A Lei 14.871/2021, conhecida como Lei do Superendividamento, visa resguardar o mínimo existencial à pessoa natural diante da impossibilidade do consumidor de boa-fé em suportar todos os débitos existentes, conforme disposto no artigo 1º, que incluiu o Capítulo VI-A no Código de Defesa do Consumidor, que disciplina acerca da prevenção e do tratamento do superendividamento.
Desse modo, a nova legislação editou ferramentas na tentativa de propiciar a esses consumidores a renegociação das dívidas existentes, tais como débitos de consumo, contas de água e luz, empréstimos contratados em bancos e financeiras, crediários e parcelamentos em geral, ainda que não tenha ocorrido o vencimento.
Somado a isso, a norma almeja também a proteção das pessoas mais vulneráveis, como é o caso dos idosos e dos analfabetos.
A temática envolvendo a Lei do Superendividamento tornou-se mais aflorada com a decretação da pandemia do coronavírus (Covid-19), que gerou grande impacto negativo no setor financeiro global e, consequentemente, no mercado de trabalho, cenário este que não foi diferente no Brasil.
De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em decorrência do cenário pandêmico, o desemprego no país ultrapassou o patamar de 15 milhões de pessoas, sendo este o principal desencadeador do endividamento, não apenas de pessoas naturais, mas também de pessoas jurídicas, fator este que levou estas a inclusive encerrar as atividades.
Em decorrência disso, diante da situação imprevisível ocorrida, as pessoas e as sociedades empresárias se viram necessitadas de repactuarem as relações existentes, especialmente, as contratações bancárias de empréstimos e financiamentos.
Nesse sentido, resguardados pela Lei do Superendividamento, sancionada em julho de 2021, os consumidores obtiveram maior proteção junto às instituições financeiras, detentoras do conhecimento técnico, para requererem a revisão dos contratos perante o Poder Judiciário, almejando reequilibrar a relação existente.
Conforme se extrai da análise do Código Civil, parágrafo único do artigo 421, é possível a revisão contratual nas relações contratuais privadas. De igual forma, o Código Civil prevê no artigo 480 a possibilidade de uma das partes da relação requerer a redução ou a alteração da execução de um contrato evitando a onerosidade excessiva.
À vista disso, conclui-se que muito embora as relações no direito privado sejam regidas pelo princípio do pacta sunt servanda (acordos devem ser cumpridos), o ordenamento jurídico brasileiro outorga a prerrogativa às partes de revisar os termos anteriormente estabelecidos na tentativa de materializar outro princípio, qual seja, o do equilíbrio contratual, que efetiva a livre iniciativa e visa coibir o desequilíbrio da obrigação assumida.
Em consonância com o Código Civil encontra-se a Lei 14.871/2021 que, no que tange as relações bancárias, modificou o artigo 6º do Código de Defesa do Consumidor, incluindo a prevenção e o tratamento de situações de superendividamento como direito básico dos consumidores.
Ademais, importa também destacar que a referida legislação, ao incluir o Capítulo VI-A, regulamentou sobre a publicidade e a oferta de crédito e dispôs acerca de abusividades que podem vir a ocorrer no bojo das contratações dos serviços prestados pelas financeiras.
Posto isto, verifica-se que ao atender os requisitos legais, há a possibilidade de os consumidores proporem ação revisional contratual em face das instituições bancárias com base na Lei do Superendividamento, dada a possibilidade que esta trouxe quanto às normas mais rigorosas no que diz respeito à transparência das relações mantidas junto a estas.
Bruna Moro é advogada no Granito, Boneli e Andery Advogados Associados, bacharela em Direito pela PUC-Campinas e pós-graduanda em Direito Processual Civil pela PUC-Campinas.