Bilionário Peter Thiel alerta sobre anticristo em palestra – 11/10/2025 – Tec

O bilionário da tecnologia Peter Thiel disse recentemente que a ativista sueca Greta Thunberg e críticos da tecnologia ou da inteligência artificial seriam “legionários do anticristo”, em palestras privadas sobre cristianismo que relacionaram a regulação do Vale do Silício a um futuro apocalíptico, segundo gravações obtidas pelo Washington Post.

Nas quatro palestras —cada uma com cerca de duas horas— realizadas entre o mês passado e a última segunda-feira (6) no Commonwealth Club, em San Francisco, Thiel expôs suas visões religiosas a uma plateia com ingressos esgotados, orientada a manter o conteúdo “fora dos registros oficiais”, de acordo com o anúncio do evento.

Ele argumentou que aqueles que propõem limites ao desenvolvimento tecnológico não apenas prejudicam os negócios, mas também ameaçam provocar a destruição dos Estados Unidos e inaugurar uma era de governo totalitário global, segundo as gravações.

“Nos séculos 17 e 18, o anticristo seria um dr. Strangelove, um cientista fazendo todo tipo de ciência maluca e maléfica”, disse Thiel em sua palestra de 15 de setembro. “No século 21, o anticristo é um ludita que quer interromper a ciência. É alguém como Greta ou Eliezer”, afirmou, referindo-se à ativista Greta Thunberg e a Eliezer Yudkowsky, um dos críticos mais conhecidos da forma como a indústria lida com a IA.

Thunberg critica o capitalismo global por impulsionar a degradação ambiental, enquanto Yudkowsky defende restrições à pesquisa em IA para evitar que a tecnologia ultrapasse a inteligência humana. Thiel já financiou o trabalho de Yudkowsky, mas disse, em sua palestra de 15 de setembro, que agora se envergonha da associação e que o pesquisador e outros críticos se tornaram “desequilibrados”, segundo as gravações.

As palestras de Thiel ocorrem em um momento de ascensão do nacionalismo cristão nos Estados Unidos. Cristãos interpretam o anticristo de formas variadas, mas a figura é tradicionalmente vista como um opositor de Deus que surge no fim dos tempos.

O Post enviou a Thiel, por meio de um porta-voz, uma lista detalhada de perguntas sobre suas declarações, mas ele recusou-se a comentar. Yudkowsky afirmou, em nota, que “autoridades de múltiplas denominações cristãs disseram que as ideias de Thiel —que associam o anticristo a propostas de regulação da indústria de IA— não são compatíveis com a doutrina cristã convencional”.

Porta-vozes de Thunberg não responderam a pedidos de comentário.

O Post analisou gravações das quatro palestras, intituladas “O Anticristo: uma série em quatro partes”. Uma revisão de parte do áudio feita por Hany Farid, especialista em análise forense digital e professor da Universidade da Califórnia em Berkeley, indicou que as gravações provavelmente são autênticas e não foram manipuladas por IA. A Reuters já havia publicado alguns trechos anteriormente.

Thiel, investidor inicial do Facebook e cofundador da empresa de análise de dados Palantir, há muito defende visões libertárias, argumentando que a política, a burocracia e as regulações provocaram estagnação econômica nos EUA e na Europa. Mas suas palestras recentes parecem levar essa ideologia a um novo patamar, reinterpretando-a em escala quase religiosa.

As gravações revelam como o bilionário passou a enquadrar críticos e reguladores da tecnologia em uma visão de mundo de “bem contra o mal”, na qual o futuro da criação dependeria de conceder liberdade total aos inovadores.

Desde a posse do presidente Donald Trump, líderes do Vale do Silício têm intensificado a resistência contra regulações de IA. Thiel mantém laços estreitos com integrantes do governo, incluindo o vice-presidente J.D. Vance, o assessor científico da Casa Branca Michael Kratsios e o “czar” de IA e criptomoedas David Sacks.

Como uma das figuras mais influentes da indústria, seu esforço para retratar a resistência à tecnologia como uma batalha religiosa pode fortalecer a cruzada do setor.

Em sua terceira palestra, em 29 de setembro, Thiel afirmou que apenas uma argumentação de cunho religioso poderia inspirar a resposta adequada à ameaça de um sistema global de regras, de acordo com as gravações.



Há muitas razões racionais para dizer que um Estado mundial é uma má ideia: transformaria o planeta em uma prisão, e as taxas de imposto seriam altíssimas. Mas se você tirar o contexto bíblico, isso nunca parecerá assustador o suficiente. Você nunca resistirá de verdade

As palestras também chamaram atenção pelo tom explicitamente religioso em um setor historicamente secular. O cristianismo vem ganhando espaço em círculos influentes da tecnologia, em parte graças à ACTS 17 Collective, uma organização sem fins lucrativos dedicada a difundir princípios cristãos na indústria e responsável pela realização das palestras de Thiel.

Os ingressos exigiam a presença nas quatro sessões e o compromisso com a política de sigilo, segundo o anúncio. Em sua terceira palestra, Thiel sugeriu que a restrição era também uma tática de marketing.

“É um bom truque se você quer que todo mundo ouça algo, basta não deixar ninguém entrar na sala”, disse, rindo. “Não estou me gabando, mas também não sou totalmente incompetente.”

Ao longo de quase oito horas, Thiel apresentou suas teorias sobre o papel da tecnologia na sociedade e no mundo, citando desde a Bíblia e textos teológicos e filosóficos até animes japoneses. Reconheceu que a tecnologia pode ter efeitos negativos, mas afirmou que limitá-la seria ainda pior.

“Talvez essas coisas sejam boas ou ruins, mas detê-las é muito, muito pior”, disse. “Se a internet ou a IA enlouquecem algumas pessoas, mas precisamos desligá-las por completo, isso seria sair da frigideira para cair no fogo —uma cura pior que a doença.”

Embora alguns estados imponham restrições ao desenvolvimento de IA —como exigências de testes de segurança na Califórnia e proibições de discriminação no Texas—, nenhuma lei federal foi aprovada até agora.

Thiel afirmou que críticas à tecnologia e pedidos por regulamentação, como os feitos por Thunberg, ecoam interpretações bíblicas segundo as quais o anticristo conquistaria poder oferecendo ao mundo “paz e segurança” diante da destruição apocalíptica.

Ele também acusou o filósofo sueco Nick Bostrom, conhecido por popularizar a ideia de que a humanidade criará uma “superinteligência” potencialmente perigosa, de defender restrições que atrasariam o progresso. Em resposta, Bostrom disse que suas ideias são “complexas” e evoluíram para enfatizar o potencial positivo da IA.

“Talvez ele precise de uma nova agência de elenco para sua demonologia”, ironizou Bostrom.

Com fortuna estimada em US$ 27 bilhões, segundo o Bloomberg Billionaires Index, Thiel também usou as palestras para criticar regulações financeiras, que, segundo ele, seriam sinais do surgimento de um governo mundial único e suscetível de ser dominado por uma “figura anticrística” capaz de controlar as pessoas.

“Está cada vez mais difícil esconder o próprio dinheiro”, disse. “Criou-se uma máquina incrível de tratados fiscais, vigilância financeira e sanções.”

A riqueza, segundo Thiel, dá a “ilusão de poder e autonomia”, mas “a qualquer momento pode ser retirada”.

Embora não tenha feito doações a políticos republicanos em 2024, Thiel faz parte de uma rede de elites da tecnologia que ajudou a eleger J.D. Vance como vice-presidente. Ele também contribuiu com US$ 850 mil para o comitê de arrecadação do presidente da Câmara, Mike Johnson (republicano da Louisiana).

Nas palestras e nas sessões de perguntas e respostas, Thiel discutiu se figuras como Donald Trump, Xi Jinping, Joe Biden e Bill Gates poderiam ser “anticrísticas”. Segundo as gravações, ele descartou Biden e Xi por falta de carisma, chamou Gates de “pessoa muito, muito terrível”, mas disse que ele “não seria remotamente capaz de ser o anticristo”.

“Se você quiser, de forma racional e fundamentada, argumentar que Trump é o anticristo, eu ouvirei”, afirmou Thiel. “Mas se não estiver disposto a fazer esse argumento, talvez precise considerar a possibilidade de que ele seja, pelo menos, relativamente bom.”

Um porta-voz de Thiel disse ao Post que “Peter não acredita que Trump seja o anticristo” e que o comentário foi um desafio retórico aos críticos liberais do ex-presidente.

Thiel também fez comentários sobre outros bilionários da tecnologia. Criticou o investidor Marc Andreessen por “propaganda tecnoutópica sem sentido” em seu ensaio The Techno-Optimist Manifesto (2023), e elogiou Elon Musk, a quem chamou de um dos “homens mais inteligentes e reflexivos” que conhece.

Thiel contou ter incentivado Musk a romper com o Giving Pledge, movimento fundado por Gates que convida bilionários a doar a maior parte de sua fortuna para causas filantrópicas.

“Se você não tomar cuidado, US$ 200 bilhões vão parar em ONGs de esquerda escolhidas por Bill Gates”, disse Thiel, descrevendo o magnata como uma das “forças maléficas” que ameaçam os tecnólogos.

O cristianismo sempre fez parte da vida de Thiel, mas ele e outros líderes do Vale do Silício vêm se mostrando mais abertamente religiosos. O movimento ganhou força desde a reeleição de Trump e se entrelaçou com o rápido avanço da IA, vista por alguns como uma tecnologia quase divina.

A ACTS 17 (sigla em inglês para para Reconhecendo Cristo na Tecnologia e na Sociedade) foi fundada por Michelle Stephens, esposa de Trae Stephens, investidor da Founders Fund e cofundador da empresa de tecnologia militar Anduril.

Michelle disse ter tido a ideia para o grupo em 2023, durante a festa de 40 anos do marido, quando Thiel discursou sobre Cristo e milagres. Segundo ela, percebeu então que “evangelizar as elites” era tão importante quanto pregar aos pobres.

Ao apresentá-lo em sua primeira palestra, em 15 de setembro, Stephens descreveu Thiel como “um dos grandes capitalistas e também um dos grandes cristãos do nosso tempo”.

Do lado de fora, manifestantes protestaram vestidos de demônios ou carregando cartazes que chamavam Thiel de “anticristo”.

Garry Tan, presidente da aceleradora Y Combinator e integrante da ACTS 17, afirmou que a comparação feita por Thiel entre a regulação da IA e o anticristo foi “provocadora” e “um uso um tanto irônico do conceito”.

“Essas são formas úteis de pensar sobre como a tecnologia interage com a sociedade”, disse Tan, acrescentando que o excesso de regulação da energia nuclear agravou a crise climática. “E se fizermos o mesmo com a era da inteligência? O futuro não se repetirá, mas certamente rimará.”

Consultor Júridico

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