Britto Silva: Atuação de tabeliães de notas como árbitros

O projeto de Lei nº 4188/2021, conhecido como “Marco Legal das Garantias”, teve ontem sua tramitação final no Senado, momento em que a presidência da casa determinou a republicação do Parecer da Comissão Diretora sobre a redação final das emendas e mandou que fosse feita a devida comunicação à Câmara dos Deputados. O próximo passo será a sanção ou o veto do presidente da República.

Há, porém, emenda sobre a qual a comunidade jurídica e, especialmente, a comunidade arbitral, não se atentou com a devida profundidade. Trata-se da Emenda nº 37 do Senado.

Através dela, o inciso III do artigo 7º-A, a ser acrescido à lei nº 8.935/1994, disporá que aos tabeliães de notas também compete atuar como árbitro. Já o parágrafo §5º indica que o tabelião de notas, por si ou por um único escrevente nomeado para este fim, poderá realizar o procedimento arbitral, nos termos da Lei 9.307/1996 (Lei de Arbitragem).

Tal previsão, de plano, mostra-se impertinente e descabida, já que o artigo 13 da Lei de Arbitragem indica que pode ser árbitro qualquer pessoa capaz e que tenha a confiança das partes, ou seja, qualquer pessoa que seja, sendo capaz e tendo a confiança das partes pode atuar como árbitro.

E, obviamente, em tese, um tabelião, enquanto pessoa física, tendo a confiança das partes, poderá sempre atuar como árbitro.

Porém, a essência da norma transborda a intenção de gerar no seu destinatário, que é o povo, boa parte leigo juridicamente, e mais leigo ainda tratando do nicho arbitral, uma ideia de restrição da arbitragem aos tabeliães de notas ou, ao menos, possibilitar um privilegio desprovido de fundamento. A confiança das partes no tabelião de notas estaria violada fruto de inútil indução legal.

Como se não bastasse, a confiança das partes se dá em pessoa física, descabendo transferência dessa atuação para terceiros, como prevê a emenda. Essa transferência do exercício da função somente demonstra o objetivo de romper o princípio da autonomia da vontade das partes, base da arbitragem, e aproximar a arbitragem ao princípio do juiz natural, de modo que o determinada pessoa será escolhida árbitra por estar investida de determinada função pública.

Nunca se deve deixar esquecer que a natureza jurídica da arbitragem é a de jurisdição privada. Nesse sentido, não se mostra principiologicamente adequada a sua prática por delegados do poder público enquanto tais. Há uma incompatibilidade inerente, assim, do tabelião notário. Como dito, ele, tal como todos capazes e que tenham a confiança das partes, poderá atuar como pessoa física. Porém, essa atuação como titular de delegação do poder público e via remuneração por emolumentos, é medida abominável. A atividade arbitral não é serviço público e não cabe ao Estado estabelecer tabela de emolumentos.

Frise-se que, efeito adicional consequência dessa medida, será o Estado passar a responder objetivamente pelos danos causados por tabeliães que, no exercício de suas funções, passassem a atuar como árbitros. E, assim, sobre toda a sociedade recairia a indenização fruto da reparação dos danos.

A comunidade arbitral, mais uma vez, unida, preservará esse nobre instituto, infelizmente, em permanente e infundado ataque. O veto é medida única que se impõe.

Gabriel de Britto Silva é advogado participante da comissão de arbitragem da OAB/RJ e do Instituto Brasileiro de Direito Imobiliário (Ibradim) e coordenador do núcleo imobiliário da Cames.

Consultor Júridico

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