Barbosa Garcia: Contribuição assistencial e liberdade sindical

As contribuições sindicais em sentido amplo abrangem a contribuição sindical prevista em lei (artigos 578 a 610 da CLT), a contribuição confederativa (artigo 8º, inciso IV, da Constituição Federal de 1988), a contribuição assistencial (artigo 513, e, da CLT) e a mensalidade sindical (artigo 548, b, da CLT).

Propõe-se aqui analisar, de forma específica, o alcance da exigência da contribuição assistencial.

Com a Lei 13.467/2017, a contribuição sindical prevista nos arts. 578 a 610 da CLT passou a ser facultativa, em harmonia com o princípio da liberdade sindical. Frise-se que o STF (Supremo Tribunal Federal) julgou improcedentes os pedidos formulados nas ações diretas de inconstitucionalidade que questionavam o fim da obrigatoriedade da contribuição sindical e procedente o pedido formulado na ação declaratória de constitucionalidade (STF, Pleno, ADI 5.794/DF, Red. p/ ac. Luiz Fux, j. 29.06.2018, DJe 23.04.2019).

Entende-se que é necessária a autorização prévia e expressa do sujeito passivo da cobrança da contribuição sindical, ou seja, do próprio trabalhador ou empregador, individualmente, não sendo suficiente a aprovação em assembleia geral do sindicato (STF, Rcl-MC 35.540/RJ, Rel. Min. Roberto Barroso, DJe 28.06.2019. STF, Rcl-MC 34.889/RS, Rel. Min. Cármen Lúcia, DJe 29.05.2019).

O artigo 7º da Lei 11.648/2008 prevê que os arts. 578 a 610 da CLT vigorarão até que a lei venha a disciplinar a contribuição negocial, vinculada ao exercício efetivo da negociação coletiva e à aprovação em assembleia geral da categoria. Essa contribuição negocial, entretanto, ainda não foi instituída.

Ao versar sobre a contribuição confederativa, o artigo 8º, inciso IV, da Constituição dispõe que a assembleia geral fixará a contribuição que, em se tratando de categoria profissional, será descontada em folha, para custeio do sistema confederativo da representação sindical respectiva, independentemente da contribuição prevista em lei.

Com fundamento no princípio da liberdade sindical, firmou-se o entendimento de que a contribuição confederativa só pode ser exigida dos filiados ao sindicato[1].

A contribuição assistencial, por sua vez, tem como objetivo custear as atividades assistenciais do sindicato e os custos de sua participação na negociação coletiva de trabalho[2].

O artigo 513, e, da CLT estabelece, como prerrogativa dos sindicatos, “impor contribuições a todos aqueles que participam das categorias econômicas ou profissionais ou das profissões liberais representadas”. No entanto, essa disposição deve ser interpretada em consonância com o artigo 8º, inciso V, da Constituição, no sentido de que é livre a associação profissional ou sindical, observado que ninguém será obrigado a filiar-se ou a manter-se filiado a sindicato. Trata-se de preceito que remonta ao direito fundamental de associação (artigo 5º, incisos XVII e XX, da Constituição)[3].

A natureza jurídica da contribuição assistencial é de Direito Privado. Assim, da mesma forma como a contribuição confederativa, entende-se que a contribuição assistencial apenas pode ser exigida dos associados ao sindicato[4].

Logo, a exigência da contribuição assistencial daqueles que não são filiados ao sindicato viola os princípios da liberdade de associação e filiação sindical (artigo 8º, caput, e inciso V, da Constituição da República)[5], notadamente no âmbito da unicidade sindical, adotada pelo artigo 8º, inciso II, da Constituição, que veda a criação de mais de uma organização sindical, em qualquer grau, representativa de categoria profissional ou econômica, na mesma base territorial, a ser definida pelos trabalhadores ou empregadores interessados, não podendo ser inferior à área de um município[6].

Nesse sentido, a respeito da contribuição assistencial, o Supremo fixou a seguinte tese de repercussão geral (Tema 935): “É inconstitucional a instituição, por acordo, convenção coletiva ou sentença normativa, de contribuições que se imponham compulsoriamente a empregados da categoria não sindicalizados” (STF, Pleno, RG-ARE 1.018.459/PR, Rel. Min. Gilmar Mendes, j. 23.02.2017, DJe 10.03.2017)[7].

Entretanto, no âmbito do julgamento de embargos de declaração: “Após o voto-vista do ministro Roberto Barroso e do voto da ministra Cármen Lúcia, que acompanhavam o voto ora reajustado do ministro Gilmar Mendes (relator) no sentido de acolher o recurso com efeitos infringentes, para admitir a cobrança da contribuição assistencial prevista no artigo 513 da Consolidação das Leis do Trabalho, inclusive aos não filiados ao sistema sindical, assegurando ao trabalhador o direito de oposição, e fixar a seguinte tese (tema 935 da repercussão geral): ‘É constitucional a instituição, por acordo ou convenção coletivos, de contribuições assistenciais a serem impostas a todos os empregados da categoria, ainda que não sindicalizados, desde que assegurado o direito de oposição’, pediu vista dos autos o ministro Alexandre de Moraes. Nesta assentada os ministros Edson Fachin e Dias Toffoli reajustaram seus votos para acompanhar o voto reajustado do relator. Não votou o ministro André Mendonça, sucessor do Ministro Marco Aurélio, que votara em assentada anterior” (STF, Pleno, sessão virtual de 14.4.2023 a 24.4.2023).

Reprodução

Argumenta-se que essa necessidade de modificação de entendimento decorre das atuais disposições normativas sobre a matéria, considerando as alterações da Lei 13.467/2017, ao eliminar a obrigatoriedade da contribuição sindical prevista no artigo 578 da CLT, bem como da jurisprudência do STF que se formou, no sentido de reconhecer maior poder negocial aos sindicatos e prestigiar a negociação coletiva[8], devendo-se readequar o sistema de financiamento dos sindicatos[9].

A mudança indicada é passível de crítica, pois o retorno do critério do direito de oposição, para fins de exigência da contribuição assistencial do não filiado ao sindicado, resulta no retrocesso de cerca de 25 anos, em termos de evolução da proteção da liberdade sindical. Efetivamente, o antigo Precedente Normativo 74 do TST (Tribunal Superior do Trabalho), cancelado pela Seção de Dissídios Coletivos em 02 de junho de 1998 (Resolução 81/1998, DJ 20.08.1998), assim previa: “Desconto assistencial. Subordina-se o desconto assistencial sindical à não oposição do trabalhador, manifestada perante a empresa até dez dias antes do primeiro pagamento reajustado”.

Além disso, cabe salientar que o artigo 611-B, inciso XXVI, da CLT, incluído pela Lei 13.467/2017, determina que constitui objeto ilícito de convenção coletiva ou de acordo coletivo de trabalho a supressão ou a redução do direito de liberdade de associação profissional ou sindical do trabalhador, inclusive o direito de não sofrer, sem sua expressa e prévia anuência, qualquer cobrança ou desconto salarial estabelecidos em convenção coletiva ou acordo coletivo de trabalho.

Como se pode notar, o referido dispositivo legal, com fundamento no princípio da liberdade sindical, exige a expressa e prévia concordância do trabalhador para fins de cobrança ou desconto estabelecidos em convenção coletiva ou acordo coletivo, o que deveria ser aplicado à contribuição assistencial, pois esta é estabelecida justamente por meio da negociação coletiva de trabalho.

É certo que cabe ao sindicato a defesa dos direitos e interesses coletivos ou individuais da categoria (artigo 8º, inciso III, da Constituição). Ainda assim, o sistema jurídico em vigor não autoriza a imposição de contribuição assistencial a todos os integrantes da categoria, inclusive dos que não sejam filiados ao sindicato, não sendo suficiente, em termos constitucionais, a previsão do direito de oposição, cujo exercício pode encontrar dificuldades práticas, conforme o procedimento a ser exigido.

Conclui-se que o direito de oposição, para fins de exigência da contribuição assistencial, não é critério estabelecido pelo ordenamento jurídico para se assegurar, de forma constitucionalmente adequada, a liberdade sindical, não cabendo à jurisprudência inovar em termos legislativos (artigo 5º, inciso II, da Constituição).

Da mesma forma, não seria válida eventual norma administrativa ou mesmo decorrente de medida provisória que, sem os requisitos constitucionais (artigo 62 da Constituição), contrariasse o direito fundamental de liberdade de associação e filiação sindical.

Gustavo Filipe Barbosa Garcia é livre-docente pela Faculdade de Direito da USP (Universidade de São Paulo). Doutor em Direito pela Faculdade de Direito da USP. Pós-Doutorado em Direito pela Universidade de Sevilla. Especialista em Direito pela Universidade de Sevilla. Membro Pesquisador do IBDSCJ. Membro da Academia Brasileira de Direito do Trabalho, titular da cadeira 27. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual. Professor universitário. Advogado.

Consultor Júridico

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