Foi finalmente disponibilizado o acórdão do STJ (Superior Tribunal de Justiça) referente ao Recurso Especial nº 1.945.110/RS que examinou a viabilidade da extensão do entendimento firmado nos Embargos de Divergência em REsp nº 1.517.492/PR de que não haveria incidência do IRPJ e CSLL para outros incentivos fiscais sobre o ICMS, distintos do crédito presumido.
A tese de repetitivo sacramentada no Tema 1.182 pelo referido acórdão foi a seguinte:
“1. Impossível excluir os benefícios fiscais relacionados ao ICMS, — tais como redução de base de cálculo, redução de alíquota, isenção, diferimento, entre outros — da base de cálculo do IRPJ e da CSLL, salvo quando atendidos os requisitos previstos em lei (artigo 10, da Lei Complementar n. 160/2017 e artigo 30, da Lei nº 12.973/2014), não se lhes aplicando o entendimento firmado no Eresp 1.517.492/PR que excluiu o crédito presumido de ICMS das bases de cálculo do IRPJ e da CSLL.
2. Para a exclusão dos benefícios fiscais relacionados ao ICMS, — tais como redução de base de cálculo, redução de alíquota, isenção, diferimento, entre outros — da base de cálculo do IRPJ e da CSLL não deve ser exigida a demonstração de concessão como estímulo à implantação ou expansão de empreendimentos econômicos.
3. Considerando que a Lei Complementar 160/2017 incluiu os §§4º e 5º ao artigo 30 da Lei 12.973/2014 sem, entretanto, revogar o disposto no seu §2º, a dispensa de comprovação prévia, pela empresa, de que a subvenção fiscal foi concedida como medida de estímulo à implantação ou expansão do empreendimento econômico não obsta a Receita Federal de proceder ao lançamento do IRPJ e da CSSL se, em procedimento fiscalizatório, for verificado que os valores oriundos do benefício fiscal foram utilizados para finalidade estranha à garantia da viabilidade do empreendimento econômico.”
O objetivo deste artigo é traçar reflexões sobre o acórdão e sobre o alcance da tese sedimentada.
Contexto da discussão
Tenhamos por subvenção econômica, na esteira da Lei nº 4.320/64, as transferências destinadas a cobrir despesas de custeio a empresas públicas ou privadas de caráter industrial, comercial, agrícola ou pastoril.
Na seara tributária, as subvenções foram previstas no Decreto-lei nº 1.598/77, especialmente, no §2º do artigo 38; posteriormente, pela Lei nº 11.941/09 e, em seguida, pelo artigo 30 da Lei nº 12.973/14, inclusive com as alterações da Lei Complementar n. 160/17, que será examinada posteriormente.
Agora, tradicionalmente, há três questões importantes na temática da tributação das subvenções por IRPJ e CSLL: uma, de índole material, outra, formal e, um terceiro, de âmbito constitucional.
Em termos materiais, lembramos que o Parecer Normativo CST nº 112/1978 buscou distinguir o conceito de subvenções para custeio das subvenções para investimentos, sendo certo que apenas as últimas não seriam tributadas. Veiculou-se um conceito de “sincronia” entre a intenção do Ente Público (de subsidiar implantação de empreendimentos econômicos ou sua expansão) e a efetiva aplicação por parte do particular dos recursos para fazer frente aos investimentos exigidos pela legislação. Assim, não demonstrada a “sincronia”, o Fisco entendia pela tributação, o que gerava considerável litígio tributário.
Em termos procedimentais, a pessoa jurídica deveria formalizar uma reserva que absorvesse a subvenção, para demonstrar, entre outros aspectos, a não distribuição de lucros para os acionistas com os ganhos da subvenção. Originalmente, as subvenções eram tidas como contas de patrimônio líquido (reserva de capital). Com a edição da Lei nº 11.637/08 e do CPC 07 R1, as subvenções passaram a ser registadas como “receita” — influenciando o chamado resultado da pessoa jurídica — e transferidas, posteriormente, a uma reserva de lucros para incentivos fiscais, prevista no artigo 195-A da Lei nº 6.404/76.
Ocorre que, com a Lei Complementar nº 160/17 — que buscou resolver a guerra fiscal de ICMS, determinando a convalidação de benefícios fiscais irregulares — visou-se eliminar o requisito da sincronia para os incentivos fiscais que atendessem os procedimentos previstos na lei complementar.
Com a redação do artigo 30 da Lei nº 12.973/14, e em especial os §§4º e 5º, passou-se a entender que a Lei Complementar nº 160/2017 reconheceu que os benefícios estaduais de ICMS, que fossem convalidados, deveriam ser equiparados como subvenções para investimento para fins fiscais, não devendo nenhum outro eventual requisito ser exigido, salvo aqueles previstos no próprio artigo 30. O Fisco, contudo, não acatou a tese do fim da sincronia, como se depreende da Solução de Consulta Cosit nº 145/2020, entre outras.
Por fim, o terceiro ingrediente é de índole constitucional. A 1ª Seção do STJ (EREsp nº 1.517.492/PR) entendeu que a cobrança da União de IR sobre o benefício fiscal de ICMS — no caso concreto o benefício era o de crédito presumido — violaria o pacto federativo, na medida em que seriam neutralizados os efeitos do benefício concedido pelo Estado.
Ocorre que a 2ª Turma do STJ passou a sustentar que o entendimento acima apenas seria aplicável para “crédito presumido” e não para outros incentivos fiscais — como se depreende do EDcl no REsp nº 1.968.755/PR — cabendo-se, assim, observar os requisitos do artigo 30 da Lei nº 12.973/14, em especial a constituição da reserva. A 1ª Turma, contudo, apresentava entendimento mais amplo (REsp 1.222.547/RS).
É justamente essa última divergência que foi submetida à apreciação do Tema 1182. Mas, qual foi o resultado?
Análise do resultado do julgamento
No Recurso Especial nº 1945110, entendeu-se que a posição firmada para crédito presumido não poderia ser estendida para outros benefícios. A justificativa do ministro relator Benedito Gonçalves foi de que o crédito presumido representaria renúncia fiscal dos Estados, ao contrário do que se sucederia em outros benefícios fiscais, justamente por conta do chamado de “efeito de recuperação”, representado pelo aspecto da impossibilidade de aproveitamento de crédito na etapa seguinte.
Segundo o voto, para tais benefícios, em regra, “o Fisco irá se recuperar dos valores que deixaram de ser recolhidos, salvo se efetivamente resolva criar um benefício de crédito presumido”. Dessa forma, conclui que o “entendimento da Primeira Seção segundo o qual a tributação do crédito presumido terminaria por representar uma incursão do Fisco Federal em valores que o Fisco Estadual resolveu despender, não tem a mesma aplicabilidade para benefícios fiscais de desoneração”.
Ponderamos, porém, que a ratio decidendi do EREsp nº 1.517.492/PR guarda tônica bastante acentuada no incentivo econômico regional que o benefício fiscal é apto a produzir. Destacamos trecho do voto da ministra relatora do acórdão Regina Helena Costa em que ela enfatiza a importância da desoneração para alimentos da cesta básica: “Trata-se de alívio fiscal, indutor do desenvolvimento econômico regional, cuja disciplina normativa, na espécie, tem o escopo de desonerar fabricantes de farinha de trigo e de produtos que a contenham em sua composição, tais como bolachas e biscoitos populares, macarrão e misturas pré-preparadas para panificação, ingrediente e alimentos básicos que devem ser acessíveis a toda a população”.
Ora, o que é essencial não é a renúncia de receita ao longo da cadeia, mas a concessão de um benefício que estimule o desenvolvimento econômico regional dando alívio fiscal, no caso, ao fabricante. E, se um Estado concede um benefício fiscal, assim o faz para fins de induzir ao desenvolvimento regional. Não é à toa que esses expedientes são todos “incentivos fiscais”. Fosse algo neutro, em termos de indução, não incentivariam conduta alguma. Portanto, em se tratando de “incentivo” não nos parece que a ausência, ou não, de um “efeito de recuperação” seja critério suficiente para se afastar a ratio que norteou o referido julgado.
Ademais, não é necessário que os outros benefícios fiscais (que não o crédito presumido) acarretem o dito “efeito de recuperação”. A própria Constituição prevê que isenção ou não incidência não implicará crédito “salvo determinação em contrário da legislação”. Podemos acrescentar, ainda, o exemplo das exportações, da Zona Franca de Manaus, do benefício fiscal concedido em operações interestaduais entre outros, em que não há o efeito da recuperação.
Em tais casos permaneceria afastado o julgado no EREsp nº 1.517.492/PR?
Outro argumento é de que o crédito presumido seria uma “grandeza positiva” ao passo que os demais benefícios se trataria de “grandezas negativas”, no sentido de que o crédito presumido é um “ganho” (grandeza positiva) do contribuinte para abater imposto devido, ao passo que uma isenção, por exemplo, seria um expediente que afastaria o próprio surgimento da obrigação tributária (grandeza negativa).
Sob o ponto de vista da legislação comercial — em especial o CPC 07 (R1) — a “subvenção” é vista como “receita”. E o artigo 30 da Lei nº 12.973/14, ao determinar que subvenções para investimento sejam alocadas à reserva de lucros — o que pressupõe um impacto no resultado — confirma o entendimento de que as subvenções devem ser tratadas como “receita”, o que torna irrelevante, para o IRPJ, uma distinção entre espécies de incentivos fiscais e a eventual classificação entre grandeza positiva ou negativa.
Superada tal reflexão, trazermos a análise de uma última questão: sendo aplicado o artigo 30 da Lei nº 12.973/14 para outras espécies de incentivo fiscais, quais devem ser os requisitos?
Esse aspecto gerou dúvida, porque o item 2 da tese firmada no Tema 1.182 diz que “não deve ser exigida a demonstração de concessão como estímulo à implantação ou expansão de empreendimentos econômicos”, enquanto o item 3 diz que Receita Federal pode “proceder ao lançamento do IRPJ e da CSSL se, em procedimento fiscalizatório, for verificado que os valores oriundos do benefício fiscal foram utilizados para finalidade estranha à garantia da viabilidade do empreendimento econômico”.
Do voto do ministro relator pareceu claro que, para os casos dos outros incentivos “há a necessidade de registro em reserva de lucros e limitações correspondentes, nos termos da Lei, muito embora não se possa exigir a comprovação de que os incentivos o foram estabelecidos como estímulo à implantação ou expansão de empreendimentos econômicos”.
Ademais, levando-se em conta que o item 3 da tese é de sugestão do ministro Herman Benjamin, parece-nos relevante observar seu voto, especialmente no ponto em que ele afirma a manutenção dos valores em conta de reserva denota a ligação do beneficio com o caráter de uma subvenção de investimento: “(…) Nessa linha de raciocínio, em análise mais aprofundada do precedente firmado no julgamento dos EDcl no REsp 1.968.755/PR — indispensável porque estamos a decidir, em sessão presencial, feito cujo julgamento encontra-se submetido ao rito dos Recursos Repetitivos —, considero que a manutenção da exigência de que os valores dos benefícios fiscais sejam mantidos em conta de reserva do Patrimônio Líquido da empresa conduz ao entendimento de que se preserva, ainda que em menor extensão, a ratio segundo a qual tais benefícios devem estar minimamente relacionados com a viabilidade do empreendimento econômico. Assim, eventual desvirtuamento, mesmo que posterior (por exemplo, utilização desse valor para aumento do capital social, com ulterior restituição ao titular das ações ou cotas empresariais), retirará – com base no §2º do artigo 30 da Lei 12.973/2014 (não revogado pela Lei Complementar 160/2017) — a aplicação do regime jurídico estabelecido na LC 160/2017, rendendo ensejo à instauração de procedimento fiscalizatório tendente a submeter a quantia à tributação (IRPJ e CSSL). (…)”.
Conclusão
Portanto, mesmo para outros incentivos, a chamada sincronia não será aplicada, haja vista que a previsão de investimento no benefício fiscal não será questionada. Contudo, o Fisco poderá, segundo o STJ, exigir IRPJ e CSLL caso se verifiquem que os requisitos do §2º do artigo 30 da Lei nº 12.973/14 não foram observados.
Resta aguardar como, a partir da maturidade que surgirá ao longo do tempo, o conteúdo do acórdão será entendido pela comunidade jurídica.
Cristiane P. McNaughton é advogada, doutora e mestre em Direito Tributário, Financeiro e Econômico pela Universidade de São Paulo (USP) e professora em cursos de pós-graduação.
Charles W. McNaughton é advogado, doutor e mestre pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP), pós-doutorado pela Universidade de São Paulo (USP) e professor do Instituto Brasileiro de Estudos Tributários (Ibet).