Dalton Dallazem: Convenção sobre o direito aplicável aos trusts

Em julho de 1985, sob os auspícios da Conferência de Haia sobre Direito Internacional Privado, foi concluída a CConvenção sobre o direito aplicável aos trusts e ao seu reconhecimento.

Originalmente assinada por dez países, atualmente encontra-se ratificada por quatorze (computando Hong Kong, cuja ratificação foi mantida pela China, que não a ratificou até o momento). O Brasil, embora não seja signatário, poderia ratificá-la, visto que está em vigor no plano internacional desde janeiro de 1992, mas ainda não o fez.

Considerando que há um projeto de lei em tramitação no Congresso dispondo sobre a fidúcia (trust) — projeto de lei nº 4.758/2020 — ratificar a Convenção antes de a futura lei entrar em vigor traria mais segurança aos brasileiros interessados na constituição de trusts no Brasil. Outro efeito positivo seria a mensagem internacional no sentido de que o Brasil incorpora no seu sistema os princípios enunciados pelo Tratado.

Com efeito, a convenção tem como objetivos principais estabelecer preceitos comuns às leis aplicáveis aos trusts e regulamentar os principais problemas relativos ao seu reconhecimento, especialmente nos países de civil law, considerando que se trata de um instituto peculiar aos sistemas de common law.

O trust é referido no artigo 2º como um conjunto de relações jurídicas instituídas — inter vivos ou causa mortis — por uma pessoa (o instituidor, ou settlor), o qual transfere ativos para um trustee, a fim de que este os administre em benefício de uma ou mais pessoas ou para um propósito específico. Ainda segundo esse dispositivo, um trust apresenta as seguintes características: 1) os ativos constituem um patrimônio separado do patrimônio particular do trustee; 2) o registro da propriedade (legal title) é formalizado em nome do trustee; 3) o trustee concentra o poder e a obrigação, sob as responsabilidades contratuais e legais, de administrar ou dispor dos ativos de acordo com os termos do trust e com as obrigações legais a ele impostas; 4) a reserva de certos direitos e poderes pelo instituidor, bem como a circunstância de o trustee possuir direitos como beneficiário, não são necessariamente inconsistentes com a existência de um trust.

Nos países de civil law há dificuldade em assimilar a ideia de “separar” o direito de propriedade em legal title (registro) e equitable right (benefícios), como ocorre nos trusts. Por isso ressalto novamente a importância de o Brasil ratificar a convenção antes de aprovar a lei regulamentando o instituto no país.

Nesse sentido, outro importante dispositivo do tratado é o artigo 8º, o qual estabelece que a lei aplicável ao trust deve reger os requisitos de sua validade, instituição, efeitos e administração. Ele ainda enumera os seguintes elementos que a lei deve contemplar: 1) o modo de nomeação, renúncia e destituição de trustees, bem como os requisitos que os capacitam para a escolha; 2) os direitos e deveres dos trustees; 3) o direito dos trustees de delegar, no todo ou em parte, o desempenho de suas funções ou o exercício de seus poderes; 4) o poder dos trustees de administrar ou alienar bens fiduciários, de constituir garantias ou adquirir novos ativos; 5) os poderes de investimento dos trustees; 6) restrições sobre a duração do trust e sobre a prerrogativa de acumular a renda auferida; 7) as relações entre os trustees e os beneficiários, incluindo a responsabilidade pessoal daqueles perante estes; 8) as formas de modificação e de encerramento do trust; 9) as formas de distribuição dos ativos do trust; e 10) o dever dos trustees de prestar contas de sua administração.

A ratificação da convenção seria, portanto, um grande passo rumo à segurança jurídica das futuras relações que nascerão com a instituição do trust no Brasil. Seria, também, um importante guia para o Congresso Nacional nas deliberações sobre o projeto de lei nº 4.758/2020.

Dalton Luiz Dallazem é advogado, sócio-fundador da Perin & Dallazem Advogados, mestre em Direito Tributário pela PUC-SP e doutor pela UFPR e mestre e doutor em Tributação Internacional pela University of Florida (EUA).

Consultor Júridico

Facebook
Twitter
LinkedIn
plugins premium WordPress

Entraremos em Contato

Deixe seu seu assunto para explicar melhor