Bandeira e Barradas: Limite temporal da compensação de créditos

O recolhimento de tributo indevido ou em montante maior que o devido representa o ingresso, nos cofres públicos, de recursos subtraídos do contribuinte de forma ilegítima, obrigando o ente tributante a promover a imediata devolução do indébito, sob pena de enriquecimento ilícito do Estado.

Não raro, entretanto, o particular se vê obrigado a recorrer ao Poder Judiciário para obter o reconhecimento da existência do indébito tributário a que faz jus, sendo que, uma vez obtido êxito na investida, poderá optar por reaver os montantes a cuja recuperação faz jus por meio de precatório ou por compensação administrativa.

Caso opte pela compensação, o contribuinte precisará se submeter a uma série de requisitos elencados em Instruções Normativas editadas pelo órgão fazendário, dentre as quais a observância do prazo máximo de cinco anos, contados a partir do trânsito em julgado da decisão que declara determinada cobrança indevida, para que empregue o crédito em encontros de contas na esfera administrativa.

Com efeito, é que o que consta do artigo 106, caput, da IN RFB 2.055, de 8 de dezembro de 2021, atualmente incumbida de disciplinar a compensação de créditos tributários federais, bem como de pronunciamentos do órgão consultivo fazendário, que se posicionam, de forma expressa, pela impossibilidade de o contribuinte dar continuidade às compensações, caso não logre exaurir o crédito oriundo de decisão judicial transitada em julgado nesse ínterim (vide Solução de Consulta Cosit nº 239, de 19 de agosto de 2019 e o Parecer Normativo nº 11, de 19 de dezembro de 2014).

Entendemos, contudo, que a limitação temporal em apreço não se sustenta, tendo em vista a disciplina legal acerca da matéria, bem como a interpretação que lhe vem sendo conferida pela mais abalizada jurisprudência pátria, à luz dos princípios que regem as relações tributárias. Vejamos:

Estabelece o artigo 168, caput, do CTN, que, para as hipóteses de pagamento indevido tuteladas no artigo 165, o direito de pleitear a restituição extingue-se com o decurso do prazo de cinco anos, contado a partir de diferentes marcos temporais ali previstos, dentre os quais o trânsito em julgado da decisão judicial que reconhece o indébito.

A partir da interpretação desses regramentos, extraímos a conclusão de que cabe ao contribuinte, no quinquênio subsequente ao trânsito em julgado de decisão desta natureza, apresentar seus créditos às autoridades fiscais, declarando seu propósito de empregá-los em encontros de contas voltados à quitação de débitos próprios, mediante transmissão da primeira Declaração Eletrônica de Compensação — DComp com o detalhamento do montante a que faz jus.

Em outros termos, compete-lhe, no prazo em análise, dar início aos procedimentos compensatórios, restando afastada, a partir da adoção desta providência, a possibilidade de consumação da prescrição desse direito, uma vez que a configuração do instituto, como é de amplo conhecimento, pressupõe o decurso de determinado prazo aliado à inafastável inércia do titular do direito.

Por outro lado, compelir o particular a esgotar o crédito a que tem direito num determinado período carece de razoabilidade!

Isto porque a impossibilidade de esgotamento do crédito pode decorrer de fatores completamente alheios à vontade ou controle do seu detentor, a exemplo da queda no desempenho das suas atividades produtivas, capaz de comprometer a percepção de faturamento/lucro e, em consequência, a apuração de débitos alusivos a tributos federas suficientes para lhe fazer face, ou ainda das crescentes restrições impostas pela RFB à realização de encontros de contas, dentre as quais mencionamos, a título ilustrativo, o óbice à compensação de débitos de estimativa do IRPJ e da CSLL (vide artigo 74, §3º, IX, da Lei nº 9.430/96).

Certamente em atenção a parâmetros de justiça e de razoabilidade é que não há, no ordenamento jurídico vigente, norma legal fixando prazo máximo para o aproveitamento de créditos reconhecidos pelo Poder Judiciário, diante do que se conclui que as INs RFB que fixam limite dessa natureza extrapolaram o poder regulamentar que lhes é próprio, incorrendo, desta forma, em violação ao artigo 100, I, do CTN.

Além disto, cumpre observar que a referida IN RFB 2.055/2021 expressamente admite a possibilidade de compensação, sem limitação temporal, de créditos que tenham sido objeto de anterior pedido de restituição apresentado dentro do quinquênio subsequente ao seu nascedouro (vide artigo 67, parágrafo único).

Nesta hipótese, portanto, o próprio ente fazendário federal entende que estaria afastado o perecimento do direito à utilização do montante.

Ocorre que todo crédito, para que se afigure compensável, deve ser passível de restituição ou de ressarcimento, conforme disposto no artigo 74, caput, da Lei nº 9.430/96, havendo, nesse compasso, textual advertência, no bojo do artigo 76, VII, da festejada IN RFB 2.055/2021, no sentido de que é vedada e será considerada não declarada a compensação que tiver por objeto (…) o crédito que não seja passível de restituição ou de ressarcimento.

Deste modo, considerando que um crédito objeto de anterior pedido de restituição pode ser utilizado indefinidamente, até o seu completo exaurimento, sobressai absolutamente injustificado e atentatório ao primado da isonomia conferir tratamento díspar e mais restritivo a um crédito igualmente passível de restituição, ainda que na esfera judicial, devidamente pleiteado via procedimento de compensação administrativa, em sede de DComp que contemple seu detalhamento.

Com base em todo esse manancial jurídico-argumentativo, entendemos verdadeiramente respaldada a concepção de que, uma vez iniciados os procedimentos de compensação de determinado crédito oriundo de decisão judicial transitada em julgado — e, deste modo, afastada a inércia que pudesse levar à configuração da prescrição do direito de lhe conferir adequado emprego —, sua utilização deverá ser permitida até que o credor seja capaz de lhe conferir integral vazão, sem a imposição de qualquer limite temporal.

Nesse sentido, sinalizamos a existência de decisões da 2ª Turma do STJ, proferidas nos anos de 2014 e 2015, de acordo com as quais o prazo do art. 168, caput, do CTN é dado ao particular credor para pleitear a compensação, e não para realizá-la integralmente.

Observamos que este entendimento está refletido, também, em precedente da 1ª Turma da Corte Superior, do ano de 2018, o qual, ainda que à luz de contexto fático distinto, deixou evidente tal concepção, utilizando, inclusive, como razão de decidir, o conteúdo de um dos precedentes acima mencionados.

Detectamos, ainda, decisões monocráticas mais recentes, que, inclusive, se reportam aos mesmos julgados da 2ª Turma de que tratamos acima, para concluir que o contribuinte dispõe de cinco anos para iniciar a compensação, contados do trânsito em julgado da decisão judicial que reconheceu o direito ao crédito, não havendo, uma vez iniciada a compensação, prazo máximo para a sua finalização.

Neste contexto, os Tribunais Regionais Federais vêm adotando idêntico posicionamento, merecendo destaque decisões transitadas em julgado em suas esferas, oriundas dos TRFs da 1ª e 4ª Região.

Diante deste panorama jurisprudencial, nos parece que vem ganhando força a tese de que o prazo quinquenal contado a partir do trânsito em julgado é dado ao contribuinte para que inicie os procedimentos de compensação mediante emprego do crédito reconhecido pelo Poder Judiciário, não estando obrigado, contudo, a esgotar o montante nesse mesmo ínterim.

E muito embora inexista, até o momento, julgados vinculantes sobre o tema, fato é que a incursão em debate dessa natureza se apresenta como um dos caminhos possíveis para os contribuintes que, mesmo já havendo enfrentado uma verdadeira “via crucis” processual no intuito de obter o reconhecimento do direito à repetição do indébito tributário, precisarão, ainda, retornar ao Poder Judiciário no intuito de ver assegurada a satisfação integral do crédito a que fazem jus.

Isabela Bandeira é advogada com experiência em consultoria e contencioso tributário, formada pela Universidade Federal da Bahia, pós-graduada em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários, ex-conselheira da OAB-BA e conselheira do Conselho para Assuntos Fiscais e Tributários (Caft) da Fieb.

Trícia Barradas é advogada com experiência em consultoria e contencioso tributário, formada pela Universidade Federal da Bahia (UFBA) e pós-graduada em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários (Ibet).

Consultor Júridico

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