Nas últimas semanas uma das principais pautas dos noticiários é a aprovação da reforma tributária. Tanto dela já se falou que o acompanhamento de seus capítulos tem cada vez integrado o cotidiano da população, transcendendo os foros do Congresso Nacional, e os pleitos do Poder Executivo (União, estados e municípios) e da miríade de entidades ligadas a segmentos empresariais. E de fato não poderia ser diferente, haja vista tratar-se de tema que se bem estruturado e implementado legislativamente tem tudo para representar uma guinada em prol do crescimento do país.
Contudo, o futuro não altera o passado e nem afeta o presente. Não se pode esquecer que mesmo após a aprovação da reforma ainda haverá um longo caminho para seus efeitos tornarem-se plenos. A fase de transição do velho sistema tributário brasileiro aplicável ao consumo para o novo perdurará por anos e se dará de forma gradativa.
Diante desta constatação, os contribuintes infelizmente ainda terão de conviver por muito tempo com as mazelas oriundas dos vícios e ilegalidades que já se encontram em debate nos contenciosos administrativo e judicial de todas as esferas.
Portanto, o “velho” não desaparecerá do dia para a noite, pelo contrário, ele conviverá com o “novo” por décadas. Em uma visão pragmática, a impressão que fica é que antes da melhora a tendência é de piora, pois, um cenário híbrido de caráter transitório certamente acarretará inúmeras adaptações no compliance fiscal das empresas e gerará custos de implantação e capacitação técnica de seus departamentos fiscais e contábeis para atuarem em duas frentes que não se conversam.
A manutenção dos contenciosos tributários existentes e o advento de novos que certamente surgirão seja por falhas no processo legislativo, seja por seu desvirtuamento quando da aplicação da nova ordem pelo Executivo será uma realidade a ser enfrentada.
Prova disso é que mesmo no apagar das luzes do moribundo e anacrônico arcabouço tributário atual novos questionamentos têm sido apresentados pelos contribuintes para avaliação do Poder Judiciário, como por exemplo as vedações trazidas ao creditamento do PIS/Cofins sobre parcelas do ICMS e do IPI não recuperável que integram o valor das compras realizadas, sendo a primeira um desdobramento de decisão proferida pela STF há mais de dois anos que beneficiou o meio empresarial.
O que dizer então do conceito de insumo para estas contribuições que apesar de possuir um julgamento proferido pelo STJ em sede de recurso repetitivo há cerca de cinco anos, continua a gerar inúmeras autuações, bem como manifestações e decisões destoantes entre si.
Afora estes exemplos existem vários outros contenciosos relacionados às contribuições incidentes sobre a receita bruta que ainda carecem de guarida jurisdicional definitiva e se amontam nos tribunais.
Já no âmbito do ICMS, temas decenários como a definição de material intermediário e sua possibilidade de creditamento para apuração do imposto estadual ainda não se encontram definitivamente dirimidos pelos tribunais superiores, gerando enorme insegurança jurídica e custos de transação para as pessoas jurídicas.
O que dizer então das contendas relacionadas as peculiaridades de 27 regulamentos de ICMS, normas de substituição tributária, Difal não contribuinte, que constantemente criam litígios e dívidas multimilionárias em um simples estalar de dedos.
A tão desejada simplificação e racionalização da tributação sobre o consumo, que objetiva arrefecer as contendas entre fiscos e contribuintes, reduzir o tempo e os custos para apuração de tributos e desejavelmente aumentar a competitividade do produto brasileiro deve sem dúvida ser almejada e comemorada, principalmente se sua aprovação for pautada em dispositivos claros e objetivos e não facultativos, evitando brechas que possam gerar deturpações por normas infraconstitucionais.
Por outro lado, jamais se poderá deixar de ter olhar para o atual universo tributário brasileiro e todas as suas problemáticas enquanto este vigor do ponto de vista legislativo ou judicial, devendo o meio empresarial ter como mantra a constante necessidade de focar suas atenções tanto para administrar o “velho” enquanto se adapta ao “novo”, mas principalmente para não arrefecer a luta contra ilegalidades pretéritas, ainda que eliminadas ou minimizadas em seus efeitos futuros pela reforma tributária em vias de aprovação.
O “novo” apesar de instigante, desejado e que figurará como o dia a dia das empresas não pode turvar a visão e muito menos fustigar ou arrefecer o ímpeto para a defesa dos direitos que tenham sido maculados pelo “velho”. A prática dessa recomendação certamente poderá render gratificantes recuperações ou desonerações tributárias para aqueles que perseverarem neste caminho, sem prejuízo do mesmo tipo de postura para litígios que surgirão no contexto do sistema de tributação do consumo a ser inaugurado.