Barroso planeja mudanças nos julgamentos e na comunicação do STF

O ministro Luís Roberto Barroso, que completa um mês na Presidência do Supremo Tribunal Federal neste sábado (28/10), planeja um pacote de mudanças que podem afetar o formato dos julgamentos da corte e sua interlocução com a sociedade. Algumas dessas alterações já estão em andamento, enquanto outras são discutidas internamente.

Gestão de Barroso no Supreom

completa um mês neste sábado (28/10)

Uma das propostas mais relevantes é a mudança do regimento interno do tribunal para devolver às turmas a competência originária para julgar ações penais contra réus com prerrogativa de foro. O objetivo é desafogar o Plenário, retomando o modelo que era adotado pelo tribunal até 2020. 

Barroso também discute a possibilidade de o Plenário passar a construir decisões que condensem em um voto majoritário o posicionamento do tribunal. O objetivo é buscar maior coesão nas decisões, além de fazer as deliberações refletirem mais a opinião da corte como um todo do que somente o voto vencedor.

Com isso, em vez de proferir votos individuais, que seguem o relator ou dele divergem, os ministros buscariam construir um posicionamento mais unitário, a exemplo do que ocorreu no julgamento que derrubou a tese do marco temporal e no que validou o juiz das garantias.

No caso do marco temporal, julgado ainda na gestão da ministra Rosa Weber (hoje aposentada), os ministros discutiram o tema mais abertamente e foram formulando a tese a partir de levantamentos feitos por todos os integrantes do Supremo. Ao fim, diversos pontos foram incluídos no posicionamento inicial do relator, ministro Edson Fachin.

Nesse mesmo julgamento, os magistrados chegaram a deliberar se a tese deveria ser mais sintética ou mais analítica. Com maioria formada pela tese analítica, o tribunal foi construindo conjuntamente a redação do entendimento.

Para além dessas duas medidas, que até o momento estão em fase de discussão, Barroso já implementou duas mudanças. Uma delas diz respeito à ampliação da comunicação do Supremo. Para isso, o STF lançou um novo serviço, batizado de “Informação à sociedade”. 

A página, que está no site da corte, faz um resumo didático dos julgamentos presenciais e virtuais do Plenário. Em entrevista dada a jornalistas no dia 29 de setembro, Barroso disse que a iniciativa busca facilitar a compreensão de algumas decisões do Supremo.

Segundo ele, decisões recentes foram noticiadas pela imprensa ou entendidas pela população de forma equivocada ou incompleta, em parte porque o tribunal precisa se esforçar mais para explicar as próprias decisões em uma linguagem menos jurídica e mais “de gente”, conforme brincou o ministro. 

Os resumos trazem informações como os resultados das votações, fatos que envolvem a controvérsia analisada, os fundamentos da decisão e as teses fixadas em casos com repercussão geral (clique aqui para acessar o serviço).

Outra iniciativa de Barroso que já está em implementação é a introdução de um novo formato para manifestações das partes. Nele, os advogados fazem as sustentações orais em uma data específica e a votação ocorre em um dia posterior. A ideia é permitir que os ministros tenham mais tempo para considerar os argumentos levantados pelos advogados. 

“Essa organização do julgamento permite que os diferentes argumentos e pontos de vista que serão apresentados oralmente possam ser considerados de forma mais aprofundada pelos ministros em seus votos e se possa ampliar o debate sobre o tema na sociedade antes da tomada de decisão pela corte”, disse Barroso ao justificar a mudança.

O modelo foi aplicado pela primeira vez no último dia 18, no julgamento que discute se é constitucional o regime de separação obrigatória de bens no casamento de pessoas com mais de 70 anos (ARE 1.309.642). O mesmo correrá na ADO 20, que vai determinar se o Congresso foi omisso ao não regulamentar a licença-paternidade.

Para Rafael Nóbrega, sócio da área de Direito Empresarial do escritório Marcos Inácio Advogados, a nova sistemática garante, de forma concreta, maior “senso de contraditório e ampla defesa”, uma vez que pode assegurar que as defesas sejam de fato ouvidas e que os argumentos lançados sejam considerados nos votos. 

“Antes dessa nova medida, os ministros participavam do julgamento com os seus votos prontos. Na prática, isso significa dizer que, ao mudar a sistemática, os ministros poderão formar sua convicção após a efetiva participação dos advogados no convencimento.”

Duplo grau de jurisdição

Especialistas consultados pela revista eletrônica Consultor Jurídico disseram que a possível volta das ações penais para as turmas é benéfica e pode desafogar o Plenário. Quando essa competência passou a ser do colegiado que reúne todos os ministros da corte, em 2020, a medida foi criticada por advogados. 

Segundo ministros do Supremo, passados três anos, a experiência se mostrou contraproducente e os julgamentos das ações penais acabou tomando muito tempo do colegiado. Um dos exemplos citados é o da Ação Penal 1.025, movida contra o ex-presidente Fernando Collor, que tomou sete sessões. 

Para o advogado Alberto Zacharias Toron, além de possivelmente desafogar o Plenário, a medida possibilitará “uma espécie de duplo grau de jurisdição no Supremo”, já que, vencidos nas turmas, os réus poderão apelar ao Plenário. 

“Acho excelente a ideia de as ações penais voltarem a ser julgadas pelas turmas. Além de desafogar o Plenário, reabre a possibilidade de se discutir o apelo para o Plenário de modo a se instituir uma espécie de duplo grau de jurisdição.”

Pierpaolo Cruz Bottini pensa o mesmo. “O retorno das ações penais para as turmas parece medida adequada e racional. Para além de conferir presteza à jurisdição, garante o Pleno como instância revisora em determinadas situações”, afirmou o advogado. 

Modelo per curiam

Segundo André Rufino do Vale, professor de Direito Constitucional e coordenador do Observatório Constitucional do IDP, caso vingue a ideia de o Supremo dar decisões mais coesas, que reflitam o ponto de vista majoritário do tribunal de forma consolidada em um único voto, o Brasil vai se aproximar do chamado “modelo per curiam” de julgamento. 

Nesse modelo, há apenas um pronunciamento, que representa a posição institucional da corte. Ele é adotado em países como França e Itália. Esse modo de julgamento é diferente do que está em voga hoje, que é o chamado “modelo seriatim“, em que a decisão é divulgada por meio do compilado de votos e em que não há necessariamente a produção de um texto único pela corte.

“Considero importante toda medida que vise à integridade das decisões da corte, dotando-as de uma argumentação internamente consistente. Um único texto, construído pelo colegiado, torna possível uma maior unidade institucional do tribunal. Esse tipo de medida aproxima o modelo de deliberação do STF dos modelos de decisão per curiam praticado em tribunais de outros países”, disse Rufino. O advogado escreveu em 2019 o livro Argumentação Constitucional (Editora Almedina), que trata do tema. 

De acordo com ele, o modelo atual tem a desvantagem de produzir textos compostos por todos os votos e manifestações deliberativas, com suas próprias linhas argumentativas, o que pode criar “sérios obstáculos para a justificação íntegra das decisões”, na medida em que impossibilita a formação de uma fundamentação unitária.

Segundo Rufino, é possível contornar esse problema adotando alguns aspectos do modelo per curiam, ainda que não em sua totalidade. Isso pode ser feito, explica ele, por meio de um texto introdutório unitário que sintetize, simplifique e condense adequadamente os fundamentos determinantes da posição do colegiado.

Consultor Júridico

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