Os estudos ambientais propõem-se à proteção do meio ambiente, buscando, com isso, o cumprimento do direito coletivo pelo equilíbrio ambiental às presentes e futuras gerações. Da mesma forma, têm potencial de manter a segurança jurídica aos empreendedores, suas atividades econômicas e à sociedade.
Nesse contexto, o licenciamento ambiental é um dos instrumentos da Política Nacional de Meio Ambiente (Lei Federal nº 6.938/1981), de modo que a construção, instalação, ampliação e funcionamento de estabelecimentos e atividades utilizadores de recursos ambientais, efetiva ou potencialmente poluidores ou capazes, sob qualquer forma, de causar degradação ambiental dependerão de prévio licenciamento ambiental (artigo 9º, inciso IV e artigo 10), seja pelo órgão ambiental federal (artigo 7º, da Lei Complementar Federal nº 140/2011), seja pelos estados ou mmunicípios.
Além de fixar a competência comum entre os entes federativos (União, estado, Distrito Federal e municípios) para o licenciamento ambiental, a Lei Complementar Federal nº 140/2011 ainda garantiu a participação de outras instituições interessadas nos processos de licenciamento, respeitados os prazos e procedimentos do licenciamento ambiental (artigo 13, §1º).
No caso de licenciamento ambiental que trate de empreendimento ou atividade que possa afetar os interesses dos povos indígenas, será a Funai (Fundação Nacional dos Povos Indígenas) o órgão diretamente interessado com atribuição para atuar no bojo dos processos administrativos (Portaria nº 666/PRES, de 17 de Julho de 2017). Isso porque, cabe à fundação proteger e promover os direitos das comunidades indígenas no Brasil, garantindo políticas voltadas ao desenvolvimento sustentável dessas populações.
A respeito do interesse dos povos indígenas no bojo dos licenciamentos ambientais, poderão ser resguardados pelos estudos socioambientais desenvolvidos administrativamente, quais sejam, os Estudos de Componente Indígena (ECI) — que integram os Estudos de Impacto Ambiental e Relatório de Impacto Ambiental (EIA/Rima). Note-se, o ECI é a análise das características étnicas, sociopolíticas, culturais e tradicionais da comunidade indígena, para eventual identificação da ocorrência de impactos decorrentes de empreendimento ou atividade e, se for o caso, a extensão dos impactos para a indicação de eventuais medidas de mitigação e compensação.
Conforme se extrai do Termo de Referência para a elaboração do EIA/Rima de Belo Monte, aplicado a título exemplificativo, o ECI deve demonstrar a viabilidade da obra no aspecto do componente indígena, de forma a subsidiar a manifestação da Funai ao órgão licenciador. É de se indicar que os estudos referidos, no caso de constatado impacto a comunidades indígenas, devem apresentar ações de mitigação e compensação adequadas.
Tais estudos devem conter abordagem interdisciplinar e envolver metodologias na área da “antropologia, sociologia, história, economia, geografia (…) biologia, engenharia florestal, engenharia civil, agronomia, geologia e ecologia”. Assim, “os estudos devem ser compostos por pesquisa de campo, bibliográfica, documental e cartográfica”, sendo necessário garantir a participação da comunidade indígena nas diferentes fases do estudo — por meio da consulta livre, prévia e informada (Convenção 169, da OIT).
Significa dizer que, durante a elaboração do ECI — custeado pelo empreendedor titular do licenciamento ambiental pretendido — as comunidades indígenas que poderão ser afetadas devem recebem todas as informações acerca da atividade que será desenvolvida. Referidas diligências podem demandar a aplicação de Protocolo de Consulta, bem como a participação do Ministério Público Federal e da própria Funai, de forma a garantir e registrar a participação das comunidades interessadas.
A partir das informações técnico-científicas apresentadas no ECI, a Funai manifestará se entende pela viabilidade ou inviabilidade do empreendimento. Caso entenda viável, relatará no parecer as ações que devem ser adotadas para afastar impactos negativos e “otimizar os impactos positivos identificados no EIA”. Ou seja, mais que identificar a viabilidade da atividade em face dos interesses indígenas, o ECI também exerce papel na definição de parâmetros técnicos que devem ser observados pelo empreendedor quando da compensação e mitigação.
Nesse sentido, considerando a necessidade de abarcar os interesses indígenas nos processos de licenciamento ambiental, por força constitucional e legal, bem como de estabelecer o alcance das medidas compensatórias e mitigatórias, o ECI também desempenha papel importante na garantia da segurança jurídica para os empreendedores.
José Afonso da Silva descreve a segurança jurídica como o “conjunto de condições que tornam possível às pessoas o conhecimento antecipado e reflexivo das consequências diretas de seus atos e de seus fatos à luz da liberdade reconhecida. Uma importante condição da segurança jurídica está na relativa certeza que os indivíduos têm de que as relações realizadas sob o império de uma norma devem perdurar ainda quando tal norma seja substituída” (SILVA, J., 2006, p. 133).
A estabilidade das relações jurídicas como condição objetiva da segurança jurídica encontra razão de ser aos empreendedores que, diante de normas objetivas, podem assegurar os parâmetros para a operação do empreendimento sob o licenciamento. Significa, então, dizer: o componente indígena no EIA/Rima mapeia a extensão dos impactos para a indicação de eventuais medidas de mitigação e compensação.
O mapeamento citado pode — e recomenda-se que seja — basear as ações societárias do empreendimento. Isso porque, o ECI permite o levantamento dos custos envolvidos no processo de licenciamento — sobretudo no que diz respeito a compensações e medidas de mitigação — o que contribui no ajuste de expectativas de proveito econômico com a realidade do empreendimento.
No mesmo sentido, referido estudo viabiliza o entendimento multidisciplinar acerca das potencialidades e limitações das atividades que se pretende executar — o que possibilita uma abordagem dinâmica e estratégica na definição de ações para a fase de instalação e operação do empreendimento. Isso, note-se, estando resguardada a garantia das boas práticas socioambientais que contribuem no posicionamento da empresa no mercado e em face dos órgãos ambientais e Instituições de Justiça.
Diante desse cenário, o ECI se consolida no atual cenário jurídico-ambiental como instrumento técnico — para orientação do Estado e dos empreendedores em face das demandas de atividades — e também como um instrumento jurídico-político. Significa dizer que seus impactos se prolongam para além da emissão da licença ambiental, contribuindo no tom das ações executadas pelo empreendimento — nos limites da tecnicidade e da boa-fé em face dos princípios ambientais, dos Direitos Humanos e da legalidade e legitimidade confirmadas pelo integral atendimento das regras, requisitos e fases dos processos de licenciamento.
Millena Correia Bastos é advogada de Direito Ambiental e Minerário, pós-graduada em Direito Minerário pelo Centro de Estudos em Direito e Negócio (Cedin), coautora do livro Dimensões jurídicas das políticas públicas – Vol. 1 e autora de artigos publicados nos livros Energia e Meio Ambiente Tomo II, Synergia Editora, 2021 e Direito Minerário em Foco – Tomo II, Synergia Editora, 2021.
Pedro Henrique Moreira é advogado de Direito Ambiental, professor de Direito Ambiental e Indigenista, doutorando em Administração pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC-Minas), mestre em Direito Ambiental e Desenvolvimento Sustentável pela Escola Superior Dom Helder Câmara (ESDHC) e pós-graduado em Direito Constitucional.