Carvalho Mendonça: Momento do processo estrutural no Brasil

O processo estrutural tem vivido um momento de incessante produção acadêmica e jurisprudencial no Brasil com a publicação de muitos livros e o julgamento de casos de grande repercussão no Supremo Tribunal Federal.

O mais recente caso na pauta do STF é o da população em situação de rua, tratado na ADPF 976, por meio da qual o relator determinou cautelarmente e ad referendum a “formulação pelo PODER EXECUTIVO FEDERAL, no prazo de 120 dias, do PLANO DE AÇÃO E MONITORAMENTO PARA A EFETIVA IMPLEMENTAÇÃO DA POLÍTICA NACIONAL PARA A POPULAÇÃO EM SITUAÇÃO DE RUA”.

Mas antes da atual ADPF sobre a população em situação de rua, outras ADPFs que também demandam um processo estrutural estão na pauta do STF. Podemos citar 1) a ADPF 347 de 2015, por meio da qual o STF reconheceu de forma pioneira o Estado de Coisa Inconstitucional (ECI) do sistema carcerário brasileiro; 2) a ADPF 635 de 2019, midiaticamente reconhecida como a ADPF das “favelas”, a qual questiona a crescente letalidade da policial em comunidades periféricas no Rio de Janeiro; 3) a ADPF 973 de 2022, sobre o indicado Estado de Coisas Inconstitucional da política contra o racismo institucional e 4) as ADPF’s 709 e 742 de 2020, que tratam da proteção das comunidades indígenas e quilombolas durante a pandemia de Covid-19.

Além desses casos concretos de grade notoriedade nacional que demandam um processo estrutural, deve-se citar o próprio reconhecimento da constitucionalidade do processo estrutural quando do julgamento do Tema 698 pelo STF em sede de repercussão geral, com julgamento concluído em julho de 2023.

A tese do tema ficou assim redigida após votação no plenário virtual:

TEMA 698/STF:

1. A intervenção do Poder Judiciário em políticas públicas voltadas à realização de direitos fundamentais, em caso de ausência ou deficiência grave do serviço, não viola o princípio da separação dos poderes.

2. A decisão judicial, como regra, em lugar de determinar medidas pontuais, deve apontar as finalidades a serem alcançadas e determinar à Administração Pública que apresente um plano e/ou os meios adequados para alcançar o resultado.

No plano da gestão institucional, é preciso destacar a iniciativa da ministra Rosa Weber com a criação de uma unidade permanente vinculada à Presidência do Supremo para “Coordenação e Apoio às Demandas e Litígios Complexos”.

A Resolução 790, de dezembro de 2022, considerou a necessidade de criação da unidade da seguinte maneira:

As demandas estruturais e os litígios complexos exigem técnicas especiais de efetivação processual e intervenções jurisdicionais diferenciadas, tais como a flexibilização do procedimento, consensualidade, negociações processuais, e atipicidade dos meios de provas, das medidas executivas e das formas de cooperação judiciária. 

Desse modo, em pouco mais de seis meses, o STF 1) criou uma unidade permanente ligada à Presidência para a “Coordenação e Apoio às Demandas e Litígios Complexos” e 2) julgou constitucional “A intervenção do Poder Judiciário em políticas públicas voltadas à realização de direitos fundamentais, em caso de ausência ou deficiência grave do serviço, não viola o princípio da separação dos poderes”.

No plano acadêmico o professor Marco Felix Jobim fez um levantamento de 76 livros publicados no Brasil (até agora) sobre a temática do processo estrutural (levantamento divulgado na sua página), sem contar as teses e as dissertações, que são muitas, cito a título de exemplo a recente tese de Matheus Casimiro Gomes Serafim Casemiro, intitulada de “processo estrutural democrático: participação, publicidade e justificação” e a dissertação de Priscila Teixeira de Faria, que fez em 2019 um estudo do notório caso “da fila das cirurgias ortopédicas de alta complexidade do estado do Ceará”, conduzido pela juíza federal Cíntia Menezes Bruneta.

A produção acadêmica ainda em 2023 ganhou mais espaço no reconhecido Fórum Permanente de Processualistas Civis (FPPC), com grupo dedicado ao tema, e na Jornada de Direito Processo Civil da Justiça Federal, com comissão para processo estrutural. Destaque-se também o oferecimento pela Enfam do curso “Conflitos Estruturais: medidas estruturantes” e da exigência da temática processo estrutural nas provas dissertativas para Procurador da República do Ministério Público Federal (MPF) e de Promotor do Ministério Público de São Paulo (MPSP). 

São inegáveis os avanços institucionais e acadêmicos do processo estrutural no Brasil em poucos anos. A ordem dos fatos, ainda que se considere apenas a ordem cronológica, é conclusiva para dizer que sim: é o maior momento do processo estrutural no Brasil.

Como afirmou Edilson Vitorelli [1], o processo estrutural “é uma revolução silenciosa”.

Paulo Victor de Carvalho Mendonça é advogado, professor em Brasília e ex-assessor e chefe de gabinete substituto do ministro Paulo de Vieira Tarso Sanseverino.

Consultor Júridico

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