Cláusula de supressão de garantias lançada no plano de RJ

O presente artigo analisará a validade da cláusula que permite a supressão das garantias dadas por terceiro à empresa em recuperação judicial, a qual conste no plano de recuperação judicial aprovado pela assembleia geral de credores.

Este tema decorre da interpretação do inciso 1º do artigo 49 da Lei de Falências, o qual dispõe que “os credores do devedor em recuperação judicial conservam seus direitos e privilégios contra os coobrigados, fiadores e obrigados de regresso”. Em razão deste artigo, o Superior Tribunal de Justiça, por meio da Súmula 581, firmou entendimento de que “a recuperação judicial do devedor principal não impede o prosseguimento das ações e execuções ajuizadas contra terceiros, devedores solidários ou coobrigados em geral, por garantia cambial, real ou fidejussória”.

É certo que o entendimento acima não traz qualquer dúvida quando o plano de recuperação judicial não dispuser sobre a supressão das garantias dadas por terceiro ao cumprimento das obrigações novadas pelo plano de recuperação judicial [1].

Isto porque a novação do Código Civil [2] não se aplicaria a Lei de falências, eis que a novação prevista na referida lei é condicionada ao cumprimento das obrigações previstas no plano de recuperação judicial, alcançando, apenas, a devedora, sendo certo que, caso seja decretada a falência[3] da empresa, os credores voltariam a adquirir seus direitos originais. Logo, esta novação condicionada ao cumprimento do plano de recuperação judicial, por si só, não motivaria a supressão das garantias dadas por terceiro em benefício da empresa em recuperação judicial.

Mas, ainda que a novação decorrente da Lei de Falências não implique na extinção legal das garantias, a inclusão da cláusula de supressão das garantias lançada no plano de recuperação judicial acabou gerando inúmeros posicionamentos divergentes por parte do Poder Judiciário.

Com efeito, inúmeros tribunais, em razão do inciso 1º do artigo 49 da Lei de Falências, entendem que, caso as cláusulas de supressão de garantias dadas por terceiro constem nos planos de recuperação judicial, essas poderiam ser declaradas nulas de pleno direito por infringirem as normas vigentes, quando o plano fosse analisado pelo Poder Judiciário [4].

Sucede que o Superior Tribunal de Justiça, nos termos do Recurso Especial nº 1.794.209-SP, o qual teve como relator o ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, entendeu por afastar a nulidade destas cláusulas, eis que “a princípio, não há falar em nulidade dessas cláusulas, visto não esbarrar em nenhuma hipótese estabelecida no artigo 166 do Código Civil de nulidade do negócio jurídico: (i) ser celebrado por pessoa absolutamente incapaz; (ii) for ilícito, impossível ou indeterminável seu objeto; (iii) for o motivo determinante, comum a ambas as partes, ilícito; (iv) não revestir a forma prescrita em lei; (v) for preterida alguma solenidade que a lei considere essencial para sua validade; (vi) fraudar lei imperativa e (vii) ser taxativamente declarada nula por lei”.

Como se vê, o Superior Tribunal de Justiça, por meio do Recurso Especial nº 1.794.209-SP, concluiu que a cláusula de supressão das garantias dada por terceiro é válida, inexistindo qualquer nulidade que possa lhe alcançar, cabendo, apenas, a análise quanto a sua eficácia.

Não se pode deixar de levar em conta que existem decisões que entendem que o plano de recuperação judicial poderia sim deliberar sobre a supressão das garantias prestadas por terceiros, eis que o inciso 2º do artigo 49 da Lei de falências dispõe que “as obrigações anteriores a recuperação judicial observarão as condições originalmente contratadas ou definidas em lei, inclusive no que diz respeito aos encargos, salvo se de modo diverso ficar estabelecido no plano de recuperação judicial”.

Com efeito, estes entendimentos levam em consideração que seria válida referida cláusula quando lançada no plano de recuperação judicial, uma vez que o mesmo poderá dispor de forma diversa sobre a existência de garantias prestadas por terceiros, devendo o credor manifestar a sua vontade na assembleia geral de credores e se submeter a vontade da maioria [5].

Contudo, este entendimento não nos parece o melhor, eis que o plano, caso aprovado, alcançaria um terceiro que sequer seria parte no processo de recuperação judicial, deixando de aplicar as regras contidas no Código Civil quanto a interpretação restritiva da cláusula de renúncia de direito, no caso, garantia [6], ou ainda, a natureza contratual do plano de recuperação judicial [7].

Conforme dispõe o Código Civil, a anuência do credor à cláusula de supressão de garantias é condição para sua eficácia, nos termos do seu artigo 121 [8], devendo-se ressaltar, ainda, que o direito do terceiro a liberação da sua garantia dada em benefício da empresa em recuperação judicial só terá eficácia se a manifestação da vontade do credor ocorrer, não existindo o que se questionar sobre o nascimento deste direito até que esta manifestação de vontade seja declarada, nos termos do artigo 125 [9].

No tocante a manifestação da vontade e eficácia da cláusula de supressão de garantias, vê-se que o inciso 2º do artigo 50 da Lei de falências é expresso ao dispor que “na alienação de bem objeto de garantia real, a supressão da garantia ou sua substituição somente serão admitidas mediante aprovação expressa do credor titular da respectiva garantia”.

Assim, resta claro que eventual cláusula de supressão de garantia real só terá eficácia se o titular desta garantia declarar de forma expressa a sua anuência quanto a liberação desta garantia.

Nem se fale, por sua vez, que a votação da classe de credores reunida em assembleia poderia suprimir a livre manifestação do credor quanto a liberação da sua garantia real, pois o inciso 1º do artigo 50 da Lei de Falências fala em credor titular da garantia para admitir a supressão da garantia e não em classe de credores [10].

Por fim, tem-se que as garantias fidejussórias dadas por terceiro em benefício da empresa em recuperação judicial não terão eficácia contra os credores até que ocorra a sua manifestação. Isto porque as cláusulas do plano de recuperação judicial devem ser interpretadas em benefício dos credores, nos termos do artigo 432 do Código Civil [11], afastando-se, por consequência, a renúncia tácita a qualquer garantia dada por terceiro estranho a recuperação judicial [12].

A questão ora analisada foi pacificada pela 2ª Seção do Superior Tribunal de Justiça, eis que se firmou o entendimento de que “a cláusula que estende a novação aos coobrigados é legítima e oponível apenas aos credores que aprovaram o plano de recuperação sem nenhuma ressalva, não sendo eficaz em relação aos credores ausentes da assembleia geral, aos que se abstiveram de votar ou se posicionaram contra tal disposição” [13].

Assim, o Superior Tribunal de Justiça, em julgamento histórico, encerrou qualquer questionamento sobre o tema, eis que fixou que a cláusula de supressão de garantias é válida, contudo, a sua eficácia alcançará, tão somente, aqueles que aprovaram o plano de recuperação judicial sem qualquer ressalva, ou, anuíram com a cláusula.

Aqueles credores que não aprovaram o plano em assembleia, se abstiveram, ou ainda, não compareceram ao conclave, não serão alcançados pela eficácia desta cláusula, uma vez que não houve a manifestação da sua vontade, requisito essencial para gerar o direito da devedora e do terceiro no que ser refere a supressão das garantias dadas em benefício do credor.

Rodrigo Quadrante é advogado, mestre pela PUC-SP e sócio do escritório Leite, Tosto e Barros Advogados Associados.

Consultor Júridico

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