Barbosa e Mainardes: STJ pacificará entendimento sobre Tema 1.182

Em acórdão publicado em 20/3/2022, a Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça (STJ), por unanimidade, afetou os Recursos Especiais 1.945.110/RS e 1.987.158/SC à sistemática repetitiva (Tema nº 1.182), e determinou a suspensão dos processos que versam sobre a matéria em todo o território nacional até a fixação da tese pela Corte.

Na ocasião, será definido “se é possível excluir os benefícios fiscais relacionados ao ICMS,  tais como redução de base de cálculo, redução de alíquota, isenção, imunidade, diferimento, entre outros  da base de cálculo do IRPJ e da CSLL (extensão do entendimento firmado no Eresp 1.517.492/PR que excluiu o crédito presumido de ICMS das bases de cálculo do IRPJ e da CSLL)” [1].

Com efeito, no julgamento do aludido EREsp 1.517.492/PR, a 1ª Seção do STJ, nos termos do voto-vista da ministra Regina Helena Costa, decidiu que créditos presumidos do ICMS, outorgados pelos entes federativos, não podem compor a base de cálculo do IRPJ e da CSLL. Isso, porque o crédito presumido se trata de incentivo fiscal concedido pelo Estado-membro e, nessa condição, sua tributação pela União, através do IRPJ e da CSLL, “estimula competição indireta com o Estado-membro, em desapreço à cooperação e à igualdade, pedras de toque [sic] da Federação” [2].

Além disso, a 1ª Seção também invocou a ratio decidendi adotada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) no julgamento do Tema 69 (RE 574.706/PR), no qual afastou-se a inclusão do ICMS da base de cálculo do PIS e da Cofins, ao fundamento de que o ICMS não se incorpora ao patrimônio do contribuinte. Na mesma linha de raciocínio, a 1ª Seção do STJ entendeu que o crédito presumido não se caracteriza como renda ou lucro, passíveis de tributação pelo IPRJ e pela CSLL.

Assim, após o julgamento do EResp 1.517.492/PR, não restam dúvidas quanto à impossibilidade da inclusão de créditos presumidos do ICMS nas bases de cálculo do IRPJ e da CSLL. No entanto, a 1ª e a 2ª Turma divergem a respeito da extensão do entendimento que foi fixado pela 1ª Seção no EResp 1.517.492/PR.

A 1ª Turma possui diversos julgados [3] em que admite a exclusão dos demais benefícios fiscais relacionados ao ICMS (tais como redução de base de cálculo, redução de alíquota, isenção, imunidade, diferimento, entre outros) da base de cálculo do IRPJ e da CSLL, pois a arrecadação de tributos por parte da União sobre qualquer benefício fiscal concedido pelos Estados-membros resultaria na violação do pacto federativo.

A 2ª Turma, por sua vez, tem aplicado de maneira mais restritiva o que foi decidido no EResp 1.517.492: apenas o crédito presumido de ICMS seria passível de exclusão das bases de cálculo do IRPJ e da CSLL. Os demais benefícios poderiam, via de regra, ser tributados pelo IRPJ e pela CSLL e eventual exclusão estaria condicionada às condições elencadas no artigo 30 da Lei 12.973/2014, com as alterações introduzidas pela Lei Complementar 160/2017. Assim, para que os benefícios do ICMS sejam excluídos da base do IRPJ e da CSLL, devem ser concedidos como estímulo à implantação ou exportação de empreendimentos econômicos, bem como registrados em reserva de lucros [4].

Quanto ao ponto, pelas mesmas razões que fundamentaram o julgamento do EResp 1.517.492, a interpretação adotada no âmbito da Primeira Turma deve prevalecer.

De fato, a 1ª Seção, ao julgar o EResp 1.517.492, tratou apenas dos créditos presumidos outorgados pelos entes federativos. No entanto, os fundamentos do voto vencedor, proferido pela ministra Regina Helena, são perfeitamente aplicáveis aos demais benefícios fiscais relacionados ao ICMS.

Conforme assentado pela ministra, considerar o crédito presumido como lucro “sufraga, em última análise, a possibilidade de a União retirar, por via oblíqua, o incentivo fiscal que o Estado-membro, no exercício de sua competência tributária, outorgou”, uma vez que os incentivos do ICMS possuem um caráter extrafiscal inerente, pois viabilizam determinados fins políticos almejados pelos Estados-membros. Desse modo, “se o propósito da norma consiste em descomprimir um segmento empresarial de determinada imposição fiscal, é inegável que o ressurgimento do encargo, ainda que sob outro figurino, resultará no repasse dos custos adicionais às mercadorias, tornando inócua, ou quase, a finalidade colimada pelos preceitos legais” [5].

Se o STJ reconhece que a incidência do IRPJ e da CSLL sobre os créditos presumidos do ICMS torna ineficaz o fim político almejado pelo Estado-membro, pois resulta na reoneração do setor que o ente federativo visava desonerar, por qual razão o mesmo entendimento não deveria ser aplicado aos demais benefícios?

Por exemplo, a isenção fornecida a determinado setor de interesse do estado-membro, teria de ser concedida “a maior”, para compensar a incidência dos tributos federais e, por consequência, a receita desse determinado Estado seria despropositadamente reduzida em favor da União.

Os argumentos em sentido contrário se pautam no entendimento de que a exclusão dos demais benefícios fere o pacto federativo em desfavor da União, em uma inversão da lógica do EResp 1.517.492, pois, nos termos do ministro Campbell, “todas as vezes que uma isenção ou redução da base de cálculo de ICMS for concedida pelo Estado, automaticamente a União seria obrigada a reduzir o IRPJ e a CSLL da empresa em verdadeira isenção heterônoma vedada pela Constituição Federal de 1988”. Para o ministro, os valores “negativos” (das isenções e reduções de base de cálculo) jamais foram contabilizados na receita do contribuinte e não podem ser transformados em uma “forma de dedução do IRPJ e da CSLL”.

No entanto, tais argumentos não levam em consideração o fato de que a isenção é, em sua natureza, renúncia de receita por parte do Estado-membro, independentemente de ser um valor “negativo” ou “positivo”. Na hipótese, ainda se tem um ente federativo que deliberadamente deixa de arrecadar tributos na intenção de estimular um setor, mas, após a concessão desse benefício, a União Federal reduz a eficácia do estímulo ao tributar os valores novamente  valores, estes, que iriam para o Estado-membro.

Relembre-se que o ICMS era devido, mas o Estado meramente optou por não cobrá-lo. Não se trata de uma imunidade, em que jamais se deveu algo ao Estado-membro.

Nesse contexto, foi acertada a afetação da controvérsia como repetitiva, haja vista o atual contexto em que os posicionamentos da 1ª e da 2ª Turma são diametralmente opostos e o sucesso do contribuinte reside unicamente na sua sorte no momento da distribuição do processo entre as turmas do STJ. Como o Poder Judiciário não deve ser uma loteria, a fixação de uma posição única e clara da 1ª Seção, portanto, é fundamental para prestigiar a segurança jurídica necessária ao ordenamento pátrio.

No mérito do julgamento, para evitar que seja possível à União a tributação de receitas que pertenciam aos estados ou ao Distrito Federal, em evidente prejuízo às políticas adotadas pelos entes federados ao abrirem mão deste dinheiro, é fundamental que o STJ adote o posicionamento da 1ª Turma (e da ministra relatora do EResp 1.517.492, inclusive): de que a abrangência do que foi fixado no julgamento do EResp 1.517.492 se estende a todos os benefícios fiscais concedidos em relação ao ICMS, de sorte que nenhum desses benefícios pode compor a base de cálculo do IRPJ e da CSLL, sob pena de violação ao pacto federativo.

Gabriela Gonçalves Barbosa é advogada na Advocacia Dias de Souza.

Lorenzo Henrique de Luca Mainardes é assistente jurídico na Advocacia Dias de Souza e acadêmico em Direito.

Consultor Júridico

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