas prestadas anualmente pelo chefe do Poder Executivo [3]. O referido parecer serve de base para o julgamento pelo poder legislativo das referidas contas do executivo [4].

Vale ressaltar que, neste caso, nos termos do artigo 49, inciso IX da Carta Magna [5], o parecer emitido pelo Tribunal de Contas da União é meramente opinativo, não tendo caráter vinculativo do Poder Legislativo à qualquer conclusão existente no parecer. Isso porque, nesta hipótese, o tribunal de contas exerce auxílio ao poder legislativo [6].

Acerca da natureza opinativa do parecer técnico elaborado pelo TCU, vale destacar a tese fixada no RE 729.744 em sede de repercussão geral do tema 157 do Supremo Tribunal Federal: “parecer técnico elaborado pelo Tribunal de Contas tem natureza meramente opinativa, competindo exclusivamente à Câmara de Vereadores o julgamento das contas anuais do chefe do Poder Executivo local, sendo incabível o julgamento ficto das contas por decurso de prazo”.

A referida tese faz menção a competência da câmara de vereadores, contudo, ao se realizar um exercício hermenêutico, não só da tese fixada, mas também do dispositivo constitucional acima mencionado (artigo 49, inciso IX), verifica-se que a tese do STF corrobora com aquilo que a Constituição determina, ou seja, que o parecer técnico do tribunal de contas possui apenas uma função consultiva, sendo que a palavra final acerca da legalidade ou ilegalidade, bem como da aprovação ou reprovação das contas do poder executivo é de competência exclusiva do poder legislativo.

Outra função do Tribunal de Contas é a função judicante prevista no artigo 71, inciso II da Constituição, a qual estabelece a possibilidade do TC de julgar as contas dos administradores e responsáveis por dinheiros, bens e valores públicos [7].

A Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 3.715/TO, de relatoria do ministro Gilmar Mendes, distinguiu e diferenciou as funções consultiva e judicante do Tribunal de Contas. A ADI foi ajuizada com o objetivo de questionar dispositivos acrescidos à Constituição do Estado de Tocantins, que previam a possibilidade de recurso à Assembleia Legislativa, contra decisões tomadas pelo Tribunal de Contas do Estado, conforme decisão emanada do STF:

(…) A Constituição Federal é clara ao determinar, em seu artigo 75, que as normas constitucionais que conformam o modelo federal de organização do Tribunal de Contas da União são de observância compulsória pelas Constituições dos Estados-membros. Precedentes. 4. No âmbito das competências institucionais do Tribunal de Contas, o Supremo Tribunal Federal tem reconhecido a clara distinção entre: 1) a competência para apreciar e emitir parecer prévio sobre as contas prestadas anualmente pelo Chefe do Poder Executivo, especificada no artigo 71, inciso I, CF/88; 2) e a competência para julgar as contas dos demais administradores e responsáveis, definida no artigo 71, inciso II, CF/88. Precedentes. 5. Na segunda hipótese, o exercício da competência de julgamento pelo Tribunal de Contas não fica subordinado ao crivo posterior do Poder Legislativo. Precedentes. 6. A Constituição Federal dispõe que apenas no caso de contratos o ato de sustação será adotado diretamente pelo Congresso Nacional (artigo 71, § 1º, CF/88). 7. Ação julgada procedente.” [8]

Além disso, a função fiscalizatória, que está relacionada a fiscalização financeira, é talvez a função principal de um tribunal de contas, cuja função, possui duas competências principais, conforme José Afonso da Silva menciona:

“(…) inspeção e auditoria de natureza contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial, por iniciativa própria, da Câmara dos Deputados, do Senado Federal, de Comissões técnicas ou de inquérito, nas unidades administrativas de todos os Poderes, quer da administração direta ou indireta, assim como nas fundações e sociedades instituídas ou mantidas pelo Poder Público; (5) fiscalização das contas nacionais das empresas supranacionais de cujo capital social a União participe, de forma direta ou indireta, nos termos do tratado constitutivo, assim como da aplicação de qualquer recurso repassado pela União mediante convênio, acordo, ajuste ou outros instrumentos congêneres, a Estado, ao Distrito Federal ou a Município” [9].

Vale destacar que a fiscalização do tribunal de contas não se faz de maneira prévia como condição de eficácia do ato, contrato ou negócio jurídico fiscalizado, conforme já decidiu o STF:

“1. Nos termos do artigo 75 da Constituição, as normas relativas à organização e fiscalização do Tribunal de Contas da União se aplicam aos demais tribunais de contas. 2. O artigo 71 da Constituição não insere na competência do TCU a aptidão para examinar, previamente, a validade de contratos administrativos celebrados pelo Poder Público. Atividade que se insere no acervo de competência da Função Executiva. 3. É inconstitucional norma local que estabeleça a competência do tribunal de contas para realizar exame prévio de validade de contratos firmados com o Poder Público. Ação Direta de Inconstitucionalidade conhecida e julgada procedente. Medida liminar confirmada” [10].

A função informativa está relacionada a prestação de informações ao parlamento ou a qualquer uma de suas casas ou comissões [11] sobre a fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial e sobre os resultados de auditorias e inspeções realizadas (artigo 71, VII, CF/88) [12].

O tribunal de contas também possui função sancionatória, podendo aplicar aos responsáveis, nos casos de ilegalidade da despesa ou irregularidade nas contas, as sanções previstas em lei conforme estabelece o artigo 71, inciso VIII da Constituição.

No que tange as sanções aplicáveis pelo TCU, a Constituição estabelece a imputação de débito e a aplicação de multa inclusive a multa proporcional ao dano ao erário. A Constituição também confere a executividade das decisões do tribunal de contas que condenem os responsáveis em débito ou lhes aplique multa, possuindo então, estas decisões força de título executivo.

A função corretiva por sua vez, está relacionada quando o TC estabelece prazo para que algum órgão ou entidade adote providências necessárias ao exato cumprimento da lei, se verificada ilegalidade, bem como, quando susta a execução do ato impugnado, comunicando à referida decisão ao congresso nacional [13].

Vale ressaltar que, o Supremo em sede de um mandado de segurança decidiu que o TCU não tem poder para anular ou sustar contratos administrativos, mas, nos termos do artigo 71, inciso IX da Constituição, tem competência para determinar à autoridade administrativa que promova a anulação do contrato e, se for o caso, da licitação de que se originou, conforme decidido pelo STF, in verbis:

O Tribunal de Contas da União — embora não tenha poder para anular ou sustar contratos administrativos — tem competência, conforme o artigo 71, IX, para determinar à autoridade administrativa que promova a anulação do contrato e, se for o caso, da licitação de que se originou (…) A oportunidade de defesa assegurada ao interessado há de ser prévia à decisão, não lhe suprindo a falta a admissibilidade de recurso, mormente quando o único admissível é o de reexame pelo mesmo plenário do TCU, de que emanou a decisão [14].

Além disso, o TCU também exerce uma função normativa a qual decorre do poder regulamentar conferido pela Lei Orgânica que faculta expedição de instruções e atos normativos, de cumprimento obrigatório, sobre matéria de competência do tribunal e sobre organização de processos que lhe devam ser submetidos [15].

Por fim, o TCU exerce função de ouvidoria quando recebe denúncias sobre irregularidades ou ilegalidades relativas à gestão de recursos públicos [16]. Sendo parte legítima para denunciar perante o tribunal de contas, qualquer cidadão, partido político, associação ou sindicato, conforme estabelece o artigo 74, § 2º, da CF/88 [17].

Referências

ANSELMO, José Roberto. Direito Constitucional. – 4. ed. rev. e ampl. – Bauru, SP: Spessotto, 2021.

BRASIL,
Decreto nº 9.203, de 22 de novembro de 2017.

BRASIL. Tribunal de Contas da União. Referencial básico de governança aplicável a órgãos e entidades da administração pública. Versão 2 – Brasília: TCU, Secretaria de Planejamento, Governança e Gestão.

BRITTO, Carlos Ayre. O Regime Constitucional dos Tribunais de Contas, Revista Diálogo Jurídico, Salvador, CAJ – Centro de Atualização Jurídica, v. I, n. 9, dezembro, 2001. Disponível em:<
http://www.direitopublico.com.br >.

CANOTILHO, J. J. Gomes [et al.]. Comentários à Constituição do Brasil. – 2. ed. – São Paulo : Saraiva Educação, 2018.

FILHO, Elmitho Ferreira dos . A Atuação dos Tribunais de Contas para o Cumprimento da Lei de Responsabilidade Fiscal e sua Importância para as Punições Fiscais e Penais. Orientador: Alejandra Leonor Pascual. 2006. 20. Monografia – Curso de Pós-graduação em Direito Público e Controle Externo, Instituto Serzedello Corrêa, Faculdade de Direito da Universidade de Brasília, Brasília. 2006. Disponível em: https://portal.tcu.gov.br/biblioteca-digital/a-atuacao-dos-tribunais-de-contas-para-o-cumprimento-da-lei-de-responsabilidade-fiscal-e-sua-importancia-para-as-punicoes-fiscais-e-penais.htm. Acesso em: 21/11/2022.

FORTINI, Cristiana; SHERMAM, Ariane. Governança pública e combate à corrupção: novas perspectivas para o controle da Administração Pública brasileira. Interesse Público – IP, Belo Horizonte, ano 19, nº 102, p. 27-44, mar./abr. 2017. Disponível em: <
https://www.editoraforum.com.br/wp-content/uploads/2017/11/governanca-combate-corrupcao.pdf>

MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de direito constitucional. – 16. ed. rev. e atual. – São Paulo: Saraiva Educação, 2021.

MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. – 36. ed. – São Paulo: Atlas, 2020.

NERY JUNIOR, Nelson; ABBOUD, George. Direito Constitucional Brasileiro: Curso Completo. – 2. ed. – São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2019.

SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. -39. ed., rev. e atual. / até a Emenda Constitucional nº 90, de 15.9.2015. -São Paulo : Malheiros, 2016.

SILVA, Virgílio Afonso da. Direito Constitucional Brasileiro. – 1. ed. 1. reimpr. – São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2021. – (Acadêmica; 107).

TAVARES, André Ramos. Curso de Direito Constitucional. – 18. ed. – São Paulo: Saraiva Educação, 2021.

 


 

[8]ADI 3715, relator (a): GILMAR MENDES, Tribunal Pleno, julgado em 21/08/2014.

Claudio José Amaral Bahia é professor do Centro Universitário de Bauru (Ceub) — ITE/Bauru (SP), doutor em Direito de Estado, subárea Direito Constitucional, pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP).

João Luiz Martins Teixeira Soares é advogado, mestrando em Sistema Constitucional de Garantia de Direitos pelo Centro Universitário de Bauru (Ceub) — ITE/Bauru (SP).

Consultor Júridico

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