Corte de apelação não pode substituir júri na valoração das provas

O recurso de apelação de decisões do Tribunal do Júri, previsto no artigo 593, III, “d”, do Código de Processo Penal, só permite a revogação do veredicto quando for constatado que a decisão do Conselho de Sentença é contrária às provas reunidas durante a instrução processual. Assim, esse instrumento não pode ser manejado como meio irrestrito de reforma de decisões.

Entendimento vencedor foi do relator da matéria, ministro Edson Fachin

Carlos Moura/SCO/STF

Esse foi o entendimento que a 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal adotou para negar provimento a um agravo regimental do Ministério Público contra decisão que revogou acórdão que anulou a absolvição de uma mulher julgada por homicídio duplamente qualificado.

A mulher foi denunciada como mentora intelectual e mandante da morte do ex-marido, no município de Miguel Pereira, no interior do estado do Rio de Janeiro. Ela foi absolvida com base em quesito genérico, que permite que o jurado julgue conforme o seu senso de justiça, por causas supralegais, clemência ou por razões humanitárias.

A decisão se deu por unanimidade e, nos termos do voto do relator da matéria, ministro Edson Fachin, confirmou a anulação do acórdão do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro que havia revogado o veredicto do Conselho de Sentença.

No agravo, o Ministério Público sustentou que o acórdão do TJ-RJ considerou que negar a absolvição por clemência implica entender que a reforma promovida pela Lei 11.689/2008 simplificou o julgamento popular e concentrou a apreciação das teses defensivas em um único quesito: “O jurado absolve o acusado?”.

Desse modo, embora a resposta dos jurados seja genérica, ela deve estar vinculada ao conjunto probatório, “com o fim de permitir, em segunda instância, o exame de sua coerência, em estrita observância ao princípio da legalidade”. 

Voto vencedor

Em seu voto, Fachin citou entendimento do decano do STF, ministro Gilmar Mendes, sobre o tema no sentido de que a soberania dos veredictos do Conselho de Sentença está prevista na Constituição Federal. 

Nessa linha, a possibilidade de recurso contra sentença do júri popular apresenta espaço reduzido para deliberação do tribunal de segundo grau, já que a corte é formada por desembargadores togados e sua decisão acabaria por esvaziar a soberania dos veredictos dos jurados.

A defesa apresentou no julgamento, além da negativa do crime, a tese de “legítima defesa de terceiros” e “inexigibilidade de conduta diversa”. Em seu voto, Fachin citou o acórdão do TJ-RJ que anulou o veredicto e que afirma textualmente que, embora tenha a defesa tentado “taxar a vítima de homem violento e agressivo bêbado, que maltratava tanto a apelada como as filhas, até lhe atribuindo práticas obscenas com uma das filhas”, isso não foi o suficiente para preencher os requisitos para o reconhecimento da inexigibilidade de conduta diversa ou legítima defesa de terceiros.

“Entretanto, não é dado ao tribunal de apelação se substituir ao Tribunal do Júri no exame e valoração das provas dos autos. O juízo de convencimento acerca das provas e do valor a ser atribuído a cada uma delas compete, única e exclusivamente, ao Conselho de Sentença, por mandamento constitucional”, sustentou o ministro. 

Por fim, Fachin lembrou que, embora a possibilidade de apelação contra decisão do Conselho de Sentença seja limitada, não há no ordenamento jurídico nada que vede a investigação sobre a racionalidade mínima que deve guardar toda e qualquer decisão.

“Nessa linha, sem precisar ser exaustivo, mas apenas para indicar os limites das causas de absolvição, é absolutamente contrária à Constituição a interpretação do quesito genérico que implique a repristinação da odiosa figura da legítima defesa da honra. Os avanços da legislação penal no combate a discriminação contra a mulher, como a Lei Maria da Penha e a tipificação do feminicídio, não podem ser simplesmente desconsiderados pela interpretação sem limites da quesitação genérica”.

O advogado Patrick Berriel, que patrocinou a defesa da acusada, afirmou que a decisão da 2ª Turma do Supremo tem o mérito de manter a soberania do júri.

“A decisão do Supremo foi feita a partir da análise da legalidade constitucional. O tribunal de apelação não pode substituir a atividade judicante na valoração da prova e no convencimento sobre a prova produzida em plenário”, disse Berriel.

Clique aqui para ler a decisão

HC 161.001

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