Como Arábia Saudita virou superpotência de videogames – 11/10/2025 – Tec

A franquia de jogos “Assassin’s Creed” está recebendo uma atualização inesperada. A desenvolvedora francesa Ubisoft, dona do título, anunciou recentemente um novo conjunto de missões ambientadas na Arábia Saudita. A notícia seguiu relatos do início deste ano de que a Ubisoft havia estabelecido uma parceria com o Savvy Games Group, uma empresa estatal saudita.

A Ubisoft diz que os níveis sauditas estão sendo criados com a ajuda de “organizações locais e internacionais”. Os jogadores poderão andar sorrateiramente por Al Ula, uma cidade histórica que o governo saudita está promovendo como destino turístico.

A Arábia Saudita está fazendo um esforço multibilionário para entrar no setor de jogos, uma indústria atualmente mais valiosa do que cinema, streaming ou música. Em 29 de setembro, o país fez seu maior movimento até agora, quando a EA (Electronic Arts), terceira maior empresa de jogos dos Estados Unidos, anunciou que estava sendo comprada por US$ 55 bilhões (R$ 292,1 bi) por um grupo liderado pelo Fundo de Investimento Público (PIF na sigla em inglês) da Arábia Saudita, um fundo soberano de US$ 1 trilhão (R$ 5,3 tri). Esse é o mais recente de uma série de investimentos que está rapidamente transformando a Arábia Saudita em uma superpotência no mundo dos videogames.

Os parceiros sauditas na aquisição da EA são a empresa de private equity Silver Lake e a firma de investimentos Affinity Partners —que foi fundada por Jared Kushner, genro de Donald Trump, cuja ligação com o negócio pode facilitar o caminho para a aprovação regulatória. Os novos proprietários da EA controlarão franquias como “Madden”, “The Sims” e “FC” (o antigo “Fifa”), franquia que dizem ser uma das favoritas de Muhammad bin Salman, príncipe herdeiro e governante de fato da Arábia Saudita.

A EA será a joia da coroa em um conjunto já brilhante de participações. O PIF dotou a Savvy Games com um fundo de guerra de US$ 38 bilhões (R$ 201,8 bi) para transformar a Arábia Saudita em um centro de jogos. Há dois anos, a Savvy comprou a Scopely, desenvolvedora americana dona do “Monopoly Go!”, um dos jogos para celular de maior receita do mundo, gerando mais de US$ 5 bilhões (R$ 26,5 bi) desde seu lançamento em 2023.

Em maio, o grupo também adquiriu a divisão de jogos da Niantic, empresa americana que produz os jogos para celular “Pokémon”. A Savvy também tem uma grande participação (e assento no conselho) na Embracer, empresa sueca que possui títulos como “Tomb Raider”, estrelado por Lara Croft.

O próprio PIF também acumulou mais participações em alguns dos maiores nomes do setor de jogos. É um dos três maiores acionistas da Nintendo, Capcom (“Street Fighter”) e Koei (“Ninja Gaiden”) do Japão, da Nexon e NCSoft da Coreia do Sul e da Take-Two dos EUA, criadora do “GTA” (Grand Theft Auto), franquia que vendeu cerca de 450 milhões de cópias até hoje.

O Fundo também está entre os cinco maiores detentores das japonesas Toei (“Dragon Ball Z”) e Square Enix (“Final Fantasy”), onde também tem um assento no conselho. Tirando a EA, as participações do PIF em jogos somam US$ 11,7 bilhões (R$ 62,1 bi), segundo contagem do The Economist. Outros fundos apoiados pelo Estado saudita têm investimentos adicionais em jogos.

“Estamos apenas começando”, diz Brian Ward, veterano canadense da indústria nomeado para dirigir a Savvy. Sua equipe explora “centenas” de potenciais aquisições por ano. A capacidade de fechar bons negócios é aprimorada pelo fato de que outras fontes de financiamento praticamente secaram.

O financiamento de capital de risco na indústria de jogos caiu cerca de três quartos desde o pico de 2021 a 2022, em meio a um mal-estar do setor causado pela estagnação do setor dos jogos para celular e pela perda de jogadores casuais da pandemia. Joost van Dreunen, especialista em jogos da Stern School of Business da Universidade de Nova York, escreve que a estratégia saudita é “jogar quantias impressionantes de dinheiro para estabelecer domínio de mercado”.

Ward diz que as instruções do Príncipe Muhammad são para construir “uma empresa como a Disney, mas para jogos e esports”. Parte disso significa criar uma comunidade de superfãs. A Disney tem parques temáticos; os sauditas veem uma oportunidade em torneios de jogos ao vivo. Em 2022, a Savvy comprou as empresas de esports ESL e a FACEIT por US$ 1,5 bilhão (R$ 7,9 bi). Também possui 30% da chinesa Hero Esports, que é apoiada pela Tencent. No total, a Savvy diz que controla 40% do mercado global de esports.

No entanto, o braço de e-sports ainda não é lucrativo. Mas o propósito é estimular o engajamento dos fãs —e nisso parece estar tendo sucesso. Nos últimos dois anos, a Arábia Saudita sediou a Copa do Mundo de Esports em Riad, onde equipes competem em jogos como “League of Legends” (o Príncipe Muhammad joga com alguns dos profissionais quando eles estão lá).

Cerca de 250 mil ingressos foram vendidos para o evento. Online foram 750 milhões de visualizações em plataformas como Twitch e Douyin, com metade da audiência assistindo da China. Grandes nomes da indústria também foram a uma conferência paralela, que se tornou a mais importante no negócio de jogos, segundo um investidor ocidental. No próximo ano, Riad lançará outro torneio, uma Copa das Nações de Esports bienal.

A justificativa para tudo isso, além de satisfazer o hobby do príncipe herdeiro, é criar uma nova indústria doméstica. A Arábia Saudita está tentando diversificar sua economia para além do petróleo. São previstos 39 mil empregos em jogos até 2030. A Savvy está treinando artistas de jogos na Universidade Princess Nourah, instituição específica para mulheres. O governo saudita diz que 48% dos jogadores do país são mulheres. Pouco mais de um quarto dos funcionários da Savvy são do sexo feminino, um número aproximadamente alinhado com o padrão da indústria dominada por homens.

Pouco mais de um terço dos funcionários da Savvy são estrangeiros, uma proporção que Ward espera diminuir com o amadurecimento da indústria. Convencer ocidentais a investir ou trabalhar no reino está ficando mais fácil à medida que mais pessoas veem o país por si mesmas, diz Ralf Reichert, organizador alemão da Copa do Mundo de Esports: “Você nunca conseguirá satisfazer todos os críticos, mas o barulho em torno disso diminuiu drasticamente.”

Isso indica outros motivos por trás da iniciativa do país. Assim como o investimento da Arábia Saudita em esporte e entretenimento (recentemente foram lançados festivais de cinema e comédia e um grande prêmio de Fórmula 1), o impulso nos jogos ajuda a projetar uma imagem diferente do local.

“Há de 5.000 a 10 mil anos de história humana no Oriente Médio, mas nenhuma dessas histórias foi contada da nossa forma. E essa é uma grande oportunidade”, diz Ward. O mundo de língua árabe —com 330 milhões de jogadores, mais do que a Europa Ocidental ou os EUA— é mal atendido, ele acredita, citando Japão, China e Coreia do Sul como modelos de como adaptar o folclore nacional em jogos populares.

No ano passado, “Black Myth: Wukong” da China, um jogo repleto de lendas chinesas, foi votado como Jogo do Ano pelos usuários da platagorma de jogos Steam. Ward diz que projetar a cultura saudita não faz parte de seu mandato, mas ele espera que futuros jogos feitos lá tenham apelo mundial, assim como os títulos do leste asiático têm.

Muitos jogadores se perguntam como a propriedade saudita influenciará o conteúdo dos jogos. À medida que a China se tornou um importante mercado cinematográfico, os estúdios de Hollywood têm evitado assuntos delicados que estavam dispostos a abordar na década de 1990, como o Tibete. É fácil imaginar algo semelhante acontecendo nos jogos. Em 1992, após a Guerra do Golfo, a EA lançou “Desert Strike”, cujo vilão é um ditador árabe fictício. Em 2005, em meio à guerra ao terrorismo, “Battlefield 2” da EA colocou forças americanas contra inimigos, incluindo uma “Coalizão do Oriente Médio”.

Esses jogos serão lançados sob os novos proprietários da EA? O chefe da empresa, Andrew Wilson, garantiu aos funcionários que a prioridade ainda é conteúdo “ousado e expressivo” e que os “valores… da empresa permanecem inalterados”.

MISSÃO SECUNDÁRIA

No entanto, a próxima atualização de “Assassin’s Creed” mostra como o dinheiro saudita pode sutilmente influenciar o conteúdo. Não é o único exemplo. Em março, os fãs de “Fatal Fury” ficaram surpresos ao saber que a última edição do jogo de luta incluiria um novo personagem: Cristiano Ronaldo. No jogo, o futebolista português golpeia os oponentes com uma bola em chamas e é “uma força imparável, mesmo para lutadores experientes”.

A colaboração incomum pode ter uma explicação saudita. Ronaldo é o capitão do Al Nassr, time de Riad, que é majoritariamente propriedade do PIF. A desenvolvedora japonesa de “Fatal Fury”, SNK, é majoritariamente propriedade da Fundação MiSK, uma organização sem fins lucrativos saudita —cujo fundador e presidente é um certo príncipe herdeiro amante de jogos.

Consultor Júridico

Facebook
Twitter
LinkedIn

Entraremos em Contato

Deixe seu seu assunto para explicar melhor