CNJ tenta conciliação em meio a debate sobre home office de juízes

Com o arrefecimento da crise da Covid-19, alguns temas que surgiram na esteira desse período permaneceram em discussão. O trabalho remoto talvez seja o mais debatido entre eles, e dentro da magistratura não é diferente. Em novembro passado, o CNJ determinou que todos os juízes deveriam retornar ao trabalho presencial em 60 dias. Mas, desde então, vieram à tona algumas divergências sobre o modelo atual. 

Salomão indeferiu pedido da Anamatra em ação contra corregedoria do Trabalho

Sandra Fado/ST

O último capítulo dessa história é também o mais delicado. Antes da normativa do Conselho ordenando o retorno da magistratura ao trabalho presencial, a OAB- RO questionou a opção do Tribunal Regional do Trabalho da 14ª Região (RO) de manter a totalidade de suas audiências de forma virtual, mesmo com a melhora do contexto sanitário em relação à pandemia.

Outro ponto citado foi a suposta ausência dos juízes de suas comarcas, que, por lei, devem despachar das suas respectivas unidades jurisdicionais.

A ministra do Tribunal Superior do Trabalho Dora Maria da Costa, corregedora-geral da Justiça do Trabalho, iniciou então, nesse ano, uma apuração para verificar se os magistrados da área especializada estavam atendendo à normativa que estabeleceu o retorno ao trabalho presencial.

Inicialmente, a corregedora listou juízes que não estariam cumprindo a lei. Posteriormente, solicitou aos Tribunais Regionais seus respectivos IPs, espécie de identidade do computador que permite seu rastreio.

Associações de classe reagiram à fiscalização da JT. 

A Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho criticou a atuação da corregedoria, a quem atribui a prática de fishing expedition, “ou seja, de ilegal prospecção investigatória e invasiva de magistrados que não são objeto de investigação, mas sim com a intenção de localizar algum para promover investigação. Uma inversão completa da lógica do devido processo legal”.

“A Corregedoria-Geral da Justiça do Trabalho está compreendendo que, para exercer a fiscalização quanto ao cumprimento da obrigação dos magistrados de estarem na Vara em pelo menos três dias da semana, teria de promover uma procura especulativa, no ambiente físico ou digital, sem ‘causa provável’ ou alvo definido. Tal compreensão é isolada e não está sendo adotada pelas demais Corregedorias dos outros ramos do Poder Judiciário”, afirmou a associação. 

Houve também contestações na Justiça. Na última semana, o ministro Luis Felipe Salomão, corregedor-geral de Justiça, indeferiu pedido de liminar formulado pela Anamatra que pedia a suspensão dos atos fiscalizatórios da corregedoria.

Salomão decidiu ainda que uma audiência de conciliação será feita nesta quarta (14/6), às 17h, com a presença da Anamatra, da ministra e corregedora Dora Maria da Costa e do relator do processo que regulamentou o retorno da magistratura ao trabalho presencial, conselheiro Vieira de Mello Filho.

A reportagem da revista eletrônica Consultor Jurídico procurou a Anamatra e a ministra Dora Maria da Costa. A associação informou que “entende não ser oportuno falar sobre o assunto neste momento, já que há um pedido de reconsideração sob análise do ministro corregedor”. Já a ministra também informou que não concederia entrevista por conta da situação de litígio envolvendo a corregedoria.

O Conselho Federal da OAB também foi contatado, mas não houve retorno até a publicação desse texto. 

O retorno e seus detalhes

A volta da magistratura ao trabalho presencial foi decidida a partir do PCA n. 0002260-11.2022.2.00.0000 e publicado como Resolução Nº 481 de 22/11/2022, ambos do CNJ. Foram estabelecidas, dessa forma, regras detalhadas sobre a atuação da magistratura após a pandemia, sendo as principais:

– a presença do juiz na comarca, com o comparecimento na unidade jurisdicional em pelo menos 3 (três) dias úteis na semana, com a publicação prévia da escala de comparecimento presencial do juiz na comarca, devidamente autorizada pela Presidência e/ou Corregedoria do Tribunal, o atendimento virtual de advogados, defensores e promotores, quando solicitado, a produtividade igual ou superior à do trabalho presencial e prazos razoáveis para realização de audiências, desde que vinculadas ao Juízo 100% digital ou aos Núcleos de Justiça 4.0;

Arrefecimento da pandemia não sanou discussão sobre home office na magistratura

Marcelo Camargo/Agência Brasil

– audiências só poderão ser feitas na forma telepresencial a pedido da parte, excetuado o disposto no § 1º, bem como nos incisos I a IV do § 2º do art. 185 do CPP, cabendo ao juiz decidir pela conveniência de sua realização no modo presencial.

Conforme os dados disponibilizados pelo CNJ, que aglutinam tribunais estaduais, federais e os especializados do Trabalho e Eleitoral, além do Superior Tribunal Militar, 97,3% dos magistrados e 82,53% dos servidores retornaram ao trabalho presencial. Na magistratura, os tribunais que registram as menores taxas são o TRT-2 (73,95% de retorno) e o TJ-AP (82% de retorno).

Segundo o CNJ, há um grupo de trabalho do conselho para acompanhamento, “mas a fiscalização fica por conta das corregedorias locais”.

O que pensam juízes e associações

Para o juiz federal Nelson Alves, presidente da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe) e magistrado da 1ª Turma Recursal de Santa Catarina, a resolução do CNJ “foi expedida em momento muito específico em que se objetivava o retorno amplo e efetivo ao trabalho presencial, em que pese os bons resultados produzidos durante o trabalho remoto no período da pandemia”.

“A Ajufe é favorável ao trabalho remoto, logicamente sem perder de vista a importância do contato com o cidadão nas atividades diárias. Esse contato é importante, mas não podemos deixar de usar a tecnologia naquilo que favorece a todos. Entendemos que seja vantajoso para os advogados e, principalmente, para o cidadão que busca a Justiça, que sejam atendidos de forma remota, evitando custos com esse deslocamento, e aumentando a celeridade.”

O magistrado afirma ainda que “os juízes e juízas federais empreenderam esforço monumental para manter remotamente o atendimento de excelência da Justiça Federal”, e que os resultados ao longo da pandemia foram positivos, visto que os números de casos julgados foram maiores que antes do período de restrição sanitária.

“Nós entendemos que a resolução do CNJ ainda pode, e deve, ser aperfeiçoada para que se chegue a um bom termo de prestígio à eficiência e a economia dos custos do Poder Judiciário.”

Juiz do Trabalho do TRT da 2ª Região e ex-presidente da Associação dos Magistrados de Justiça do Trabalho da Segunda Região (Amatra-2), Farley Rodrigues Ferreira diz que “a eficiência do modelo imposto pelo CNJ está em conter abusos que excepcionalmente ocorriam”.

“Sempre há o que evoluir. Por exemplo, qual a necessidade de exigir a presença do juiz no Fórum para realizar uma audiência telepresencial em que todos os demais estão remotos? Em grandes capitais ou em longas distâncias, isso é um desgaste físico e emocional desnecessário a quem precisa ter esse equilíbrio para julgar as vidas das pessoas”, diz o magistrado à ConJur.

Ele também criticou a posição da corregedoria na apuração contra os juízes do Trabalho que teriam descumprido as normativas impostas pelo CNJ. “Instaurou-se procedimento investigativo contra mais de 120 juízes, sem existir denúncia, por mera varrição de dados da ferramenta Microsoft ‘MS POWER BI’, software sem homologação no Poder Judiciário”, diz o magistrado.

“Posso dizer que a magistratura está se sentindo acuada e gasta imensa energia para responder e vivenciar esse tipo de situação, infundada. Afinal, quem gosta de responder um processo investigativo e acusatório surgido de um sistema informatizado? Quem será o próximo selecionado?”

A juíza federal Taís Ferracini, da 14ª Turma Recursal da Justiça Federal de São Paulo e presidente da Associação dos Juízes Federais de São Paulo e Mato Grosso do Sul (Ajufesp), disse à reportagem que o “desenrolar do teletrabalho mostrou aspectos muito positivos”.

“Houve um aumento na produtividade que é comprovado estatisticamente, uma redução de custos, seja por parte dos tribunais, como com gastos de água, energia, e demais questões de manutenção que estão envolvidas com a estrutura física dos Fóruns, como também por parte dos atores envolvidos, sejam juízes, servidores, partes e advogados, que reduziram custo de deslocamento.”

De acordo com a magistrada, o regime implementado no âmbito da 3ª Região não gerou reclamações e a maior parte dos advogados e das partes prefere levar a cabo os atos processuais de maneira telepresencial.

“Essa regulamentação geral do CNJ, que ao nosso ver é sim importante, poderia ter um aspecto mais genérico, deixando a cargo dos tribunais locais, dentro de sua autonomia, a regulamentação que melhor atendesse ao interesse público e às necessidades locais. É claro que tudo isso sem prejuízo de uma fiscalização por parte das corregedorias que poderão atuar em se constatando qualquer desvirtuamento desse processo de implantação.”

Consultor Júridico

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