Um crime que movimenta em torno de US$ 32 bilhões ao ano, o tráfico internacional de pessoas foi tema de debate durante o Seminário Internacional sobre Repressão e Assistência às Vítimas de Tráfico de Pessoas, realizado na segunda-feira (31/7) no Conselho Nacional de Justiça.
A conselheira Jane Granzoto, que levantou a necessidade de desenvolver mecanismos para o enfrentamento da dificuldade de colher provas e depoimentos, argumentou: “Quem são as testemunhas? São aliciados também. Dificilmente você vai conseguir que essas pessoas testemunhem até mesmo pelo medo”, acrescentando a importância da razoabilidade do processo.
A discussão contou com contribuições dos especialistas Renan Paes Felix, do Ministério Público Federal; Lane Christensen, do Departamento de Justiça dos Estados Unidos; e Cristiano de Souza Eloi, do Serviço de Repressão ao Tráfico de Pessoas e Contrabando de Migrantes da Polícia Federal.
“O tráfico de pessoas está naquela espécie de crimes complexos que demandam investigação para além do cotidiano porque envolvem organizações criminosas, com movimentação em torno de US$ 32 bilhões”, destacou Paes Felix. “Por isso precisamos de cooperação internacional”, acrescentou ele.
O representante do governo norte-americano enfatizou a necessidade de celeridade na coleta de provas. Segundo ele, a legislação dos Estados Unidos permite que os investigadores interajam diretamente com agentes dos demais países envolvidos sem o uso de formalidades. “Um dia para uma vítima pode significar vários assaltos, vários abusos sexuais”, alertou.
O integrante da PF brasileira concordou: “A primeira oitiva de uma investigação de tráfico de pessoas é feita pela Polícia Federal. Nós cobramos dos colegas que a façam da melhor maneira possível, pois, se for bem completa, afasta a necessidade de a pessoa ter que ser ouvida lá na frente novamente”. Segundo ele, atualmente, há 164 investigações de tráfico de pessoas em curso no país. A causa mais frequente é condição de trabalho escravo (38%), seguida por exploração sexual (36%).
Identificação e resgate
O debate foi seguido do painel “Experiência na identificação e no resgate das vítimas de tráfico”, mediado pela coordenadora de gestão da Política e dos Planos Nacionais de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas do Ministério da Justiça, Marina Bernardes.
O painel foi composto pelos especialistas Julia Bernadina González, da Unidad Especializada en la Lucha Contra la Trata de Personas y Explotación Sexual de Niños, Niñas y Adolescentes, do Paraguai; e Maurício Krepsky, da Divisão de Fiscalização de Combate ao Trabalho Análogo ao de Escravo da Secretaria de Inspeção do Trabalho do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE).
De acordo com a representante do governo paraguaio, houve avanços significativos na legislação do país com relação à atenção às vítimas, mas o principal obstáculo à atuação do Ministério Público paraguaio está no fato de a mudança ser recente e ainda estar em fase de implementação.
“Não há fundos, precisamos de ajuda internacional, e com essa cooperação estamos lutando para erradicar o tráfico em maneira definitiva do território paraguaio”, considerou, acrescentando que, entre as 299 vítimas reportadas em 2020, 187 eram meninas exploradas sexualmente.
Realidade brasileira
O integrante do MTE rememorou a atuação do Grupo Especial de Fiscalização Móvel. Coordenado pela auditoria fiscal do trabalho com atuação interinstitucional, o programa é referência internacional. De acordo com ele, em média, cerca de 80% das vítimas de trabalho escravo resgatadas foram também alvo do tráfico de pessoas.
De 2020 a 2022, 3.878 trabalhadores foram registrados durante as ações fiscalizadas, tendo recebido verbas rescisórias que totalizam R$ 22 milhões. Em decorrência da atuação do grupo, houve a recuperação de R$ 7,2 milhões em Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS). “A inspeção do trabalho tem atuado inclusive no tráfico internacional de pessoas”, ressaltou a representante do Ministério da Justiça, mencionando ainda a necessidade de um olhar mais atento à convergência entre crimes ambientais e tráfico de pessoas.
Assistência às vítimas
O último painel do evento — “Experiências na assistência às vítimas de tráfico” — contou com a participação dos especialistas Marcelo Colombo, da Procuraduría de Trata y Explotación de Personas (Protex) da Argentina; e Lys Sobral Cardoso, da Coordenadoria Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo do Ministério Público do Trabalho. A discussão foi mediada por Natália Maciel, da Agência da ONU para as migrações (OIM).
O representante do governo argentino destacou a importância do trabalho de preservação das vítimas no pós-resgate, que é realizado por uma equipe multidisciplinar que envolve desde advogados até psicólogos, em sua maioria mulheres: “As declarações testemunhais das vítimas acontecem dentro de um circuito fechado. As investigadoras trazem informações para o processo”.
Ele também apontou a relevância da alteração da regulamentação, há dois anos, por meio de uma lei prevendo a criação de fundo fiduciário para o atendimento. “A reparação econômica agora para as vítimas é um processo obrigatório”, acrescentou.
Segundo o especialista, o cálculo do valor da indenização é realizado com base em quanto a vítima deixou de ganhar naqueles anos em que foi explorada; gastos como serviços médicos, psicológicos de saúde e dano moral. “A reparação às vítimas é muito importante. Não se pode esperar 10 anos para que o processo tramite sem haver reparação por falta de provas”, comentou a mediadora.
A integrante do MPT descreveu experiências exitosas do governo brasileiro no enfrentamento ao tráfico de pessoas como forma de escravidão contemporânea realizadas de forma cooperativa com os estados e instituições em unidades da federação tais quais Rio de Janeiro, São Paulo, Mato Grosso e Bahia. De acordo com ela, alguns dos projetos em andamento têm o objetivo de que essas pessoas se capacitem e tenham condições de contratação e outros implicam conceder terras para que possam subsistir. Com informações da assessoria de imprensa do CNJ.