O Ministério da Saúde passou a reter imposto de renda na fonte às alíquotas de 15% ou 25% sobre as remessas de recursos ao exterior para saldar compras públicas de medicamentos para o SUS feitas em licitações abertas a fornecedores estrangeiros. Tudo com base em suposta autorização legal prescrita no §1º do artigo 35 da Instrução Normativa RFB nº 1.234/12.
Ocorre que, em matéria tributária, Instrução Normativa da Receita Federal do Brasil não tem o condão de instituir tributo ou obrigação tributária, mas apenas e tão-somente regulamentar tributo ou obrigação tributária instituída em lei.
Portanto, a compreensão da norma regulamentadora prevista no §1º do artigo 35 da retro mencionada Instrução Normativa deve estar aliada ao seu respectivo fundamento legal.
Pois bem. Ao se percorrer todo o ordenamento jurídico-tributário, não se identifica qualquer lei federal que tenha instituído este tributo ou esta obrigação tributária em relação ao pagamento das importações de mercadorias. Não fosse o bastante, também não se identifica esta obrigação no Regulamento Aduaneiro ou mesmo no Regulamento do Imposto de Renda.
Portanto, não cabe outra conclusão senão compreender a regulamentação prevista no §1º do artigo 35 da IN/RFB nº 1.234/12 como aplicável exclusivamente às situações cabíveis e expressamente previstas em lei federal: remessa ao exterior de pagamento de serviços em geral.
Não por acaso o próprio caput do artigo 35 expressamente regulamenta que a forma de retenção prevista no artigo 3º não se aplica à pessoa jurídica domiciliada no exterior.
Isto porque aquela retenção prevista no artigo 3º da IN/RFB nº 1.234/12 encontra amparo legal no artigo 64 da Lei Federal nº 9.430/96, que trata da retenção de tributos federais sobre os pagamentos realizados por órgãos públicos a pessoas jurídicas domiciliadas no Brasil a título de antecipação dos tributos por elas devidos.
Ou seja: não se poderia aplicar esta retenção para as empresas domiciliadas no exterior, alheias a este regramento de antecipação previsto no artigo 64 da Lei Federal nº 9.430/96.
Contudo, apesar do ordenamento jurídico-tributário em lugar algum prever a obrigação de IRRF sobre a importação de mercadorias, não se pode ignorar que a legislação federal expressamente prevê a obrigação de IRRF sobre a remessa ao exterior em pagamento de serviços em geral, a exemplo do quanto determinado no artigo 3º da Medida Provisória nº 2.159-70/2001.
Portanto, se admite sim a retenção do IRRF sobre o pagamento de serviços em geral pela Administração Pública para empresas domiciliadas no exterior, visto que, para tal mister, há expressa previsão na legislação federal, e também no Regulamento do Imposto de Renda.
De outro giro, não se admite esta retenção sobre a importação de mercadorias, por total falta de previsão legal.
Por oportuno, cabe uma digressão didática: em matéria de comércio internacional, nenhuma jurisdição integrante da Organização Mundial do Comércio (OMC) da qual o Brasil faz parte, adota a retenção do imposto de renda sobre o pagamento das importações de mercadorias. O Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio, mais conhecido como GATT, em seu Artigo III, item 2, tratado internacional recepcionado pela legislação brasileira (CF, artigo 5º, § 2º, e CTN, artigo 98), veda expressamente a imposição de encargos na importação não aplicáveis a operações locais (e é certo que nenhum fornecedor local de mercadorias se submete a IRRF de 15% ou 25%).
Em verdade, os fornecedores locais de mercadorias para os órgãos da Administração Pública, ao sofrerem a retenção de IRRF, em geral de 1,2%, estão apenas antecipando o IRPJ que serão obrigados a pagar ao governo brasileiro e, se houver prejuízo, irão restituir este valor ou compensar com outro tributo federal.
Na hipótese meramente teórica dos fornecedores estrangeiros se submeterem a este mesmo IRRF, o tributo se tornaria definitivo, e não poderia ser recuperado no exterior (salvo acordos específicos firmados entre países para evitar a dupla tributação da renda), o que submeteria, portanto, os produtos estrangeiros a tratamento tributário mais oneroso que aquele suportado por produtos locais, o que representaria uma afronta ao GATT da OMC.
Eventual manutenção desta exigência indevida de IRRF na importação de mercadorias por órgãos públicos brasileiros sobre a importação de mercadorias, sobretudo produtos essenciais como medicamentos, poderá ser objeto de reclamação das jurisdições estrangeiras contra o Brasil na OMC ou, até mesmo, pode se tornar ainda mais grave: em eventual retaliação, as jurisdições estrangeiras começarem também a exigir o IRRF estrangeiro sobre pagamento de importações de produtos brasileiros.
Por fim, chama-se também a atenção de que, em transações com países signatários de acordos para evitar a dupla tributação da renda, o artigo 7º destes acordos veda expressamente qualquer tentativa do governo brasileiro de exigir IRRF sobre os lucros de empresas estrangeiras, no caso, os rendimentos advindos da exportação de mercadorias para o Brasil.
Não se pode admitir, portanto, que o Ministério da Saúde retenha IRRF às alíquotas de 15% ou 25% sobre as remessas de recursos ao exterior para saldar compras públicas de medicamentos abertas a fornecedores estrangeiros.
Bruno Henrique Coutinho de Aguiar é sócio do Rayes & Fagundes Advogados Associados.